OS DIAS SEGUINTES À GREVE: UM BALANÇO SOBRE O MOVIMENTO GREVISTA NA UEMG E OS PRÓXIMOS PASSOS
foto: Ana Luiza @naluizagl

OS DIAS SEGUINTES À GREVE: UM BALANÇO SOBRE O MOVIMENTO GREVISTA NA UEMG E OS PRÓXIMOS PASSOS

O Movimento Estudantil deve seguir apostando na sua capacidade de auto organização e deve construir espaços próprios de acúmulo, para impor a Reitoria e ao governo as nossas necessidades. A UEMG resiste e avança como um território antifascista que vai derrotar Zema, a extrema direita e qualquer política anti povo.

Lorena Lua 17 jul 2024, 14:28

Zema, nosso maior inimigo

Mesmo que a precarização da UEMG sempre tenha sido um projeto em Minas Gerais, é verdade que teve seu plano intensificado nas eleições de 2018, com a eleição de Romeu Zema, capaz de citar em seu programa eleitoral: “Empresas públicas mais eficientes e menos estatais (…) Junção da UEMG, EPAMIG E EMATER e privatização das mesmas (…)”. Apesar da versão inicial do documento ter sido editada, fruto da pressão da comunidade acadêmica da UEMG, o norte seguiu sendo esse: a materialização do aprofundamento da política neoliberal no estado. Zema, um empresário, quer dirigir o estado como quem dirige uma empresa. Passado um mandato e meio, é possível afirmar que a lógica mercadológica prevalece e resulta no lucro acima da vida. 

A UEMG é uma das universidades que paga os menores salários do país a seus servidores. O salário inicial de um professor chega a circular em torno dos 1.900,00 reais, podendo progredir pouco mais do que 6.000,00 em 25 anos. Para os técnicos, é ainda pior. Sequer recebem um salário mínimo em sua folha de pagamento. Não é possível refletir a existência plena de uma universidade sem, necessariamente, efetivar a valorização dos trabalhadores que a fazem cotidianamente funcionar. A situação ainda se agudiza quando observamos que as ajudas de custo, pagas por dia trabalhado, acabam sendo contadas para complementar a renda em ambas situações, compreendendo cerca de ⅓ dos “salários”. Até antes da greve, essa ajuda de custo era cortada em casos de licenças legais, como maternidade, luto e saúde. A UEMG de Zema é aquela que obriga mães abrirem mão de suas licenças maternidade e professores optarem por trabalhar mesmo quando doentes. Sem dúvidas, essas foram duas das principais pautas reivindicatórias do movimento de greve que saíram vitoriosas. Iniciamos 2024 com um corte de 100 milhões no orçamento, que já estava reduzido, mesmo que a universidade continue crescendo. O resultado foram cortes de 50% nas bolsas do PEMA (Programa de Ensino em Monitoria Acadêmica), redução do número de parcelas pagas pelo PEAES (Programa Estadual de Assistência Estudantil) além do desaparecimento da pesquisa e extensão da universidade. A situação de seus prédios também é precária. É comum faltar não só materiais, mas também espaços adequados para as aulas. Falta quadra, falta laboratório, falta ateliê, faltam equipamentos. 

Os ataques de Zema não se limitam às universidades do estado (UEMG e Unimontes), mas também à toda rede básica de ensino,  à saúde e todos os setores de investimento social que impactam a vida dos mineiros. Sua escolha é clara ao isentar impostos de empresas como a Localiza e ao querer terceirizar e privatizar até mesmo as escolas estaduais. Seu recado logo na primeira semana da deflagração de greve é o puro escárnio de um liberal: “Se alguém acha que o setor público não paga tão bem, pode seguir carreira no setor privado também”. Esse posicionamento se respalda em seu próprio Regime de Recuperação Fiscal, que segue a mesma lógica do Arcabouço Fiscal de Haddad, no governo federal. Ambas são medidas de austeridade contra o povo que quer tirar nossos direitos para resolver a crise que se retroalimenta. 

Não à toa, a UEMG é a universidade do filho da classe trabalhadora, é a universidade mais interiorizada, mais popularizada e enegrecida. As políticas de cotas do PROCAN possibilitam o ingresso de milhares de estudantes que não estariam na universidade pública, senão pela existência da UEMG. A assistência estudantil pífia apresentada como política de permanência dá o tom ainda mais precarizado para a vida do estudante. Como se já não bastasse a falta do R.U, da moradia estudantil e do transporte, o corte orçamentário também resultou na troca do sistema operacional da UEMG às pressas a para o Lyceum, ocasionando em erros catastróficos e em centenas de estudantes não matriculados devidamente nas turmas até hoje.

A greve como nossa arma de luta

A necessidade da luta é latente. Nós do Juntos, desde abril, quando já se havia um acúmulo sobre as greves nas federais e a partir da experiência em São Paulo na USP e Unicamp no final de 2023, já defendíamos a necessidade dessa radicalização. Avaliávamos que havia conjuntura para uma greve que, chegando, deveria ser também estudantil. A deflagração da greve dos docentes veio de uma assembleia histórica da ADUEMG, seção sindical do ANDES, com mais de 500 professores e uma adesão de 92%. As notícias de que a greve estudantil estava sendo aprovada nos prédios veio em cascata, ainda antes da assembleia geral estudantil, articulada através da pressão de base que colocou na ordem do dia sua chamada pelo DCE. A greve estudantil foi construída lado a lado de professores nas 20 unidades espalhadas em quase 19 cidades diferentes de Minas Gerais, totalizando apenas duas unidades que não paralisaram. A capilarização da UEMG não deixou a tarefa menos difícil, porém brilhantemente topada pelos estudantes e professores. O ato histórico, unificado com a Unimontes e demais setores do funcionalismo público, no dia 8 de Maio, deu o tom de que havia muito espaço para fazer a luta crescer. O papel que o movimento grevista na UEMG poderia cumprir era o de fazer avançar uma disputa de consciência de maioria social contra o projeto neoliberal zemista, mas que também encontrou contradições à medida que avançava. 

A greve estudantil foi tocada através dos comitês locais e do comitê geral. A Reitoria fez uma escolha política de estar ao lado do governo, que contou, inclusive, com corte de ponto dos professores grevistas. Com os estudantes, houve apenas uma reunião com o DCE, que não chegou a resoluções concretas dos problemas apresentados,  e se recusou a se sentar com o Comitê de Greve Estudantil, deslegitimando a greve estudantil, muito à esteira do que o próprio governo do estado fez com o Comando Geral de Greve docente, negando-se a chamar de “mesa de negociação” as reuniões com seus representantes. Destaque para o M.E de Divinópolis, Ituiutaba e FAE FappGen que sofreram uma tentativa mais direta de criminalização do movimento. Mesmo nessas circunstâncias, a greve saiu arrancando avanços valiosos. Saímos dela tendo a PL do R.U aprovada (PL 1321/2023) assim como a criação de um auxílio creche e moradia estudantil pelo PEAES, entretanto, ainda vinculados à disponibilidade orçamentária e ao próprio RRF.

Sobre o debate de recomposição salarial, não pode-se dizer que houveram saltos significativos. É verdade que sem a greve, os 4,62% de reajuste para todo setor público não teria sido possível, mas quando comparado à defasagem de quase 70% dos salários docentes e que, no final do mês, esse reajuste irá desaparecer, torna-se ainda mais necessário seguir debatendo a mobilização permanente. Vale lembrar que a proposta dos 4,62% era justamente a proposta do governo, contra a da oposição que queria 10%, ou seja, dessa audiência na ALMG, saímos perdendo. A grande vitória, no entanto, está nas ajudas de custo. Não podemos secundarizar, tampouco minimizar, o tamanho e a importância dessa conquista. A greve possibilitou que os servidores não mais sejam penalizados com perda de quase ⅓ da sua renda durante licenças maternidade, luto e outras. Além disso, houve uma recomposição orçamentária totalizando 19 milhões que serão destinados a setores específicos, assim como o aumento na ajuda de custo, novos calendários de concursos públicos, entre outros. Esses marcos são imprescindíveis para que a UEMG siga existindo como uma universidade pública. Todos os professores, estudantes, funcionários, representantes dos comandos e comitês, membros das diretorias das entidades, cada um que se dispôs a lutar, nos ensinam e nos mostram que a coragem é um sentimento coletivo e sempre será maior do que aqueles que tentam nos parar. Viva a UEMG e seu povo de luta! 

O final da greve 

A falta de uma mobilização mais estadualizada com outros setores do funcionalismo público, como a própria educação básica, acabou localizando a UEMG como a única em greve sob um governo Zema, o que influenciou no encerramento da mesma. Ainda, a recente judicialização sofrida pelo SINDUTE e a própria saída da UFMG do movimento de greve das federais contribuiu para que a greve docente chegasse ao final no dia 1° de julho, completando dois meses de paralisação. Seu encerramento ocorreu sem unanimidade (como vinham sendo as votações pela continuidade da greve até as últimas duas assembleias docentes). A penúltima contou com a apresentação de duas propostas: a do sindicato, ADUEMG, que defendia a suspensão da greve justificada por haver ameaça do corte de ponto e a própria impossibilidade de se arrancar mais conquistas sob um governo Zema. A proposta da continuidade da greve era pautada, fundamentalmente, pelo questionamento de que ainda nenhum dos avanços havia sido concretizado, o reajuste sequer havia sido sancionado, assim como o aumento da ajuda de custo, e que se aquele não era o momento de continuar lutando, qual seria? A segunda proposta foi votada contra a primeira e a greve seguiu por mais uma semana, até que, na última assembleia, do dia 28 de junho, tendo a base melhor articulada, contando com a presença de todas as unidades da UEMG, em uma assembleia com a casa cheia, votou-se pelo encerramento. 

A defesa da suspensão da greve pela impossibilidade de arrancar vitórias, para nós do Juntos, é uma defesa arriscada que pode atuar na contramão do que precisa ser o sentido da greve, pois não faz a disputa a partir de como dar consequência a um processo amplo e radicalizado. Afinal, se é preciso derrotar Zema, ou, pelo menos, enfraquecê-lo para que a realidade da UEMG em sua cotidianidade mude, como o faremos? Não achamos que esperar pelas eleições é o caminho certo, uma vez que as próprias eleições refletem a consciência das massas que só vai avançar se houver janelas de lutas que imponham esse avanço. Não que o debate sobre esperar as eleições tenha sido apresentado dessa maneira, porém, qual seria o caminho lógico, uma vez que a  maior arma de luta – a greve – já não mais apresentaria saídas concretas? Essa avaliação se justifica no próprio caráter interventivo dos professores. Nenhuma das falas na última assembleia colocava que a greve deveria acabar porque achavam que nossas vitórias já se acumulavam em um saldo suficiente, mas porque não viam mais que a greve poderia abrir o espaço para essas vitórias. Defendiam que a luta deveria continuar de outras formas. A tarefa mais importante, portanto, agora, é conseguir engajar em uma mobilização permanente que construa essa continuidade. É urgente um calendário de lutas unificado da UEMG, para além das datas gerais de paralisações, que coesione um plano.

E o Movimento Estudantil?

A greve estudantil na UEMG representou um novo momento. A experiência da greve para uma geração que ainda não havia passado por um processo mais radicalizado como esse nos coloca em uma condição outra de intervir na realidade em favor da universidade. Saímos da greve com o Bandejão no papel e com a missão de vê-lo concreto em todas as unidades. A greve estudantil, assim como a greve docente, contou com um desenvolvimento desigual e combinado, demonstrando experiências mais (ou menos) mobilizadas a depender das condições objetivas de fazer o movimento avançar. Se por um lado não vimos a recomposição do PEMA, por outro, hoje temos um Movimento Estudantil que se rearticulou e criou espaços autogestionados mais capazes de conectar as lutas da UEMG no estado e mais capazes de dar consequência no pós greve.

Também é preciso reconhecer as contradições do próprio movimento de greve estudantil. Foi um movimento que, no limite, ficou muito à mercê do que os professores decidiam em seus espaços deliberativos e que conseguiu organizar pouquíssimos espaços próprios e independentes. Nós do Juntos estivemos construindo todos os comitês estudantis nas unidades em que estávamos presentes e atuamos ativamente no Comitê Geral de Greve Estudantil (CGGE). Acreditamos que era necessário criar cada vez mais condições que a greve estudantil se ampliasse e apresentamos em panfletos o debate sobre a necessidade de que a Reitoria se reunisse com o Comitê Geral de Greve Estudantil (CGGE) uma vez que aquele era o espaço mais democratizado e amplo que reunia as principais direções locais do movimento de greve, nem sempre dirigido pelas entidades. 

Avaliamos também que foi uma política acertada dar espaço pra que o CGGE atuasse junto ao DCE, uma vez que o diretório central carece de uma renovação e reoxigenação. Construímos uma intervenção nessa gestão do DCE através da única cadeira que o Juntos passou a ocupar desde o início deste semestre (2024.1), porém, fazemos o balanço de que existem limites objetivos que precisam ser superados para que o DCE não caia em um desmonte completo, contando com abandono de cargos visto a impossibilidade de reunião da própria gestão e a falta de membros que consigam dar dinâmica para entidade. Nesse sentido, entendemos que a nossa própria permanência nela deve entrar em debate, uma vez que o sentido de se atuar em um espaço como esse seja poder intervir e contribuir para o avanço do Movimento Estudantil. Se essa atuação estiver limitada por qualquer motivo, devemos apostar e depositar forças onde for mais propício haver dinâmica e avanço das lutas. Acreditamos na democratização das entidades, na ampliação dos espaços para construir com o estudante de forma mais cotidiana e na urgência de uma agenda de lutas do Movimento Estudantil da UEMG. É preciso reconhecer que temos um papel central no enfrentamento a Zema e à extrema direita, fazendo recuar seu projeto econômico: um pacote de retrocessos para Minas Gerais.

Próximos passos 

A dura verdade é que só avançaremos quando fizermos o RRF recuar. Em uma tendência neoliberal internacional e nacional, a intensificação da precarização da universidade será uma realidade. Assim como a greve nos apontou uma saída possível, hoje sabemos que podemos sonhar com a universidade que queremos tendo o pé no chão, porque isso significa construir um projeto que cobre a resposta dos problemas que enfrentamos. O compromisso da Reitoria e do Governo tem que ser com as necessidades reais que temos, desde a falta de água no bebedor até a oferta de bolsas com valores reais e o bandejão acontecendo. O Movimento Estudantil deve seguir apostando na sua capacidade de auto organização e construir espaços próprios de acúmulo. A UEMG resiste e avança como um território antifascista que vai derrotar Zema, a extrema direita e qualquer política antipovo. Para isso, precisaremos de fazer assembleias locais, plenárias, fortalecer as entidades estudantis, promover um debate responsável sobre o papel das mesmas e do DCE, democratizar os nossos prédios, apostar em atividades diversas, construir atos nas nossas cidades e seguir convencendo todo mundo de que a luta é a melhor alternativa. É uma necessidade: o amanhã tem que ser maior!


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