A reforma do NEM pelo senado e a necessidade de um levante estudantil contra o neoliberalismo
Nossos futuros estão sendo barganhados por uma restrita casta política no congresso. Façamos por nossas mãos o futuro a que aspiramos.
No dia 19 de junho de 2024 o “Novo (velho) Ensino Médio” foi aprovado pelo senado. Após ter sido votado às pressas na câmara dos deputados, o projeto seguiu e passou por algumas modificações no senado e voltará para aprovação final nos plenários da câmara. A votação no senado demonstra o que, de fato, é esse projeto de desmonte educacional, que passou e passa por cima da vontade popular desde 2016, com a aprovação do NEM durante o governo Temer e sua implementação durante o desgoverno de Bolsonaro. Sem surpreender a ninguém, a instauração deste projeto ignorou o levante expressivo dos professores contra a reforma, e não dialoga com os alunos, que por diversas vezes manifestaram, nas ruas, sua insatisfação. Em um emblemático episódio que ilustra essa política de hostilidade com a própria classe discente, um dos diretores do DCE da UnB foi detido pela polícia legislativa ao manifestar sua indignação durante a votação. Suas falas deixaram explícito que a casa do povo não ouve o povo, e que este, quando busca por uma via de diálogo, é removido à força pela polícia.
O cenário educacional brasileiro é um circo de horrores sem precedentes. Nós deveríamos reivindicar o combate às opressões no ambiente escolar, como a luta por escolas antirracistas e livres de assédio, por um ambiente escolar de todas as cores e com políticas de inclusão a PCDs. No entanto, os movimentos de vanguarda da educação ainda precisam lutar contra problemas básicos de infraestrutura! Por problemas estruturais absurdos em escolas e universidades! Urge a necessidade de travar lutas contra o avanço do setor privado na educação, que já movimenta suas peças e seus representantes para dentro até mesmo do MEC, com a ação ativa de bilionários como a Fundação Lemann, Todos Pela Educação, e o próprio Banco do Brasil. E, naturalmente, estes barões da burguesia nacional aliam-se com as políticas de austericídio do governo Lula: o arcabouço fiscal e o déficit zero. Somando-se a isso tudo, ao mesmo tempo em que, nacionalmente, lidamos a mais de 4 anos com o novo ensino médio, observamos também o avanço da agenda direitista através da privatização das escolas no Paraná e com o avanço das escolas cívico-militares em São Paulo e no DF. Assim como já colocado por Paulo Freire, “A crise na educação não é uma crise, e sim um projeto” e é papel fundamental da esquerda dar um basta nos ataques e na retirada de investimento público naquele que é um dos setores mais importantes da sociedade. Nosso grito deve ecoar.
Diante deste cenário, nota-se a ineficácia da atuação da UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) que, mesmo tendo uma posição oficial de rejeição ao projeto do Novo Ensino Médio, mantém-se submissa ao governo federal, como observamos na prática promovida no dia a dia da luta política. Com uma postura nada combativa, não é de hoje que a massa estudantil que compõe a corrente majoritária é guiada por um discurso completamente despolitizado. Em tom de vitória e celebração, como quem coleta os espólios de uma batalha, a própria UBES diz, em texto do seu site: “O Projeto de Lei, inicialmente cego para as verdadeiras urgências educacionais, foi submetido a alterações cruciais em seu relatório, atendendo aos clamores da base estudantil e dos profissionais do ensino.”
Para além de mera questão semântica, chamar de vitória a devolução parcial de direitos já legalmente garantidos é muito sintomático, e dá a tônica de como a majoritária faz política no movimento estudantil. A cidadania não é algo dado, e sim uma constante luta, que exige permanente manutenção frente aos ataques das classes dominantes a direitos já estabelecidos. E, nos últimos anos, e mesmo na conjuntura de um governo de centro-esquerda, a bancada do BBB (do boi, da bala e da bíblia) no congresso anda na contramão do progressismo. São estes os parlamentares à frente de sucessivos ataques aos estudantes, mulheres, indígenas e a todas as minorias que lutam para serem ouvidas nos debates públicos, que muitas vezes não as contemplam, tratam como pautas minoritárias, ou consideram “pautas de costumes” coisas que são, na prática, pautas de sobrevivência.
Dentro das limitações de um Estado burguês, a luta sempre será lenta e gradual. Por isso, a esquerda radical e o Coletivo Juntos! vêm promovendo mobilizações nas ruas pela revogação completa deste projeto! O papel das esquerdas deve ser este, o de promover um tensionamento, e não uma negociação. Não se negocia um direito básico. Por essa razão, é irresponsável comemorar a “reparação de danos” promovida por esta reforma do Novo Ensino Médio, como se houvesse algum mérito a ser reconhecido. Reformar um projeto falho em seus fundamentos é esperar que o mofo suma das paredes aplicando sobre ele mais e mais camadas de tinta. A função paternalista que as entidades estudantis impõe sobre si mesmas é de tremenda prepotência e despolitização. Vocês estudam, nós negociamos. Pensar assim é subestimar a capacidade crítica dos sujeitos principais do movimento estudantil: os próprios estudantes, e não os burocratas balzaquianos que infestam os congressos todo ano.
Mas afinal, quais foram as conquistas dos estudantes nesta reforma? A mais expressiva delas é, certamente, a retomada das 2.400 horas destinadas à Formação Geral Básica e a retomada da obrigatoriedade do espanhol. Entretanto, as principais reivindicações -a revogação dos itinerários informativos e o fim do notório saber- não foram tratadas da forma que deveriam. O notório saber é uma evidente ameaça para os profissionais da educação e para os futuros professores, uma vez que o diploma de licenciatura já não é um pré-requisito para professores lecionarem as aulas. Nesse mesmo sentido, os itinerários formativos são uma ofensiva contra os estudantes, que se deparam com um mercado de trabalho cada vez mais precarizado. Com o estabelecimento do fenômeno da “uberização” na hegemonia neoliberal, percebe-se os ecos desta ideologia até mesmo no cotidiano escolar. Os itinerários empobrecem o currículo do estudante, e potencialmente afastam do aluno a possibilidade e o interesse em prestar vestibular e acessar as universidades públicas. A educação, sob o jugo dos bilionários, torna-se uma fábrica de mão de obra barata e sem qualificação. Nós, do Coletivo Juntos!, entendemos que essas reformas são insuficientes e representam o espectro neoliberal que se infiltra na educação brasileira tal qual uma erva daninha no jardim. Esta lógica anda na contramão de tudo que lutamos para construir, do mundo com o qual sonhamos. Um futuro onde até mesmo vestibulares tenham se tornado obsoletos, onde os filhos da classe trabalhadora possam acessar um ensino de qualidade e um futuro em que as escolas formem cidadãos críticos com vontade e opinião política.
Por fim, enxergamos a necessidade de seguir com um levante nacional dos estudantes pela revogação completa do novo ensino médio. Sabemos que a estratégia cínica do governo de apresentar melhorias simbólicas tem um poder muito grande de desmobilização. Estávamos num governo fascista, e agora estamos em um governo democrata. Tínhamos o Novo Ensino Médio, e agora ele foi reformado. Essas alterações dão a sensação de que o cenário mudou, e nós devemos, também, apontar essas melhorias. Porém, como juventude, não podemos deixar que a sensação de que não há mais lutas a serem travadas tome conta, e não devemos deixar de apontar as inúmeras contradições neste governo do teto de gastos. Como já colocado, a direita brasileira faz da educação sua refém! No Paraná, temos a venda deliberada da rede estadual de ensino. Em São Paulo, vemos o fascismo ser formalmente convidado a adentrar livremente os espaços de formação intelectual e moral dos alunos. Entendemos que o que ocorre agora é um esfriamento da pauta e até mesmo um clima de derrotas ou de conformidade com este projeto estabelecido nas escolas. Contudo, há ainda muito o que nós, enquanto estudantes, possamos fazer. Mesmo com suas limitações- tanto pela disputa interna como pelo próprio papel político desempenhado- o movimento estudantil é uma grande ferramenta histórica de luta, e nunca é demais incentivar a auto organização. Não podemos ignorar que as vanguardas estudantis sempre foram grandes aliados da democracia, desde a ditadura militar, e podemos citar aqui a passeata dos Cem Mil, motivada pelo assassinato do estudante Edson Luís, até o recente tsunami da educação. Mesmo em um cenário democratico, não podemos nos contentar com reformas que não nos cabem e, principalmente, não nos representam! Nossos futuros estão sendo barganhados por uma restrita casta política no congresso. Façamos por nossas mãos o futuro a que aspiramos.