Não vamos aceitar a privatização das escolas públicas
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Não vamos aceitar a privatização das escolas públicas

“Porém, no Brasil, e particularmente nas últimas semanas, a educação vem sendo veementemente atacada pelos parlamentares e ideólogos da direita brasileira.”

Caio Navajas 1 jul 2024, 17:24

A privatização da educação é um tema muito discutido na esfera dos debates públicos. Porém, no Brasil, e particularmente nas últimas semanas, a educação vem sendo veementemente atacada pelos parlamentares e ideólogos da direita brasileira. Utilizam-se estes “serviçais da mentira”, como os chamou o petista Renato Freitas, da retórica requentada de que as estatais são incapazes de servir ao seu propósito. Mas uma análise amadora a respeito deste debate já seria capaz de concluir que a ânsia por reduzir a escombros toda a máquina estatal brasileira não parte da filantropia que somente o bom coração de pessoas como Ratinho Jr. e Tarcísio de Freitas seria capaz de produzir, mas de interesses reais e políticos, mais ou menos mascarados.

Sobre a tendência mundial de mercantilização da educação, que virou norma no capitalismo neoliberal, o sociólogo francês Christian Laval disse, em entrevista: “Esse novo paradigma educacional global é inteiramente econômico e está baseado no conceito de “capital humano”. Essas são as organizações que realmente pensaram a escola neoliberal e que espalharam esse modelo pelo mundo, com o apoio e a conivência dos governos nacionais, esses claramente os mais poderosos, além do suporte ativo do empresariado e dos think tanks a eles associados”.

O mesmo teórico argumenta que o capitalismo neoliberal, contrariando o que se pode pensar a seu respeito, não representa a ausência de Estado, como o querem os libertários de direita, pois ele pressupõe uma cumplicidade do Estado, e muitos representantes deste modelo se infiltram nos corredores das próprias instituições estatais para fazer avançar o seu projeto.

Vejamos o caso do Paraná; O governador do estado Ratinho Jr. (PSD), iniciou uma ofensiva contra os profissionais da educação e seus alunos, ao anunciar que implementaria o Programa Parceiro da Escola, projeto que propõe deixar cerca de duzentas escolas da rede estadual sob o jugo de empresas privadas terceirizadas. Palmilhando vagamente por estradas não muito distantes das de Tarcísio de Freitas, de SP, a administração de Ratinho Jr. já foi alvo de críticas por censurar o livro “O Avesso da Pele”, e pela privatização da Copel, empresa de distribuição de energia que, na ocasião da sua venda, movimentou bilhões na bolsa de valores. Desde então, os apagões de energia se multiplicaram, e chegaram até mesmo a ser tema de audiência pública na Alep.

O Programa Parceiro da Escola possibilita que professores e funcionários das escolas possam ser contratados por CLT, destruindo a pouca estabilidade que os docentes tinham. O valor repassado para as empresas terceirizadas pelo estado será de R$800 por aluno matriculado. Eis aqui uma sugestão para Ratinho Jr: ao invés de gastar 800 reais por aluno matriculado (valor maior do que era direcionado à rede estadual), por que não simplesmente investir este dinheiro na educação? Mas estou certo de que o Senhor Governador sabe a resposta para esta indagação. Ademais, os diretores e coordenadores da escola ficarão submetidos aos interesses da empresa contratada, podendo ser demitidos a qualquer instante. Os professores contratados pelo modelo PSS (Processo Seletivo Simplificado) perderão os seus empregos. O argumento do Governo Paranaense é, também, o de que a maioria das escolas que testaram este projeto aprovaram-no. Pois bem, desde a tentativa de implementação do Programa, em 2022, o Governo pretendia aplicá-lo em 29 escolas, e apenas 2 o aceitaram. Agora, em nova investida, Ratinho Jr. e seu secretário da educação Roni Miranda querem executar este projeto de desmonte da educação em 200 escolas, aproximadamente 10% da rede estadual.A deputada Luciana Rafagnin, líder do bloco da Agricultura Familiar, denunciou o projeto em fala na Alep: “Hoje os servidores da Educação concursados e os contratados pelo PSS têm estabilidade por um ou dois anos, o que não ocorre pela contratação CLT. Eles também não terão garantia de hora-atividade e cumprirão carga horária cheia, ficando sobrecarregados e sem tempo para elaborar aulas de qualidade”. Além disso, a deputada também chamou atenção para outro ponto importante: “Com a privatização, empresas terceirizadas serão responsáveis pela preparação da merenda. E quem nos garante que os estudantes receberão uma alimentação saudável, como a que é feita hoje dentro das escolas?”O Programa demonstra o descaso de um governo que tem dinheiro mas carece de interesse em desenvolver a educação na rede estadual, propagandeada como uma das melhores do país. A mercantilização da educação deixa à deriva as escolas no país, e os alunos e profissionais da área se tornam alvos da instrumentalização ideológica que as empresas privadas mascaram sob um discurso tecnicista. E, como não existem coincidências na política, não surpreende que o bolsonarista Tarcísio de Freitas esteja, em São Paulo, à frente da proposta de venda da educação, e da implementação das escolas cívico-militares. Tampouco causa espanto que, em ano de campanha, Ratinho Jr. queira fazer acenos positivos ao setor privado.

No dia 3, professores revoltados contra este projeto ocuparam a Alep, reivindicando seus direitos. No processo, foram recebidos com gás lacrimogêneo. Três pessoas e dois policiais se feriram. Uma procuradora taxou os atos como antidemocráticos e terroristas. Irônico, pois sabemos que, quando o terrorismo é cometido pelo Estado, atribuímos a ele o nome de Segurança Pública. A PGE pediu a prisão de Walkíria Olegário, presidente da APP (Associação dos Professores do Paraná), sindicato que está na vanguarda da luta pelos direitos da classe.

Em São Paulo, o governo também faz sucessivas tentativas de precarizar a educação. O governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), que há pouco tempo anunciou um corte bilionário na educação, promoveu um leilão de 33 escolas que teriam sua construção e sua administração deixadas a cargo de empresas privadas por meio de PPPs. O contrato prevê que a empresa contratada se encarregará da administração da escola por 25 anos. A retirada de verba é a estratégia mais eficiente para sucatear as estatais, que não funcionam sem orçamento, e legitima o argumento dos privatistas, os supostos anjos salvadores do Estado em decomposição. Vemos, inclusive, como a força divina e caridosa que emana dos empresários da gestão privada sempre funcionou. Certamente, ela funcionou muito bem quando os paulistas registraram o triplo de falhas nas linhas privatizadas do metrô desde o começo de 2023. A gestão privada também mostrou sua eficácia quando submeteu moradores da Grande São Paulo à falta de luz que estaria sob responsabilidade da Enel, empresa privada de distribuição de energia.

O secretário da educação de São Paulo, Renato Feder, já esteve envolvido em diversas polêmicas, como a rejeição de materiais do PNLD (Programa Nacional de Livros Didáticos), e insistiu no uso de materiais didáticos 100% digitais, na mesma época em que países referência no quesito educação pública, como a Suécia, demonstraram preocupações e voltaram atrás no uso de materiais digitais. Em 2023, o governo sueco investiu 45 milhões de euros na distribuição de materiais impressos.

Além disso, os materiais didáticos distribuídos pelo estado, em São Paulo, continham erros grotescos, como um slide que afirmava que Parkinson é uma doença transmissível pela água, e um outro que dizia que a cidade de São Paulo tem litoral. Mas não é surpresa: se a extrema-direita faz culto ao redor de um Pneu, por que não olham para o rio Tietê, e vêem nele Copacabana?

Renato Feder foi também sócio da offshore Dragon Gem LLC, dona de 28,16% das ações da Multilaser, empresa que fechou três contratos com o estado de São Paulo quando Feder já era secretário. Vale ressaltar que, por 15 anos, Feder ocupou o cargo de CEO da Multilaser. A empresa argumentou que não haveria nisso qualquer ilegalidade, pois Feder já não é parte da administração da empresa.

Christian Laval, na introdução de seu livro “A Escola não é uma Empresa”, faz um argumento interessante sobre a particularidade da infiltração do empresariado na educação brasileira: “Sob certos aspectos, o sistema educacional brasileiro já é muito mais “neoliberalizado” do que o sistema francês e muitos outros sistemas educacionais europeus. Podemos dizer até que o Brasil chegou antes do que outros países ao estágio do “capitalismo escolar e universitário”, caracterizado pela intervenção direta e maciça do capital no ensino. Constatamos esse fato pela expansão de empresas gigantes, como a holding Kroton, que, pelo que sei, possui mais de 1,5 milhão de estudantes e quase 40 mil assalariados, e está presente em quase todos os setores do ensino, tanto de base como preparatório e profissionalizante. De modo geral, o crescimento notável do ensino superior privado no Brasil nos últimos vinte anos, sob a dominação de grandes oligopólios cotados em bolsa (Kroton, Estácio, Anhanguera etc.), faz do país um caso único no mundo. E a orientação do atual governo ameaça acelerar ainda mais essa dominação capitalista na escola e na universidade, especialmente pelo desenvolvimento de um ensino privado a distância.” (Christian Laval, prefácio à segunda edição brasileira de A Escola Não é uma Empresa).

Portanto, a infiltração neoliberal na educação, disfarçada com um véu tecnicista que promete progresso, inovação, mentalidade empreendedora, e todo esse aparato retórico falacioso dos oligopólios da educação privada, representa um retrocesso para a democracia, e acentua as desigualdades no país. Além disso, uma crise epistemológica no aprendizado e na formação inevitavelmente se dá entre os estudantes, quando aqueles que detém o monopólio da produção de consenso e da circulação de informação só pensam em encher os seus bolsos. A educação pública é um direito constitucionalmente resguardado, e deve servir aos interesses do comum. No final do mês passado, estudantes da escola pública mais antiga do Paraná, o CEP (Colégio Estadual do Paraná) aprovaram mobilizações e, na segunda-feira, professores ocuparam a Alep como maneira de resistir à implementação do programa. Toda nossa solidariedade deve estar com os professores e estudantes do Paraná e de São Paulo, que têm todo direito de reivindicar os seus direitos!


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