É hora da negritude se organizar por uma alternativa política
Precisamos de um programa radical, antirracista e anticapitalista que lute pelo povo trabalhador, pelas mulheres e pelo povo negro.
A pandemia da COVID 19 escancarou ainda mais a enorme desigualdade que há no nosso país, deixou explícito que a juventude preta é a mais atingida pelas consequências da pandemia. Isso se dá pela falta de políticas públicas voltadas para as regiões periféricas, onde somos cada vez mais, todos os dias, cercados pela fome ou pela bala. Questões essas que são agravadas pela precarização causada pela forma que o governo de Bolsonaro gerencia os impactos da Covid 19.
Nós, negritude, combinamos de não morrer, e combinamos que não iremos deixar nenhum dos nossos para trás. Tivemos que deixar a sala de aula e, sem nenhum plano coeso, fomos inseridos no ensino EAD. Mesmo diante de várias pesquisas apontando que boa parte dos estudantes negros, indígenas e periféricos não tinham equipamento adequado e nem acesso à internet de qualidade, fomos juntos reivindicar o acesso à educação, a comida, a saúde e a moradia. Lutamos nas ruas, nas escolas e nas universidades por assistência estudantil, por um debate amplo com os estudantes, pelo adiamento do ENEM e várias outras lutas.
A crise econômica que foi agravada pela pandemia retirou vários dos nossos da sala de aula, tivemos que sair todos os dias da nossa quebrada à procura de emprego porque fomos responsáveis pela garantia da segurança alimentar das nossas famílias, do pão de cada dia. O cenário atual não mudou, estamos em postos subalternos de trabalho, temos o maior índice de evasão escolar, e o governo Bolsonaro segue com seu projeto de genocídio contra a juventude negra junto com os seus ministros. Enquanto Bolsonaro e sua família de bandidos seguem propagando desinformações, debochando das mortes por COVID 19 e da fome, ele diz que apesar de brasileiros passarem fome, a média dos que passaram a comer mais foi maior. Quem são esses brasileiros que seguem comendo mais e melhor? São os ricaços, que com essa pandemia não deixaram de lucrar, seguem comendo mais e melhor enquanto os nossos estão na boca do lixo pegando ossos para fazer sopa! Nem a fome e nem os bilionários deveriam existir!
Não é só no governo de Bolsonaro que nós, juventude negra, somos atacados. Vale lembrar que o projeto de “reforma do ensino médio”, de retirada de pessoas negras e periféricas da sala de aula para a entrada cada vez mais precoce no mercado de trabalho, foi aprovado no governo Temer. É um projeto de dissolução de disciplinas e conteúdos que são importantes para um debate que incentive e engaje estudantes a pensar no passado, presente e futuro, e construir uma sociedade mais justa fora da falsa utopia do capitalismo.
No governo Lula tivemos o projeto das Unidades de Polícia Pacificadora, que enviou tropas brasileiras para serem “treinadas” no Haiti, e que se revelou com o passar dos anos um dos principais braços do Estado para justificar a guerra aos pobres, disfarçada de guerra às drogas. Os governos de Lula e de Bolsonaro seguem com os mesmos mecanismos de destruição das vidas negras, uma necropolítica. Como afirma o filósofo Achille Mbembe, o atual estágio das relações na economia do capitalismo pós-fordista segue na proteção da política neoliberal. Para garantir a soberania dos ricaços, os governos seguem minimizando os conflitos sociais fazendo conciliação de classe mesmo que custe morte e encarceramento da nossa juventude.
Não podemos nos enganar, tivemos sim várias conquistas no governo Lula. Existe um setor que coloca essas políticas públicas como dadas, mas na verdade foram conquistadas pelo movimento negro, com muito suor, morte e pressão da juventude negra. Estávamos nas ruas lutando.
Nós, juventude negra, apostamos na ocupação das ruas em um movimento conjunto, de massas, para derrotar Bolsonaro. No ato 29M pedimos o fim do governo genocida e pedimos justiça pela chacina do Jacarezinho. Com a CPI da Pandemia foi revelado aquilo que já sabíamos: Bolsonaro é um genocida, negacionista e fascista. Vale lembrar que nas semanas de convocação para o ato o PT e Lula adotaram uma postura de desmobilização dos atos. Optaram boa parte da semana por uma não-convocação aos atos por apostarem nas eleições de 2022 como estratégia central, vencer Bolsonaro nas urnas. Essa velha política de conciliação e de esperar as eleições de 2022 por parte de alguns setores da esquerda é marcada pelo sangue das vítimas de covid 19, da fome e da bala. Nós não podíamos esperar até as eleições de 2022 para derrotar Bolsonaro, precisamos derrotá-lo nas ruas, mostrando uma política de oposição, uma alternativa radical, anticapitalista e antirracista.
Em meio às falas negacionistas e racistas de Bolsonaro, fizemos mobilizações gigantes nos atos de 19 de junho, 3 de julho e 19 de julho. Estávamos nas ruas lutando em defesa da vacina, por mais direitos da comunidade LGTBQ+, da negritude, dos estudantes e das mulheres, pela defesa do SUS e contra as intervenções arbitrárias e autoritárias que o presidente fez em pelo menos 20 instituições federais.
Chegamos juntos rumo ao novembro negro, construímos um amplo debate com toda a militância do Juntos! e participamos na construção do ato FORA BOLSONARO RACISTA – o qual, nos debates de construção, vimos a esquerda conciliadora de classes rifando a juventude negra e desmobilizando as construções. Durante as falas do dia 20 estava presente um discurso genérico fazendo palanque para eleições de 2022 e apontando Lula como futuro presidente. Lula não se esforça em esconder que está conciliando com setores burgueses e “progressistas”, o pior que há na política brasileira. O PT não tem sua agenda voltada ao fortalecimento das pautas raciais. Precisamos de um programa radical, antirracista e anticapitalista que lute pelo povo trabalhador, pelas mulheres e pelo povo negro. Um programa que lute contra os projetos políticos racistas que estão a todo momento moldando a nossa sociedade, lute contra o racismo estrutural e alavanque iniciativas para combater o racismo institucional.
Lula e Alckmin dão novo passo em aliança para 2022, e nós não podemos esquecer do passado. O ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, representa, assim como Bolsonaro, uma política genocida, enquanto governou em SP, onde construiu uma política voltada para a elite paulista. Em uma entrevista, deu parabéns para a polícia que mais mata jovens da periferia, foi denunciado pela ONU (Organização das Nações Unidas) por violência policial em protesto e movimentou milhões só em propina pelo com o roubo de merenda escolar. Lula e Alckmin com sua chapa irão continuar o mesmo projeto que a elite brasileira e sua classe média de estimação apresentam, enquanto a classe periférica vai ter que se acostumar com o resto. Lula irá leiloar sem pensar duas vezes o futuro da juventude.
Por isso, nós, negritude, não seremos palanque para as eleições de 2022, é nosso papel apresentar uma política de emancipação da negritude. Não iremos compor a velha política de conciliação de classe – que não luta pelos direitos do movimento negro. Essa política, igualmente ao capitalismo, está forjada pelo racismo estrutural.