Nada será como antes na USP: os acertos que tivemos e os erros que ainda não aprendemos
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Nada será como antes na USP: os acertos que tivemos e os erros que ainda não aprendemos

A greve foi uma resposta propositiva e reivindicativa para problemas concretos que são mascarados na realidade daquela que se apresenta como principal universidade do país – mas hoje se encontra num impasse.

Juntos USP 21 out 2023, 17:41

Completamos nessa última semana um mês de greve na Universidade de São Paulo. Em um contexto de ausência de grandes lutas a nível nacional, onde a hegemonia do movimento estudantil parece estar mais disposta a se adaptar às contradições do novo governo federal do que a construir grandes enfrentamentos, a USP foi sem dúvida nenhuma um exemplo. Tanto que a greve estudantil, em pouco tempo, chegou com força na UNICAMP. A explosão dessa greve não ocorreu por conta de algum grande ataque que tivemos que responder, tal qual o movimento estudantil se movimentou nos últimos anos. Pelo contrário, a greve foi uma resposta propositiva e reivindicativa para problemas concretos que são mascarados na realidade daquela que se apresenta como principal universidade do país. 

Já hoje, nos encontramos diante de um impasse. A votação da última assembleia geral deliberou pela continuidade da greve mesmo diante da saída da grande maioria dos cursos e campus. O Juntos!, assim como outros coletivos de dentro e de fora da atual gestão do DCE, expressamos nossa posição do porquê seria importante construir uma saída unificada nesse momento (veja aqui), mas o objetivo desse texto vai para além de defender essa posição, queremos nos debruçar sobre o sentido da greve nesse momento histórico, os erros do passado que estamos repetindo e sobretudo no que acertamos e precisamos fazer para que possamos construir lutas ainda mais expressivas daqui pra frente.

Na nossa opinião, há dois fatores principais que vieram se acumulando no último período que possibilitaram a greve acontecer. O primeiro, é que depois de cinco anos de desmonte de uma tradição histórica de combatividade dos estudantes da USP, há um processo de retomada das lutas na universidade. Não apenas a partir da vitória da Gestão “É Tudo Pra Ontem” em 2022, que transforma o DCE de um mero intermediador de reuniões com a reitoria para um impulsionador de mobilizações na universidade, mas também da explosão de lutas locais, como a ocupação da EACH e as paralisações da Letras. O segundo diz respeito ao acúmulo de contradições que significa a entrada de uma parcela da população que nunca esteve na Universidade de São Paulo. A “excelência” da USP, nunca incluiu permanência, inclusão e popularização da universidade. A aprovação das cotas muito tardiamente faz com que a geração que ingressou nos últimos anos se depare e passe a enfrentar com uma estrutura branca, elitista e antidemocrática da burocracia universitária. 

A partir desse contexto, impulsionamos, a partir do DCE Livre da USP, uma ação decidida de construir uma greve unificada (mesmo que num primeiro momento essa possibilidade fosse desacreditada por algumas organizações políticas que hoje nos atacam), buscando construir de baixo pra cima uma mobilização que apostamos ser necessária não só para atender às pautas urgentes dos estudantes, mas também para fortalecer e alertar uma vanguarda estudantil da necessidade de enfrentar o projeto neoliberal, expresso fortemente por Tarcísio. Essa decisão se demonstrou acertada. Diante de um difícil cenário, retomamos a ideia de mobilização, abrindo um período de lutas no estado de São Paulo que desembocou na greve unificada de 3 de outubro com trabalhadores da SABESP, metrô e CPTM. Apostamos sobretudo na necessidade de ganhar maioria social dentro e fora da universidade, de ganhar corações e mentes não só daqueles que já estão acostumados a construir o movimento, mas também de setores que não costumam se mobilizar, defendendo a justeza da reivindicação de contratações e permanência na USP. Mas, assim como disse um camarada, o mais difícil na USP não é entrar numa greve, mas sim sair dela. 

Nessa última semana retomamos a memória do que foi a greve de 2013, que, resguardadas as diferenças de período histórico, possui semelhanças com o que estamos passando agora. Naquele momento, setores minoritários na universidade, de grupos que atuam não para a construção da unidade, de grandes lutas, da maioria social como afirmamos até aqui serem tão necessárias, rechaçaram a proposta apresentada pela reitoria que oferecia pontos de demandas que reivindicamos até hoje. Tivemos uma oportunidade perdida que não só significou a perda de demandas históricas, como também levou a uma parcela dos estudantes o sentimento de que “greve e mobilização não servem de nada”, levando ao fortalecimento inclusive da direita na universidade. Compreendemos que esses setores de ultra esquerda, possuem sua prioridade na denúncia e demarcação. Parte dos que hoje nos denunciam por ser “contra a greve”, seriam na realidade incapazes de dirigi-la, porque simplesmente não conseguem construir sínteses com quem lhe é diferente. 

Ao mesmo tempo, sabemos que muitos estudantes independentes que participaram ativamente da greve, também tomaram essa posição de continuidade, mesmo diante do concreto enfraquecimento da greve, encerramento unilateral da negociação por parte da reitoria e ameaça de repressão nos institutos. Nos parece que essa posição se dá especialmente por dois motivos, na qual queremos dialogar: a insatisfação com a insuficiência das propostas apresentadas e a aposta no método da greve como forma de ter voz. Ambas as ideias estão corretas. Porém, quando jogamos luz a elementos mais amplos da situação que nos encontramos, assim como a atual correlação de forças da greve estudantil, ficam evidentes as limitações dessa posição e os erros que ela já acarretou no passado, e que segue acarretando neste momento.

Não estamos satisfeitos com o que foi apresentado pela reitoria. É evidente que nos faltam diversas demandas a serem contempladas. Mas o fato é que há muito tempo sofremos apenas ataques e o fortalecimento de um projeto neoliberal na Universidade de São Paulo, com o fim do Gatilho Automático, a aprovação do edital de méritos, e os parâmetros de sustentabilidade da USP (uma versão USPiana da PEC do arcabouço fiscal aprovado a nível federal). E não nos parece que seja uma batalha de curto prazo, nem mesmo de um único setor da universidade que iremos derrotá-lo de vez. Ao mesmo tempo em que também achamos um erro subestimar a importância de vitórias concretas para a vida dos estudantes. É ou não é verdade que ter bandejão aos finais de semana impacta a vida do estudante pobre de SP ao interior? É ou não é verdade que a implementação da comissão de acesso indígena protagonizada pelo movimento indígena, pode impactar o perfil dos estudantes da USP e abrir mais uma fresta desse espaço elitista? É ou não é verdade que contratar mais de mil professores em até 45 dias é algo inédito para qualquer universidade deste país, num contexto onde os governos só falam de ajuste? Enfim, não concordamos em não reconhecer que isso tudo só foi possível por nossa própria força. Essa é a principal lição de qualquer luta, seguir apostando em nós mesmos. 

Também é um erro subestimar a importância da unidade. Há diferenças de níveis de acúmulo e mobilização nos diferentes cursos e campi, e é um desafio do movimento conseguir construir um movimento unitário entre quem tem disposição de luta, pois sabemos que é só assim que teremos força o suficiente para conseguir grandes feitos. A construção de sínteses de diferentes realidades e posições é um desafio necessário. Quem dispensa isso não tem o objetivo de vencer. E sobretudo não compreende a necessidade dos estudantes tirarem lições dos processos. O debate que teve sua expressão na última Assembleia Geral não deve ser dividido em uma oposição entre aqueles que querem lutar e aqueles que não querem lutar. Nosso propósito sempre foi e sempre será o de lutar, como demonstramos na convocação de uma greve geral da USP. Acreditamos que a adoção dessa divisão, que é uma verdadeira simplificação da coisas e simboliza a tentativa de criar espantalhos no movimento estudantil, pode fortalecer a reitoria que se apresenta como quem dialoga e como quem nos tivesse “dado” as conquistas, quando na verdade estas foram arrancadas pela força da greve. Mesmo que seja amargo engolir a ausência de pontos que nos são caros, apostamos que este momento deveria ser para colocarmos nossas energias em debater de forma honesta as condições objetivas que estamos enfrentando e em construir agendas comuns do que vem pela frente. 

É necessário nos debruçarmos no próximo período em como vamos arrancar o que ainda nos falta: cotas PPI para professores sem depender de concursos com mais de 3 vagas por instituto, o retorno enfim do gatilho automático no Conselho Universitário, o fim do teto de bolsas e dos editais de mérito, cotas trans, dentre outras coisas. Dar um novo fôlego para uma USP que não será mais a mesma. Há agora uma nova camada de estudantes mais conscientes, experientes e atentos. O que faremos com isso? Na nossa opinião é urgente também que o acúmulo de nossa greve, também se transforme em grandes lutas e enfrentamentos ao governo Tarcísio, que não apenas acelera sua agenda privatista no estado de São Paulo, mas que agora também apresenta um corte bilionário para educação que irá afetar inclusive as universidades estaduais.

Saudamos cada estudante que dormiu em seu prédio para garantir os piquetes, que lutou para convencer seus colegas e professores de que a greve era legítima, que participou das enormes manifestações que tivemos nessa greve, que participou das assembleias do seu curso, ou que simplesmente, por outros motivos, não pôde participar ativamente da greve mas apoiou a mobilização da forma como foi possível. Momentos como esse mostram que nossa força coletiva é muito maior do que pensam nossos inimigos. Estamos, depois do último mês, coletivamente mais conscientes dos problemas da universidade, de como atuam a reitoria e o Governo do Estado, e mais preparados para enfrentar o projeto neoliberal da USP. E não terão sossego aqueles que querem construir uma universidade mais elitizada, a serviço das grandes empresas e que não escutam a comunidade universitária. 

Não é demais afirmar que a greve é uma tática e não um fim. Diante de um planeta em ebulição com uma guerra genocida de Israel contra a Palestina, catástrofes ambientais e ampliação das desigualdades, a organização permanente e coletiva para enfrentar o capitalismo é a nossa única saída. Fazemos um convite aos lutadores e lutadoras, para se somarem na construção do movimento Juntos!, que aposta na radicalidade com independência de quem luta para vencer. 

Se o presente é de luta, o futuro nos pertence!


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