Os estudantes da USP concordam: É Tudo pra Ontem!
O que significa a vitória histórica da oposição nas eleições do Diretório Central dos Estudantes da Universidade de São Paulo e qual será o papel do movimento estudantil na política brasileira
No dia 10 de junho de 2022 (dia 11 se considerarmos que a apuração durou até de madrugada, como é de se esperar) foi confirmada a vitória da chapa “É Tudo pra Ontem: um DCE de Luta está Surgindo”, com mais de sessenta por cento dos votos, conquistada pelo Juntos!, Correnteza, UJC e Ecoar. Essa vitória veio devido a diversos fatores. Vê-se, pela composição da chapa, que necessitou-se de uma união ampla dos movimentos da esquerda radical que se opõe à estagnação petista do movimento estudantil (M.E.) e seus aliados como a chapa “Nossa Voz” (11,29%), e a racha dessa chapa, “Por Todos os Cantos” (11,31%), e que a priorização da mobilização estudantil e das reivindicações do corpo discente ressoou muito mais com os estudantes que pautas eleitorais apressadas e de autoconstrução, visto pela derrota da outra chapa de oposição, “USP Sem Medo” (8,24%). Enfatizo que foi-se necessário reerguer o movimento estudantil de sua inércia para garantir que quase dez mil estudantes fossem às urnas para participar das eleições do DCE Livre da USP Alexandre Vannucchi Leme.
É necessário contextualizar em qual situação a USP se encontra nesse semestre que demarca o retorno das aulas presenciais. Após dois anos de ensino remoto, que por sua vez demonstrou-se limitante para diversos estudantes, no começo deste ano voltamos às aulas nos campi em um processo extremamente turbulento e repleto de despreparo da reitoria para nos receber. Passamos por circulares e filas dos RUs cheias, estes últimos que em certos momentos não abriram, deixando os moradores de cada respectivo lugar sem amparo, como no CRUSP durante a Páscoa e, mais recentemente, na ESALQ. Vimos classes inteiras sem professores e/ou salas, por exemplo nas Letras, e recursos como o Pró-Aluno sendo retirados de quem precisava. Há um sentimento de abandono dos estudantes pela atual reitoria, que parece mais preocupada com a presença da iniciativa privada na universidade do que com a nossa! Falta moradia estudantil de qualidade, acesso às necessidades básicas, bolsas que contemplem verdadeiramente a situação dos bolsistas, e, atravessando todos esses problemas, vemos um vácuo de consciência da Reitoria sobre o papel social que a USP deve ter e com a permanência estudantil inerentemente vinculada ao caráter popular que nossa universidade ganha ano a ano com muito esforço e luta.
No entanto, não podemos repetir o erro da antiga chapa e esperar da reitoria o que é dever e capacidade do M.E. Diga-se de passagem, a eleição do DCE é mais democrática e demonstrou uma maior participação que a “consulta” para o Reitor. Nesse ano que demarca meia década de cotas na USP, conquistadas pela luta do movimento negro em conjunto com o movimento estudantil, vemos estudantes que estão preparados para erguerem a bandeira de sua universidade e ocuparem as ruas demandando o que é nosso por direito. Com uma USP cada vez mais negra e periférica, não nos surpreende os ataques da hegemonia política brasileira, sejam estes diretos como as falas aporofóbicas do nosso Ministro da Economia ou os cortes à educação pelo Bolsonaro, ou sejam eles mais súbitos e higienizados mas ainda sim devastadores ao povo trabalhador que estuda na USP, como o descaso das gestões das Reitorias e a falta de recursos, atenção e verbas direcionados aos problemas vivenciados pelos discentes da universidade.
É nessa realidade que nos encontramos, e foi por meio desta análise que a chapa “É Tudo pra Ontem” tornou a eleição histórica. Conseguimos articular com os estudantes a importância da participação tanto nas eleições quanto na mobilização, muitos dos quais sequer conheciam o DCE, que deveria ser a entidade de representação estudantil máxima. Pois será! Vimos, em cada passagem de sala, conversa de construção e nos debates, estudantes que reconhecem que a gestão de sua universidade é insuficiente e que algo deve ser feito sobre isso. Percebemos as particularidades das lutas de cada respectivo campus e curso, que necessitam políticas específicas, mas também sintetizamos uma visão total e totalizadora da luta dos estudantes da USP. Mais importante, vencemos na base de um compromisso incondicional: um DCE democrático, em contato constante com os alunos e suas lutas, e combativo. Ao contrário da gestão que nos precede, nós apostamos e nos baseamos na mobilização e na participação!
É preciso enxergar também qual é o lugar que o DCE da maior universidade da América Latina, e a universidade como um todo, tem na política brasileira. Nossa eleição coincidiu com um ano eleitoral que também será histórico. Como foi visto nas nossas urnas, nós, os estudantes, não queremos derrotar somente o Bolsonaro, mas o bolsonarismo, e não nos basta um governo alternativo conciliador. A tentativa de adiantar a pauta eleitoral foi desastrosa, pois os estudantes entendem os limites dos governos que virão e que teremos que lutar ativamente para conseguirmos garantir verbas para a USP, permanência estudantil e a popularização de nossa universidade. Em um período no qual a fome e a miséria crescem em nosso país, com um contínuo desmonte da máquina pública e diversas crises que percorrem as camadas às margens da sociedade brasileira, não basta resumirmos a solução às urnas. Vê-se concretizando a ideia que a USP pode ser e será um lugar de participação nas pautas políticas que atravessam nosso país e que isso será feito com um método de luta ativa!
Poderia preencher mais muitas páginas detalhando quais serão os campos de luta que o movimento estudantil da USP ocupará, mas acho que isso se dará melhor na vivência dos estudantes que se encontram em um certo marco de recomeço. Concluo, então, trazendo a esperança de que seguiremos ganhando força e momento para combater as injustiças pelas quais passamos e presenciamos em nossa universidade. No limite, espero, no sentido ativo da palavra, que haverá um acréscimo de consciência estudantil coletiva, com uma gestão que não se reduz a discursos, posts nas mídias sociais e notas em repúdio, mas sim enquanto ergue das cinzas uma mobilização permanente dos estudantes. Como disseram Marx e Engels, “não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência”. Pois agora o movimento estudantil vive! Grita, de todos os campus e cursos, de forma plural, democrática e popular, sem medo algum e em voz unida, que é tudo pra ontem!
Vos encontro nas ruas, compas!