Sobre o fascismo na Guerra da Ucrânia
Uma polêmica com Jones Manoel e o campismo brasileiro
A invasão militar promovida por Putin na Ucrânia nos traz diversos debates importantes sobre o caráter imperialista da guerra e o papel dos revolucionários nesse cenário. Outras questões, contudo, nem sequer deveriam estar sendo apontadas agora, já tendo sido superadas de forma teórica e concreta por Lênin, Trotsky, Rosa e muitos outros. Apesar disso, precisam ser combatidas diante da intensidade em que são apresentadas publicamente por alguns setores, atrasando o avanço da consciência da vanguarda sobre a guerra e o seu real caráter: uma disputa entre imperialismos.
Para isso, é fundamental resgatar as contribuições dos principais dirigentes marxistas no curso da primeira grande guerra imperialista. Tamás Krauz, em sua biografia intelectual de Lênin, destaca que a autodeterminação dos povos é uma questão fundamental da democracia, a qual os revolucionários não podem baratear. Como consequência, tendo uma oposição firme ao realinhamento imperialista das fronteiras feito à força (http://mas.org.pt/index.php/2022/03/19/a-questao-nacional-e-a-autodeterminacao-nacional-duas-culturas/). Hoje, a dita “operação militar especial” russa nada mais é do que uma tentativa desse imperialismo de modificar as fronteiras e até o regime político à força, tal como realizado na Península da Crimeia em 2014. Putin sustenta teoricamente essa agressão a partir de uma suposta desmilitarização e desnazificação da Ucrânia.
Ora, defender a ação de Putin, ou mesmo relativizar o seu caráter sob um suposto elemento progressivo de enfrentar a extrema-direita, é justamente ir no sentido contrário do apresentado por Lênin. Se há algum risco de instauração de um regime nazista na Ucrânia, o que nem sequer é o caso, precisamos defender que seja combatido pelo próprio povo ucraniano, com todo o apoio da classe trabalhadora de outros países. Não se trata do que ocorre no cenário atual, em que há a segunda maior potência militar do mundo atuando para realizar os interesses de sua burguesia oligárquica, cuja formação oriunda dos trágicos processos de privatização das estatais soviéticas.
A Ucrânia tem uma relação histórica com a Rússia, em especial numa relação de opressão, tal como caracterizado por Lênin e Trotsky, ao debater o papel dos bolcheviques sobre a importância do direito a autodeterminação para esse país (http://mas.org.pt/index.php/2022/03/19/a-ucrania/ e http://mas.org.pt/index.php/2022/03/19/a-questao-da-ucrania/). Atualmente, diante do avanço da OTAN sobre o Leste Europeu, a tensão sobre a região vem aumentando desde o início do século XXI. Tanto por parte do bloco militar ocidental, como pela Rússia e seus aliados.
Diferentemente do que insinuam quadros como Jones Manoel e Breno Altman, a invasão russa em nada contribui para o avanço da luta de classes em favor dos socialistas e muito menos, para o combate ao nazismo na Ucrânia. Pelo contrário, o início da guerra propiciou o fortalecimento das tropas militares ucranianas com presença da extrema-direita, como é o caso do famoso Batalhão de Azov, seja pelo recebimento de equipamentos, seja através de um maior recrutamento, sob o argumento de combater as tropas invasoras.
Mas não só. Há um movimento de quadros da extrema-direita internacional em direção à Ucrânia para receber treinamento militar e compor essas forças, como é o caso do neonazista português Mário Machado e seus aliados. O próprio governo de Zelensky, de caráter burguês (mas não necessariamente fascista), aproveita da situação para adotar medidas típicas de guerra para promover restrições na democracia liberal. Como ocorreu no caso da recente proibição da atividade de determinados partidos da oposição (https://movimentorevista.com.br/2022/03/nota-do-sotsialnyi-rukh-movimento-socialista-democratico-da-ucrania-sobre-a-proibicao-pelo-governo-zelensky-da-atividade-de-diversos-partidos-no-pais/).
Os socialistas precisam defender o fim da OTAN – e assim fazemos. Sua tentativa de expansão para o Leste Europeu pretende estimular uma escalada armamentista e a construção de guerras que servem somente aos interesses do capital americano, atentando deliberadamente contra a classe trabalhadora europeia. É fato que as tensões sob a Ucrânia têm sido costuradas pela OTAN há anos. Entretanto, ignorar os interesses igualmente imperialistas do governo russo, é negar a análise dialética da realidade.
O agravamento do conflito militar por parte da Rússia, possibilita argumentos para uma escalada militar também de outras potências imperialistas através da OTAN. Assim como pela aproximação de países neutros ao bloco militar. Diversos países da União Europeia começam a destinar uma maior parte do PIB para gastos militares. Os Estados Unidos, um imperialismo em decadência desde a crise de 2008, ganha sobrevida por ser a principal indústria militar do mundo. Novamente, trata-se de um retrocesso para a nossa perspectiva programática de extinção dos blocos militares imperialistas, como é o caso da própria OTAN, fundada no pós-guerra como uma forma de combater a então União Soviética.
Não há, portanto, qualquer elemento progressivo na iniciativa militar de Putin. O que está colocado hoje é uma piora das condições de vida de toda a classe trabalhadora mundial. Em especial ao povo ucraniano, que sofre diretamente as consequências dessa invasão em todos os seus sentidos, com milhões de refugiados e um país destruído. Também na Europa e na Rússia, em que o povo sofre os encargos de uma guerra que em nada lhes favorece e de sanções que sequer lhes cabem.
Relativizar o ataque da Federação Russa ao povo ucraniano é ir em desencontro com a experiência de líderes históricos de nosso movimento como também da análise dialética da situação concreta. O que nos cabe agora é a luta pela paz para os povos, através de um pacifismo concreto, que se baseia na classe trabalhadora e não nos interesses de estados imperialistas, sejam os aliados aos EUA ou à China. Isso se concretiza na defesa do direito de autodeterminação do povo ucraniano, seja o que resiste em seu território, seja aquele que expressa sua solidariedade em outros países.
Ainda que haja neonazistas por parte da Ucrânia neste movimento, não se pode confundir a sua presença, ainda que institucionalizada nas forças armadas, mas pequena em relação à maioria do povo, com a sua capacidade de direção e expressão de massas. Afirmar que o povo que reage à agressão russa é neonazista, é estar legitimando o discurso imperialista de Putin que não tem nenhuma base real, cuja natureza se assemelha a um discurso bolsonarista em relação à doutrinação marxista nas universidades.
No Paraná, onde está a expressiva maioria da comunidade ucraniana residindo no Brasil, o ato de solidariedade organizada por esta teve entre suas lideranças um ex-presidente do DCE UFPR e ex-diretor da UNE, perseguido pela ditadura e atualmente o presidente da Representação Central Ucraniano-Brasileira (https://documentosrevelados.com.br/ficha-no-dops-do-lider-estudantil-vitorio-sorotiuk-um-historico-de-sua-luta-por-democracia/). Polemizar com nosso apoio ao povo ucraniano, dando a entender que não nos solidarizamos pelos socialistas presos no país, é implicar sutilmente que a agressão de Putin deve ser apoiada, sendo assim, um tamanho retrocesso ao movimento socialista, confundindo a vanguarda e dando a aparência de que nossos interesses são semelhantes ao do regime russo de caráter autoritário e anti-comunista.
Assim como apoiamos a resistência ucraniana (por parte da classe trabalhadora do país, para não haver confusões oportunistas), o mesmo é verdade para os socialistas de ambos os países e para o povo russo que reage ao sofrimento que vem tendo diante da guerra. Mesmo com seu presidente autoritário restringindo a democracia na Rússia, afirmando que as manifestações pelo fim da guerra são ilegais, o povo se recusa a sair das ruas, apesar do risco de prisão.
Agora, não há espaço para vacilação e distorções que nada contribuem para a luta da classe trabalhadora. A nossa solidariedade deve ser expressa a todos os povos que lutam pela paz, onde nos encontraremos lado a lado tanto no Brasil como fora dele, afinal, somos internacionalistas. É a partir do resgate da solidariedade internacional aos povos oprimidos em luta e do princípio de sua autodeterminação que continuaremos na construção de uma mobilização internacional pela paz entre os povos, exigindo o fim do ataque imperialista russo, sem deixar de apontar que a solução não será através da OTAN.
Fim da invasão russa na Ucrânia!
Autodeterminação do povo ucraniano!
Liberdade para os pacifistas russos!
Contra os imperialismos em disputa!
Construir uma campanha internacional pela paz!