Europa em ebulição
A luta dos trabalhadores franceses contra a reforma da previdência de Macron
Os trabalhadores francês têm despertado na Europa uma chama ardente acesa em pleno inverno. Com as ameaças do governo de Macron de aprovar uma reforma da previdência que além de tirar direitos, sobe para 64 anos a idade de aposentadoria, os trabalhadores francês têm realizado gigantescas mobilizações e greves por todo o país desde janeiro deste ano. As mobilizações dos franceses têm gerado uma onda de protestos em outros países na Europa, em especial na Espanha e Reino Unido. A precarização da vida gerada pela guerra interimperialista e a tentativa de retirada de direitos da população é respondida com braços fechados e movimento de rua pelos trabalhadores!
Uma mobilização histórica
As manifestações que vêm tomando as ruas das cidades francesas têm crescido de tamanho desde suas primeiras mobilizações em janeiro deste ano. É importante ressaltar que a luta contra o avanço do governo na precarização do sistema previdenciário tem história na administração de Macron. Já em 2019 o presidente liberal enfrentou grandes ondas de mobilização que ficaram conhecidas como os protestos dos “coletes amarelos”. O plano de seguir a precarização e ataques aos direitos previdenciários só seria suspenso pela pandemia, mas retornaria tanto como promessa de campanha, como nas discussões públicas no início de 2023.
A resposta tem sido massiva. No início de março, mês que marcou o maior número de pessoas nas ruas até agora, só no dia 7 era possível ver as principais cidades francesas tomadas, sendo Paris palco de uma grande massa de 700 mil pessoas. O início do mês já anunciava que as mobilizações chegavam a levar milhões às ruas, contando com apoio de mais de 70% da população, contrária às mudanças apresentadas pelo governo. Ainda, a classe trabalhadora organizada entra nesse cenário de forma expressiva: as greves e tomadas de controle de produção por parte dos trabalhadores de todo o país já deixaram Paris lotada de lixo nas ruas, sem combustível em postos e em boa parte do país, há blackouts controlados e alterações nos itinerários das linhas férreas. Tal aspecto é fundamental, pois marca a retomada histórica do método grevista e da participação massiva da classe trabalhadora organizada e auto-organizada no cenário de disputa política das ruas desde o início da presente crise do capital de 2008.
Os atos e greves fizeram o parlamento sentir a força que vinha das ruas. O governo em meados de março já não possuía maioria necessária para aprovar a reforma e desenhava-se uma vitória dos trabalhadores. A solução de Macron foi utilizar-se de um artigo, o agora famoso 49.3, da constituição francesa que permitia a aprovação de reformas via decreto, sem passar pela Assembleia Nacional. Assim, por decreto, Macron aprovava o aumento de 2 anos na idade mínima de aposentadoria, crente que tal ação desgastaria a mobilização.
Pelo contrário, se antes a população já estava contrária a reforma, a forma pela qual esta foi tocada, por decreto e não passando pelo parlamento, uma clara manobra extremamente antidemocrática, acendeu um sentimento de fúria e revolta. As ruas continuaram a encherem, com uma adesão cada vez maior de outros setores, como os das juventudes estudantis. As cenas e a dimensão das manifestações têm tomado a atenção do noticiário e das redes sociais, especialmente com cantos que relembram a força da população na revolução francesa e alertando Macron.
Não há nenhum sinal de arrefecimento da luta e podemos esperar ver elas ganhando força nesse mês que se aproxima. Essa já histórica mobilização tem aspectos importantes de serem destacados: tanto a convocação das manifestações têm ocorrido por uma aliança sem precedentes de todas as centrais sindicais francesas como o elemento de a força motriz dessa onda ser em especial a classe trabalhadora organizada. Tal classe tem empurrado as lutas e usado de métodos históricos de mobilização, ao mesmo tempo, tem conseguido maioria social. A participação decisiva dos trabalhadores deve ser observada em um contexto mais largo, não se trata de alguns setores, mas sim de milhares entrando em greve simultaneamente, de categorias que não cruzavam os braços a muito tempo. Não só isso, mas como sinalizado antes, tal participação reabre a intervenção da classe de forma organizada em um cenário de crise orgânica do capital. Sua experiência deve servir de inspiração para nós.
Crise orgânica, pandemia e guerra
As grandes mobilizações que tem se dado na França não tem se restringido ao país da bandeira tricolor. Manifestações expressivas têm ocorrido na Espanha e na Inglaterra, todas unificadas em torno da bandeira de direitos e lutas contra a precarização da classe trabalhadora. A “exportação” da luta dos trabalhadores franceses se dá em um contexto de experiência similar de precarização e ataque à classe trabalhadora mundial, cenário agravado pela crise orgânica prolongada do capital, dos efeitos da pandemia e da guerra interimperialista na Ucrânia.
De maneira generalizada, há um agravamento de uma crise total do capitalismo que se estende desde 2008. A conjuntura geral expressa fortes contradições políticas e sociais da burguesia. De um lado, as apostas de saídas econômicas têm falhado em reestruturar a normalidade do mercado mundial e restabelecer um crescimento pautado na produção. As recentes demissões em massa da empresa “Meta” de Zuckerberg e a falência de dois bancos ligados à enorme especulação no setor tecnológico é sintoma dessa crise que se agrava no interior do capital financeiro. De outro lado, a burguesia está politicamente dividida, apostando em partes no crescimento de uma extrema-direita representada por Trump e com expressões em Bolsonaro, de outra parte, apostando na política institucional tradicional, expressadas por, entre outros, Macron e a política de austeridade econômica e retirada de direitos.
A crise se agrava ainda mais com a pandemia e posteriormente com a guerra na Europa. O cenário de disputas interimperialistas dos países centrais do capitalismo é a razão dessa guerra. A questão é que as consequências da disputa dos ricaços na partilha do mercado mundial, característica do capitalismo, vem agravando cada vez mais um cenário já instável na Europa e no mundo, sentido pelo encarecimento generalizado de produtos e recrudescimento do aumento da produção, tanto na China como nos EUA, os dois polos da disputa capitalista pela hegemonia comercial.
A luta deve avançar com consciência de seus caminhos
As experiências de surgimento de lutas em meio a crises orgânicas do capital deve servir de acúmulo para o atual cenário das mobilizações que se organizam na França e no mundo. Como dito anteriormente, tal cenário de crise se alarga a mais de uma década. Desse cenário, surgiu entre 2011 e 2013 importantes experiências de lutas da classe trabalhadora mundial que nos relega importantes lições.
Experiências como foram o “Podemos” na Espanha e o “Syriza” na Grécia devem servir de importantes reflexões para a esquerda que volta a ocupar as ruas. Surgidos das marés de contestação do sistema político burguês, ambas as alternativas falharam a servir como verdadeiros organizadores coletivos da indignação da classe por capitularem frente ao reformismo e a conciliação. Tal cenário se repetiu no Brasil na medida em que o PT atuou na repressão e desmobilização de lutas importantes que surgiram em 2013 e voltaram a se expressar nas ocupações das escolas em 2015.
Essas experiências, combinadas à recente experiência francesa, demonstram que a luta em unidade de ação não pode ser confundida com uma política de conciliação. Na dialética entre as lutas e suas construções, cabe a esquerda socialista saber não ser sectária e entender seu papel dentro da unidade de ação, não apenas ingressando nelas com a condição de dirigir-las, mas ao mesmo tempo ser o polo tensionador que estimula o avanço das mobilizações de forma independente e profundamente conectada com as reivindicações apresentadas.
Por tanto, é no estímulo e na experiência autônoma da classe trabalhadora que os socialistas devem apostar e se aprofundar. É com o exemplo de greves, bloqueios e tomadas de controle de fábricas e produções, como tem ocorrido na França. O exemplo francês mostra que a classe trabalhadora está disposta a não ceder a “acordos possíveis”, mas sim barrar a reforma da previdência. Similar é o contexto da nossa luta atual pela revogação do Novo Ensino Médio. A pressão estudantil mostra que não basta a reforma da reforma, mas sim sua revogação total. Os socialistas devem ser, assim, os polos de solidariedade internacional e grandes estimuladores e batalhadores das lutas que se apresentam nessa nova etapa da crise do capital.