A financeirização da educação e suas entranhas no MEC
Reprodução Agência Brasil

A financeirização da educação e suas entranhas no MEC

A financeirização do ensino brasileiro é uma das grandes responsáveis pelo fortalecimento das desigualdades socioeconômicas, a partir do aprofundamento da privatização em um setor que deveria ser garantido pelo poder público.

Tarsila Amoras 18 abr 2023, 20:04

            Recentemente os debates sobre educação tem crescido no país, assim, quero aproveitar essa porta que se abre para avançar nas discussões fazendo uma análise, ainda que mesmo não finalizada, sobre financeirização do ensino superior brasileiro, pois se afirma como necessária para construção de uma nova educação. Tendo a noção da educação ser um projeto político, subjetivo e um finco estrutural do sistema socioeconômico – tal qual o método taylorista-fordista de fabricação, em que os trabalhadores são expropriados da sua autonomia e impostos à realidade da fábrica com esteira rolante de produção padronizada -. se curriculum significa “pista de corrida”, no final desse caminho estratégico, as instituições tomam o lugar de empresas de ensino e são responsáveis por terem moldado a formação da consciência necessária para a manutenção das coisas como elas são na produção de mercadoria (a mão de obra dos trabalhadores), e, se mudarem, que seja nos limites impostos pelo sistema capitalista.

         A financeirização do ensino brasileiro é uma das grandes responsáveis pelo fortalecimento das desigualdades socioeconômicas, a partir do aprofundamento da privatização em um setor que deveria ser garantido pelo poder público. Entretanto, enquanto que constitucionalmente a educação é um direito de todos, a partir do crescimento em larga escala das empresas de ensino superior, em 1995, com a fundação da Organização Mundial do Comércio (OMC), a educação foi incluída nas regras de comercialização e lucratividade que regem os comércios de bens, no qual também abarca a área de conhecimento, ou seja, foi reconhecido que a educação deixava cada vez mais de ser um direito cidadão garantido pelo estado e deveria ser analisada também como produto ofertado. Assim, as fundações – como Fundação Lemman e Fundação Itaú-Unibanco – e coalizões nacionais, como Todos pela Educação, sob poder de grandes nomes comandantes de capital internacional, ganham terreno fértil para seu desenvolvimento econômico sob a defesa do investimento em educação de qualidade.

         É nesse contexto em que os grandes grupos educacionais aumentam seu poder de influência a nível internacional funcionando como holding financeirizados (Dowbor; Blandy, 2022), ou seja, significa que a partir da sua inegável concentração de poder econômico, administram outras empresas, como é o caso do grupo Ser Educacional e COGNA, donos de dezenas de universidades pelo interior do Brasil. Assim, esses grupos, na verdade, são gerenciadores empresariais e de capitais de marcas, com slogans e marketing operacionalizando as formas de atrair clientela. A ultraconcentração empresarial no ensino privado também por meio do uso de recursos públicos, como com os programas de financiamento, ocasionam a estratificação do acesso ao ensino também como estratégia de marketing, por meio da lógica de meritocracia e crescimento individual. Aqui tomo a liberdade de tecer um comentário sobre os programas que financiamento, especificamente o FIES: construído como a solução para a maior entrada das classes populares no ensino superior e desacompanhado de política de ações afirmativas prova que o que vale não é o acesso e sim a vantagem aos conglomerados educacionais.

         Em razão da falta de regulamentação do ensino superior privado, é atrativo e lucrativo às empresas de educação, menores investimentos na qualidade educacional oferecida, assim, ingressam muitos estudantes ao ano em instituições que dissociam o tripé educacional de ensino, pesquisa e extensão e não investem na sua valorização dos docentes – contratados muitas vezes por tempo parcial ou carga horária -, além de que grande porcentagem não se forma por conta do alto endividamento. Exemplo disso, hoje o movimento estudantil luta pela revogação da Portaria nº 2.117/2019 do MEC, que autoriza 40% de aulas na modalidade de ensino à distância em cursos presenciais, pois, o estudante continuaria pagando o mesmo valor das mensalidades presenciais, que só crescem a cada semestre, para receber uma modalidade diferente de ensino. A realidade é que as instituições superiores privadas sem regulamentação e diretrizes viram pista de corrida dos poderosos da educação.

         A educação básica, constitucionalmente sendo um direito garantido pelo poder público, também começa a entrar no jogo do capital no momento em que empresas de ensino superior investem nos anos anteriores com escolas com fins lucrativos, venda de pacotes padronizados e a relação estratégica com as novas tecnologias, não em serem ferramentas de melhoria no processo de ensino-aprendizagem, mas de assumirem um novo modelo de prática educacional, em que o centro é ocupado pelos acionistas e os alunos são o meio para o lucro. Essa é a sociedade em rede que funciona para o sistema capitalista, educação básica e superior em uníssono para a valorização do capital, e, nesse vale tudo está a reforma do ensino médio com a mudança curricular que privilegia o neoliberalismo e a meritocracia.

         O debate curricular não se priva aos marcadores da sala de aula, pois abrange também a formação de cidadãos, logo, as cartas das grandes fundações, dos institutos e das empresas de ensino querem formar política e subjetivamente trabalhadores com menos ciência crítica sob uma lógica empresarial e de crescimento individual em meio ao neoliberalismo que precariza a escola, a universidade e o mercado de trabalho. Para os socialistas, o debate da educação não pode e nem deve estar nos marcos legais da burguesia do que é possível e o que é impossível dentro das escolas e universidades, para nós, a ciência não é neutra, assim como as instituições de ensino. Então, que sejam construídas a partir do princípio democrático de não dever ser local de mando e desmando, mas, sim de análise e intervenção coletiva. Por entender que a educação é ferramenta de conhecimento histórico e em desenvolvimento, é necessário repensá-la sob o eixo da classe trabalhadora – diversa intrinsecamente –, dessa nova perspectiva, é possível questionar qual consciência está sendo construída no final da pista de corrida educacional. Os que acreditam em uma educação popular de auto-organização e emancipação, concebem a educação também como tomada de consciência para a transformação de viver a classe em si para viver a classe para si, é o poder de debate social, econômico, político pelas e pelos trabalhadores para a construção de uma educação menos abstrata e moldada pela demanda do capital.       

         Se o governo, por interesses políticos e econômicos, não se compromete com o debate concreto dos rumos da educação e a profundidade que tem a nível de formação social, o movimento estudantil deve tomar a dianteira na defesa da educação pensada pelos seus profissionais. Escolas e universidades livres não devem ser utopia e sim o horizonte para as práticas constantes em defesa de uma educação universalmente gratuita, pública, de qualidade e democrática.

REFERÊNCIA:

Artigo A financeirização da educação brasileira e seus impactos – Ladislau Dowbor e Beatriz de Azevedo Blandy – Revista Eletrônica Pesquiseduca, Revista do Programa de Educação – Universidade Católica de Santos ISSN: 2177-1626 – Páginas 801 a 825 – Rev. Eletrônica Pesquiseduca. Santos, V.14, N.36, p. 801-825, mai.-ago, 2022 – Qualis/Capes A4


Últimas notícias