Zanin: um conservador no STF e as limitações do judiciário
Nossas esperanças não devem residir no direito, e sim na luta política. Nossa luta por um outro mundo deve também ser uma luta contra a forma jurídica, que, ressalte-se, é intrinsecamente capitalista.
A eleição de Lula em 2022 foi uma das mais acirradas da história. Um dos fatores que garantiu sua eleição foi a mobilização dos movimentos sociais, especialmente aqueles ligados a grupos que foram sistematicamente atacados no governo de Jair Bolsonaro. Não à toa, Lula era o candidato preferido entre os eleitores negros, os mais pobres, e eleitoras mulheres. Por isso, muito se esperava das ações do governo petista em prol deste eleitorado.
Já no primeiro semestre de seu governo, surge uma vaga para ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), liberada com a aposentadoria de Ricardo Lewandowski. A vaga ignificava uma oportunidade de viabilizar o avanço de uma Corte que contrastasse com as indicações feitas durante o governo Bolsonaro – André Mendonça e Nunes Marques, ambos de perfil conservador; o primeiro, “terrivelmente evangélico”.
Havia uma expectativa geral de que Lula indicasse ao STF uma mulher, já que em toda a sua história o Tribunal teve apenas três mulheres como ministras. Melhor ainda se fosse uma mulher negra, algo que nunca existiu no STF. Para além da representatividade, esperava-se que a indicação de alguém com esse perfil estivesse alinhada a uma política progressista, de avanço de direitos para populações historicamente marginalizadas.
Desde o início de seu mandato, porém, havia rumores de que Lula indicaria Cristiano Zanin, seu advogado pessoal, um homem branco, para a vaga. Pouco se sabia sobre a posição de Zanin sobre temas polêmicos; tratava-se de um advogado reservado, que adquirira relevância no debate público apenas porque defendeu Lula das ações da lava-jato. Lula se silenciou diante das discussões sobre a necessidade de um STF mais negro e feminino, e indicou seu fiel escudeiro.
Em menos de um mês como ministro, Zanin tem demonstrado a que veio, contrariando pautas, em tese, defendidas pelo governo federal: votou pela ampliação dos poderes das guardas municipais, se posicionou contra a descriminalização da posse de drogas, e votou em conjunto com os ministros bolsonaristas contra o reconhecimento de Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que versava sobre violência policial em terras Indígenas Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, além de afastar o princípio da insignificância em caso de furto de menos de R$100,00.
Essas decisões ocorrem em paralelo ao crescimento de casos de violência policial em todo o Brasil. Uma das principais justificativas para os assassinatos que vêm ocorrendo em operações da polícia militar em São Paulo e na Bahia é o combate ao tráfico de drogas. A criminalização das drogas vem sendo utilizada como uma arma contra a população negra e periférica, de modo que a decisão de Zanin pela criminalização do posse de drogas garantirá a perpetuação da violência policial contra o povo negro. Suas decisões, portanto, tem contrariado os interesses daqueles que deram suas vidas para eleger Lula presidente.
Mesmo diante disso, Lula tem sinalizado que os votos do Zanin não influenciam sua próxima indicação ao STF, que ocorrerá ainda esse ano com a aposentadoria de Rosa Weber. Inclusive, é bastante provável que o presidente já soubesse das posições conservadoras do Zanin, dado que justificou sua escolha por ele dizendo que apenas escolherá ministros para quem possa telefonar. Além disso, houve um pacto entre a base de Lula no Senado, de modo a evitar que durante a sabatina Zanin fosse muito questionado sobre temas considerados progressistas, o que já demonstra uma tentativa de esconder o real perfil do ministro.
Essa semana, ao indicar uma mulher, Daniela Teixeira, para ministra do STE, o presidente parece estar fazendo um movimento para tentar evitar o desgaste que terá ao não indicar uma mulher para a vaga de Rosa Weber. Mesmo diante de um governo dito progressista, portanto, é provável que o STF continue a ser uma corte branca e masculina. Como se não bastasse, um governo progressista que indica ministros conservadores.
É evidente que a atuação do STF na garantia de direitos sociais é repleta de controvérsias. Para nós, socialistas, a principal delas reside no fato de que não há “direito socialista”, ou “direito dos trabalhadores”. Isto porque, o direito é intrinsecamente burguês, independente do conteúdo progressista que possam conter as leis e decisões judiciais, como já apontava o jurista Évgeni Pachukanis. Isso acontece porque, através da figura do “sujeito de direito”, diferentes classes sociais são tratadas como se fossem ambas livres e iguais, de maneira a ocultar o fato de que há uma classe explorada – a classe trabalhadora – e uma classe exploradora – a burguesia. Basicamente, é o direito que permite, através da figura do contrato de trabalho, que a exploração da força de trabalho se concretize. A lógica do direito, portanto, é a lógica do sistema capitalista.
Por este motivo, nossas esperanças não devem residir no direito, e sim na luta política. Nossa luta por um outro mundo deve também ser uma luta contra a forma jurídica, que, ressalte-se, é intrinsecamente capitalista. Entretanto, a revolução não acontecerá amanhã. Não podemos negar que, no cenário em que vivemos, é preferível que haja ministros aliados às nossas lutas, que não coloquem ainda mais empecilhos em temas que são urgentes para nós, tal como tem repetidamente feito Zanin.
Este é um ponto de suma importância, especialmente no momento em que não faltam esforços para que haja a criminalização dos movimentos sociais, tal como é possível notar com a CPI do MST, onde a deputada federal Sâmia Bomfim tem travado dura e fundamental batalha contra os setores mais conservadores da Câmara dos Deputados, ou ainda, diante do recente massacre promovido pela Polícia Militar no Litoral Paulista.
É nesse contexto que sabemos que nossa luta deve se concentrar junto aos movimentos sociais, para que, de forma conjunta, possamos pressionar e disputar o sentido das decisões daqueles que podem ser lidos como aliados, ainda que com a inúmeras limitações, bem como garantir que as próximas indicações à Corte, por este Governo, sejam no sentido de 1) Garantir a defesa do programa trazido no período eleitoral, ainda que conscientes que tratou-se de uma frente amplíssima e a fatura certamente é cobrada diariamente e 2) a indicação seja feita conscientemente com rosto, raça, gênero e histórico que realmente reflete as necessidades e realidades da maioria da população brasileira.