Uma breve introdução à Teoria da Revolução Permanente
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Uma breve introdução à Teoria da Revolução Permanente

Diante do trágico resgate da falida teoria do socialismo num só país por setores da esquerda, é preciso relembrar o que é a Teoria da Revolução Mundial para derrubar o capitalismo e erguer um novo mundo socialista.

Victor Luccas 7 jan 2024, 12:07

“O marxismo ortodoxo não significa, portanto, um reconhecimento sem crítica dos resultados da investigação de Marx, não significa uma ‘fé’ numa ou noutra tese, nem a exegese de um livro ‘sagrado’.”

György Lukács. História e Consciência de Classe.

O marxismo não é, ou não deveria ser, um dogma. A formulação teórica e política, sua crítica e superação é necessária ao marxismo, que deve ser fundamentado na realidade. Caso contrário, haveria pouca ou nenhuma utilidade para a transformação da própria realidade. Assim, o marxismo se forja na fornalha da luta de classes, dos embates políticos e confrontos teóricos que devem ser postos à prova. Nesse ambiente não há espaço para culto à personalidade, colocando suas afirmações numa posição sagrada, se afastando do materialismo e retornando ao idealismo.

No entanto, isso não significa que se possa fazer qualquer afirmação e degenerar o marxismo se protegendo com sua “liberdade de crítica”. Novas afirmações devem estar calcadas na mais rigorosa análise política e devem passar à prova da história. Nesse contexto, o trotskismo nos deixa um legado que se mostra incontornável, distintos entre si, mas unidos umbilicalmente: a Teoria da Revolução Permanente; o Desenvolvimento Desigual e Combinado; e o Internacionalismo.

“Ser trotskysta hoje não significa estar de acordo com tudo aquilo que escreveu ou o que disse Trotsky, mas sim saber fazer-lhe críticas ou superá-lo, como a Marx, a Engels ou Lênin, porque o marxismo pretende ser científico e a ciência ensina que não há verdades absolutas. Em primeiro lugar, ser trotskysta é ser crítico, inclusive ao próprio trotskysmo.”

– Nahuel Moreno. Ser Trotskysta Hoje.

Para começar a compreender a Revolução Permanente é interessante entender o seu oposto: o etapismo. Hoje vemos o socialismo como a superação do capitalismo como organização social. Mas o capitalismo teve uma origem, na Inglaterra, por exemplo, ele suplantou o feudalismo e levou à revolução industrial. Na França, teve como ápice a revolução francesa, colocando abaixo dominação política feudal e instituindo a política burguesa.

“O modo de produção característico da burguesia, ao qual desde Marx se dá o nome de modo capitalista de produção, era incompatível com os privilégios locais e dos estados, como o era com os vínculos interpessoais da ordem feudal”

– Friedrich Engels. Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico.

No capítulo da “Acumulação Primitiva” d’O Capital, Marx mostra esse processo de instauração do capitalismo por um processo violento de expropriação. Analisando a dinâmica do capitalismo que cria uma massa de trabalhadores assalariados, Marx chega no desenvolvimento de suas crises e na possibilidade do socialismo. Resultado que depende da luta de classes e da organização da classe trabalhadora. O capitalismo estabelece as bases científicas do socialismo.

Mas o que acontece se estivermos em um país em que o feudalismo sequer foi colocado abaixo e ainda houver relações “pré-capitalistas”? Esse foi o caso da Rússia durante a Revolução Russa. Um país que ainda vivia sob o Czarismo, não possuía um sistema político propriamente burguês e sua base econômica agrícola era muito semelhante ao feudalismo. Se o capitalismo ainda não se consolidou, o socialismo já seria possível? Será que o capitalismo tem que primeiro derrubar o feudalismo como aconteceu em outros países europeus?

Os mencheviques defendiam que primeiro deveria-se fazer a Revolução Burguesa, para depois iniciar a construção da sociedade socialista. Quer dizer, lutar para instituir a democracia na Rússia, desenvolver o capitalismo e assim se criaria as condições históricas que fariam o socialismo possível. Como sequer havia capitalismo, o socialismo ainda não era possível.

Isso é o “etapismo” ou então “revolução por etapas”. A tese de que o desenvolvimento da história tem que passar por certas etapas, do feudalismo ao capitalismo e depois do capitalismo ao socialismo. O leitor ao ver essa posição deve estar pensando em como os mencheviques são grandes traidores e agentes da burguesia contra a classe trabalhadora. Afinal, estão usando o marxismo para defender uma revolução burguesa e não uma revolução socialista. Entraremos na crítica ao etapismo mais adiante, mas antes quero fazer provocações para que o leitor veja que o debate não é tão simples, nem seja dogmático.

Já que defender primeiro a revolução burguesa é uma grande traição, então a posição revolucionária que os comunistas devem defender é fazer direto uma revolução socialista mesmo que o país esteja no feudalismo ainda, certo? Errado. Essa é uma posição que nem Lênin defendia, sendo que ele combateu o etapismo dos mencheviques e dirigiu a Revolução Russa de 1917. Além de que com certeza você consegue encontrar várias páginas na internet dizendo que Marx defendia o etapismo, o que claramente Marx não defendia, mas apresento isso para o leitor ver que precisa compreender os detalhes da crítica, não apenas ter posições baseadas em jargões de esquerda.

Afinal, a classe trabalhadora existe porque existe a burguesia. Só há trabalhador porque existe patrão. Em muitas sociedades antes do capitalismo não existiam trabalhadores assalariados, e se eles não existem como podem fazer uma revolução socialista e derrubar uma burguesia que ainda nem existe? A pergunta contém imprecisões propositais para irmos puxando o fio da Teoria da Revolução Permanente.

Primeiro que mesmo que o capitalismo não esteja consolidado e ainda se viva sob relações feudais majoritariamente, isso não significa que não possa existir uma burguesia – ainda que pequena – e uma classe trabalhadora – ainda que pouco numerosa. Aqui se encontra o ponto chave do Desenvolvimento Desigual e Combinado: a sociedade não é homogênea, ou seja, toda igual. Num mesmo país pode se desenvolver o que há de mais avançado juntamente com elementos do atraso. Veja o Brasil, temos o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) ao mesmo tempo que 141 mil domicílios brasileiros não possuem sequer acesso à energia elétrica. Vivemos no capitalismo, mas só em 2023 foram resgatadas 918 vítimas de trabalho escravo que é uma relação “pré-capitalista”. Há um desenvolvimento que é desigual, mas ao mesmo tempo é combinado, ou seja, que interrelaciona o que há de avançado com o atraso. Não sem razão o capitalismo brasileiro surgiu a partir da própria escravidão.

Assim, mesmo que a Rússia fosse feudalista, havia burguesia e classe trabalhadora em algumas cidades, como Petrogrado. Seria, então, essa classe trabalhadora que poderia fazer diretamente uma revolução socialista sem precisar passar pelo capitalismo? E novamente a resposta é não.

“O marxismo rompeu irremissivelmente com as elucubrações dos populistas e anarquistas, segundo as quais a Rússia, por exemplo, podia evitar o desenvolvimento capitalista, escapar ao capitalismo ou saltar por cima dele por qualquer meio que não o da luta de classes no terreno e dentro dos limites desse mesmo capitalismo.”

– Vladimir Lenin. Duas Táticas da Social-Democracia.

Mas então, se temos que passar pelo capitalismo, como a Revolução Russa foi possível? Ela só foi possível devido à Revolução Permanente.

A classe trabalhadora também fez parte de revoluções burguesas junto da burguesia, assim como foi, por exemplo, na Revolução Francesa. No entanto, na Rússia, a burguesia era incapaz de levar a revolução burguesa às suas últimas consequências devido às relações que ela estabeleceu com o feudalismo e também pelo medo do levante dos trabalhadores. Parte da burguesia liberal, por exemplo, nem reivindicava a derrubada do governo czarista, nem sequer em eleições totalmente livres, enquanto ainda havia outro setor da burguesia que era monárquico.

A ideia de que a revolução, por ser burguesa, deveria ser dirigida pela burguesia e quase não restaria outro papel à classe trabalhadora a não ser apoiar e ser dirigida pela burguesia foi duramente criticada por Lenin. Para a burguesia seria muito mais vantajoso um processo lento por meio de reformas em vez de um processo revolucionário, assim “a burguesia trai a si mesma”. Já para a classe trabalhadora, ainda que a revolução seja burguesa, o processo revolucionário é muito vantajoso para si, podendo ter conquistas democráticas benéficas aos trabalhadores, preparando-os para a revolução socialista

“Por isso, a revolução burguesa é vantajosa no mais alto grau para o proletariado; é absolutamente necessária para os interesses do proletariado. Quanto mais decidida, quanto mais consequente ela for, tanto mais garantida estará a luta do proletariado contra a burguesia pelo socialismo. Essa conclusão só pode parecer nova, estranha ou paradoxal para os que ignoram o abecedário do socialismo científico.”

– Vladimir Lenin. Duas Táticas da Social-Democracia.

Portanto, mesmo que a revolução tenha um caráter burguês, a classe que pode levar essa revolução adiante é a classe trabalhadora, podendo também tirar proveito desse processo. Vemos que uma classe pode realizar uma revolução de uma classe diferente da sua, a saber a classe trabalhadora realizando uma revolução burguesa. Assim, 

“é-nos possível fixar, com otimismo, limites às nossas tarefas revolucionárias, embora sejamos inevitavelmente conduzidos, pela lógica da nossa posição, a ultrapassar estes limites. Afirmando que a nossa revolução é burguesa nos seus objetivos e, por consequência, nos seus resultados inevitáveis, fixam-se limites a todos os problemas que levanta esta revolução; mas isto quer dizer que se fecham os olhos perante o fato de o autor principal nesta revolução burguesa ser o proletariado, que todo o curso da revolução empurra para o poder.”

– Leon Trotsky. Balanço e Perspectivas.

Surge dessa questão um novo problema: a classe trabalhadora, tendo o poder político, não aceitará a sua dominação econômica! Após subir ao poder por meio de uma revolução burguesa, seria ingenuidade pensar que apenas tomaria medidas de caráter democrático, republicano ou burguês, mas também medidas socialistas enfraquecendo o poder do capital e levando a uma luta mais intensa entre as classes.

“Mesmo que seja temporária, a dominação política do proletariado enfraquecerá num grau extremo a resistência do capital, que tem constantemente necessidade do apoio do Estado, e fará impulsionar num surto gigantesco a luta econômica do proletariado. Os operários não poderão deixar de reclamar o apoio do governo revolucionário para os grevistas, e um governo que se apoia nos operários não poderá recusá-lo. Mas isto terá como consequência anular os efeitos da existência dos operários, não só no terreno político, mas também no terreno econômico; reduzirá a um Estado de ficção a propriedade privada dos meios de produção.

Estas consequências sociais e econômicas, inevitáveis na ditadura do proletariado, manifestar-se-ão muito cedo, muito antes de estar terminada a democratização do sistema político. Cai a barreira entre o programa mínimo e o programa máximo logo que o proletariado toma o poder.”

– Leon Trotsky. Balanço e Perspectivas.

A revolução burguesa realizada pela classe trabalhadora não se limita à realização de tarefas burguesas, ela se torna uma revolução permanente e também realiza tarefas socialistas. Não há portanto uma etapa histórica apenas de desenvolvimento capitalista para só depois se realizar a revolução socialista. O processo se dá de maneira combinada e a revolução burguesa leva à revolução socialista, e a revolução socialista terá que realizar o as tarefas democráticas que ainda não haviam sido completadas pela revolução burguesa.

“8. A ditadura do proletariado, que sobe ao poder como força dirigente da revolução democrática, será colocada, inevitável e muito rapidamente, diante de tarefas que a levarão a fazer incursões profundas no direito burguês da propriedade. No curso do seu desenvolvimento, a revolução democrática se transforma diretamente em revolução socialista, tornando-se, pois, uma revolução permanente.”

– Leon Trotsky. Que é, afinal, a Revolução Permanente? (Teses)

Portanto, o etapismo está incorreto. Mais ainda, levar adiante uma política de subjugar a classe trabalhadora à direção da burguesia é enterrar a própria revolução. A classe trabalhadora precisa atuar de maneira independente e participar do processo revolucionário de maneira enérgica, tendo protagonismo, a fim de encampar com mais força seus interesses de classes e adiantar o processo revolucionário. Dessa forma, uma revolução socialista é possível mesmo num país atrasado e feudal como a Rússia. No fim das contas, salta-se por cima das etapas.

“a previsão do fato de que a Rússia, historicamente atrasada, podia conhecer uma revolução proletária mais cedo do que a Inglaterra avançada, baseava-se inteiramente na lei do desenvolvimento desigual. Mas, para formular essa previsão, era preciso, primeiro, compreender a desigualdade histórica em toda a sua dinâmica concreta e não ruminar, sem cessar, a citação de 1915 de Lênin, virada pelo avesso e interpretada com ignorância”

– Leon Trotsky. A Revolução Permanente.

O leitor mais atento terá notado que em uma das citações de Lenin feitas acima, ele diz que não é possível saltar por cima do capitalismo e talvez irá querer usá-la para dizer que há uma contradição e que Lenin e Trotsky não são compatíveis. Lembre-se que mais do que só expor o que é a Revolução Permanente, você está sendo guiado a entendê-la, esse é um processo em que contradições surgem e são superadas. Mais ainda, os textos de Duas Táticas da Social-Democracia de Lenin datam de 1905, veja então o que Lenin diz em 1919 após a Revolução Russa (lembrando que a publicação de A Revolução Permanente é de 1930, mas sua teoria já estava se desenvolvendo em Balanços e Perspectivas de 1906).

“Não é provável que nos enganemos se afirmarmos que precisamente esta contradição entre o atraso da Rússia e seu ‘salto’ à forma mais elevada de democracia, a democracia soviética ou proletária, por sobre a democracia burguesa, tenha sido uma das causas (além do peso dos costumes oportunistas e dos preconceitos filisteus sobre a maioria dos líderes socialistas) que fez particularmente difícil ou retardou a compreensão do papel dos Sovietes no Ocidente.”

– Vladimir Lenin. A Terceira Internacional e seu Lugar na História.

Os debates existiam e os autores nem sempre tinham as mesmas posições, o que faz parte de uma marxismo vivo. Mas perceba como a experiência histórica leva a uma convergência das elaborações de Lenin e Trotsky. Mas mesmo antes da Revolução Russa, Lenin já tinha elaborações parecidas com a de Trotsky, ainda que não fossem idênticas, tanto que Lenin era acusado de querer saltar por etapas históricas.

Feita essa digressão, também é importante ressaltar que esse debate não surgiu apenas no século XX. Marx e Engels já no século XIX se depararam com essas questões, ainda que suas elaborações não atingissem o mesmo grau da formulação feita por Trotsky, afinal existe a limitação histórica que Marx e Engels não viveram a Revolução Russa, mas isso não os impediu de visualizar o cerne do problema.

“Por que ela escaparia a esse mesmo destino tão somente na Rússia? Respondo: porque na Rússia, graças a uma combinação de circunstâncias únicas, a comuna rural, ainda estabelecida em escala nacional, pode se livrar gradualmente de suas características primitivas e se desenvolver diretamente como elemento da produção coletiva em escala nacional. É justamente graças à contemporaneidade da produção capitalista que ela pode se apropriar de todas as conquistas positivas e isto sem passar por suas vicissitudes desagradáveis. A Rússia não vive isolada do mundo moderno, tampouco foi vítima de algum conquistador estrangeiro como foram as Índias Orientais.”

– Karl Marx. Primeiro Esboço de Carta à Vera Zasulitch.

Nesse trecho específico, apesar de Marx fazer uma análise mais sociológica que foca na comuna rural que acabou desaparecendo ainda no século XIX e não foi um tema central da Revolução Russa, o fundamental desse texto é que Marx já tinha claro que não existia etapismo. Não havia nada teleológico (com um fim pré-determinado) na história que obrigasse a Rússia sair do feudalismo e passar obrigatoriamente pelo capitalismo.

A Rússia, por sua vez, não era o único país do mundo que vivia sob o feudalismo enquanto o capitalismo já tinha um alto grau de desenvolvimento em outros países. Outro exemplo que podemos trazer é a Alemanha em meados do século XIX, durante a revolução derrotada de 1848 e 1849. A Alemanha era fragmentada, não tinha uma unidade nacional centralizada, a nobreza ainda tinha muita força e a burguesia também traia a si própria com medo do proletariado. As condições da Alemanha do século XIX, apesar de suas diferenças com a Rússia do século XX, possuem semelhanças que não devem nos surpreender se uma análise profunda desses processos levassem a conclusões muito próximas da Revolução Permanente.

“Vimos como os democratas chegarão ao poder no próximo movimento e como serão forçados a propor medidas mais ou menos socialistas. Perguntar-se-á que medidas os trabalhadores deverão propor em contrapartida. […] eles próprios [os trabalhadores] terão de realizar o principal para lograr a vitória, mais precisamente sobre os interesses de sua classe, assumindo o mais depressa possível um posicionamento partidário autônomo, não se deixando demover em nenhum momento da organização independente do partido do proletariado pelo fraseado hipócrita dos pequeno-burgueses democráticos. Seu grito de guerra deve ser: a revolução em permanência.”

– Marx e Engels. Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas.

O que impressiona mais do que a formulação muito semelhante é o uso do mesmo vocabulário, levando em conta que Trotsky não teve acesso a esse texto em sua época. Para além das lições dessas revoluções que nos levam à Revolução Permanente, também é interessante notar a necessidade da independência da organização política dos trabalhadores, assumindo um posicionamento partidário autônomo. Isso deve ser ressaltado levando em conta os debates políticos que temos na esquerda socialista brasileira atualmente.

Em outro texto em que Engels analisa a Revolução de 1848 e 1849 na Alemanha, novamente Engels traz elementos da Teoria da Revolução Permanente que só foi desenvolvida de modo mais completo no século posterior. O papel da classe trabalhadora na revolução burguesa visando conquistas que atendam os seus interesses próprios.

“A classe operária pegou em armas com um pleno conhecimento de que se tratava de uma questão que, nas suas implicações diretas, não era sua [revolução burguesa]; mas seguiu a sua única verdadeira política: não permitir a nenhuma classe que tivesse se erguido sobre os seus ombros (como a burguesia tinha feito em 1848), que fortalecesse seu governo de classe, sem ao menos abrir para a classe operária um campo conveniente para a luta pelos seus próprios interesses; e, em qualquer caso, levar as coisas a uma crise em que, ou a nação estivesse plena e irresistivelmente lançada na via revolucionária ou, então, o status quo de antes da revolução fosse o mais possível restaurado e, assim se tornasse inevitável uma nova revolução.”

-Friedrich Engels. Revolução e Contra-revolução na Alemanha.

Ainda falta apresentar um elemento fundamental da teoria que é o Internacionalismo. O Desenvolvimento Desigual e Combinado não ocorre somente dentro das fronteiras de um país, especialmente no capitalismo, que é um sistema internacional por excelência, no qual o capital cruza fronteiras diariamente. Não existe nenhuma economia nacional, mas sim uma economia internacional capitalista (Rosa Luxemburgo. Introdução à Economia Política), nenhum país autossuficiente. As relações capitalistas conectam as dinâmicas econômicas, sociais e da luta de classes de todos os países sendo expressas no seu ápice também em guerras, imperialismo e opressões nacionais.

O internacionalismo não é uma característica apenas do trotskismo, mas é também do leninismo e do marxismo. Não à toa se fundou a III Internacional Comunista após a Revolução Russa, que acabou sendo destruída pelo stalinismo, e Trotsky atuou para manter seu legado vivo fundando a IV Internacional. Já o Manifesto Comunista faz um apelo internacionalista em “trabalhadores de todo o mundo, uni-vos”. A revolução internacional, por sua vez, não significa uma revolução simultânea em todos os países, isso é uma caricatura infantil. Trotsky mesmo destaca que a revolução começa no terreno nacional, mas nele não pode permanecer.

“a teoria da revolução permanente implica o caráter internacional da revolução socialista que resulta do estado da economia e da estrutura social da humanidade. O internacionalismo não é um princípio abstrato: ele não é senão o reflexo político e teórico do caráter mundial da economia, do desenvolvimento mundial das forças produtivas e do ímpeto mundial da luta de classes. A revolução socialista começa no âmbito nacional mas nele não pode permanecer. A revolução proletária não pode ser mantida em limites nacionais senão sob a forma de um regime transitório, mesmo que este dure muito tempo, como o demonstra o exemplo da União Soviética. No caso de existir uma ditadura proletária isolada, as contradições internas e externas aumentam inevitavelmente e ao mesmo passo que os êxitos. Se o Estado proletário continuar isolado, ele, ao cabo, sucumbirá vítima dessas contradições. Sua salvação reside unicamente na vitória do proletariado dos países avançados. Deste ponto de vista, a revolução nacional não constitui um fim em si, apenas representa um elo da cadeia internacional. A revolução internacional, a despeito de seus recuos e refluxos provisórios, representa um processo permanente.”

– Leon Trotsky. A Revolução Permanente.

O assim chamado “socialismo num só país” é uma tese que foi utilizada justamente para trair revoluções ao redor do mundo sob a justificativa de manter o socialismo na URSS, além de se apoiar nas posições etapistas que colocaram a classe trabalhadora à serviço da burguesia em diversos países do mundo. Como no Brasil nas décadas de 30, 40 e 50 e na China na década de 20 e 30. A teoria do socialismo num só país não só é uma aberração ao marxismo, como é impossível na realidade prática devido à integração internacional do capitalismo abordada anteriormente. A queda da União Soviética é a prova histórica desse fato. A Revolução Internacional, portanto, ao mesmo tempo que é uma necessidade para a vitória da classe trabalhadora, é a única opção possível a ser realizada.

“Agora temos já uma experiência internacional muito considerável, que diz com a mais completa precisão que alguns dos traços fundamentais da nossa revolução têm uma importância não local, não nacional particular, não apenas russa, mas internacional. E não falo aqui da importância internacional no sentido amplo da palavra: não são apenas alguns, mas todos os traços fundamentais e muitos dos secundários da nossa revolução que têm importância internacional no sentido da sua influência sobre todos os países. Não, no sentido mais estrito da palavra, isto é, entendendo por importância internacional o significado internacional ou a inevitabilidade histórica da repetição à escala internacional daquilo que aconteceu no nosso país, é preciso reconhecer essa importância a alguns traços fundamentais da nossa revolução.[…] Isto não o compreenderam os chefes ‘revolucionários’ da II Internacional, como Kautsky na Alemanha, Otto Bauer e Friedrich Adler na Áustria, que precisamente por isso se tornaram reacionários, defensores do pior dos oportunismos e da social-traição.”

– Vladimir Lenin. Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo.

Assim, a Revolução Permanente não é só teoria da revolução socialista num país atrasado, na verdade é a Teoria da Revolução Mundial! Retroceder para a falida teoria do socialismo num só país é cair no reacionarismo, oportunismo e traição, para reutilizar as palavras de Lenin.

Estranhamente, existe uma falsificação de que o trotskismo, por algum motivo, seria contra o campesinato ou, então, ignoraria sua participação na revolução. Nesta introdução não é relevante adentrar nos detalhes da discussão de Trotsky e Lenin, entre suas palavras de ordem, sobre qual seria o papel do campesinato na revolução. Mas segue abaixo apenas um trecho de Trotsky para revelar que essa falsificação feita pelo stalinismo acerca do trotskismo em relação ao campesinato não tem nenhum fundamento.

“3. Tanto a questão agrária como a questão nacional conferem ao campesinato, como enorme maioria da população dos países atrasados, um papel primordial na revolução democrática. Sem a aliança entre o proletariado e o campesinato, as tarefas da revolução democrática não podem ser resolvidas, nem mesmo ser colocadas a sério. Essa aliança das duas classes, porém, só se realizará numa luta implacável contra a influência da burguesia nacional-liberal.”

– Leon Trotsky. Que é, afinal, a Revolução Permanente? (Teses)

Apesar disso, como ressaltado no início do texto com uma citação de Nahuel Moreno, ser trotskista significa ser crítico até mesmo ao trotskismo. A contribuição espetacular de que a classe trabalhadora poderia realizar uma revolução burguesa e conduzi-la a uma revolução socialista é majestosa. No entanto, é interessante notar que escapou à elaboração de Trotsky a possibilidade de que outra classe que não fosse a trabalhadora realizasse a revolução socialista. Possibilidade que se concretizou, por exemplo, na Revolução Cubana realizada pelos camponeses.

Isso se deve ao foco que Trotsky dá ao sujeito do processo histórico em vez das tarefas concretas da revolução que seriam inevitavelmente anticapitalistas. Isso nos leva a atualizar sua Teoria da Revolução Permanente, gerando muitas consequências para os processos revolucionários e para a análise das experiências históricas do século XX. Da mesma forma que a revolução burguesa realizada pela classe trabalhadora gerou consequências para além das tarefas burguesas.

“Acreditamos que nos últimos quarenta anos ocorreram diferentes fenômenos daqueles que Trotsky viu, que nos forçam a começar a elaborar juntos – ou farão alguns de você dentro de alguns anos – uma nova formulação, uma nova maneira de escrever a teoria da revolução permanente, enfrentando todos estes problemas. Temos que formular que não é obrigatório que seja a classe trabalhadora e que seja um partido marxista revolucionário com influência de massas que dirigir o processo da revolução democrática para a revolução socialista. Não é obrigatório que seja assim. Pelo contrário: houve, e não está excluída a possibilidade de ocorrerem, revoluções democráticas que, no terreno econômico tornou-se socialista. Ou seja, revoluções que expropriam a burguesia sem ter a classe trabalhadora como eixo essencial – ou tê-la como participante importante – e sem ter à sua frente partidos revolucionários marxistas e operários revolucionários, mas sim pequenos burgueses. Especificamente, uma das leis mais importantes do desenvolvimento desigual e combinado foi apresentada, que são essas desigualdades e, infelizmente, Trotsky não aplicou isso. […] Ele não cumpriu uma das leis mais importantes do desenvolvimento desigual e combinado, que diz que setores de uma classe podem fazer revoluções de outra classe.“

– Nahuel Moreno. Escuela de Quadros: Argentina 1984.

Até aqui foram apresentados os principais elementos da Teoria da Revolução Permanente, além de aspectos dela que devem ser atualizados. Para essa introdução não necessita-se entrar nos detalhes desse avanço feito na segunda metade do século XX cheia de revoluções que enriquecem o marxismo como uma teoria viva que segue avançando.

Mesmo com os erros de Trotsky, a Teoria da Revolução Permanente segue válida e atual. Mais do que uma análise histórica sobre debates do passado, ela é necessária para nossa política partidária anticapitalista no século XXI, especialmente no Brasil e América Latina. A Revolução Permanente é a Teoria da Revolução Mundial para derrubar o capitalismo e erguer um novo mundo socialista.


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