Se a UNE não tiver independência política, seguirá desconectada das lutas estudantis
Reprodução instagram UNE

Se a UNE não tiver independência política, seguirá desconectada das lutas estudantis

Enquanto a UNE fala de menos juros, o governo corta verbas e ameaça o piso constitucional da educação.

João Pedro de Paula 2 ago 2024, 17:07

Nos últimos dias 29 e 30 de julho, estivemos no 70º Conselho de Entidades Gerais da UNE, espaço que reúne as principais entidades estudantis para debater política e organizar as lutas do movimento. Mas isso não foi o que aconteceu em São Paulo.

O CONEG aconteceu nos marcou de 1 ano de gestão da UNE, que foi eleita no meio do ano passado, e 1 ano e meio do governo Lula III. A atual gestão da entidade, que compomos pela oposição, está sendo marcada por uma política que ignora as demandas reais dos estudantes. A principal política apresentada pela direção majoritária (UJS/PCdoB e PT) é a retomada da Caravana da UNE, onde a entidade realiza eventos por todo o país. Para essa gestão, o tema colocado foi a Reforma Universitária, com o mote “Clima de Futuro”, propondo a refletir uma transformação estrutural nas universidades durante o governo do PT.

Poderíamos dizer que a caravana seria um movimento importante para debater uma mudança radical nas universidades, a exemplo da Reforma de Córdova na Argentina, onde estudantes da Universidade Nacional de Córdova deram um pontapé para uma mobilização que conquistou o direito de todos entrarem na universidade sem que houvesse um vestibular em 1918. Até hoje, os estudantes argentinos seguem com o livre acesso à educação superior.

Mas em 2024 estamos em um cenário onde as nossas universidades públicas sequer tem o mínimo, como tratamos mais a fundo neste texto sobre a greve, e as poucas agendas da Caravana pareceram quase que alienígenas para os estudantes por não conectarem o debate da reforma com a luta pela superação da crise orçamentária que vivemos nas instituições de ensino hoje.

E justamente por esse elemento, tivemos uma greve da educação federal que passou totalmente por fora da entidade, cuja direção majoritária se recusou a se reunir durante a greve e, por isso, a UNE não se colocou enquanto uma referência nacional do processo, que teve participação estudantil, ainda que limitada. Na verdade, esses setores políticos atuaram contra as greves estudantis, inclusive se unindo com a direita para impedi-la e comemorando fervorosamente nos locais onde isso foi possível, como é o caso da UFBA e UFES.

Tratando do governo federal, hoje temos como consolidada uma linha política que segue a cartilha neoliberal, com a continuidade do teto de gastos através do arcabouço fiscal e o aprofundando do ajuste com a possibilidade de fim dos pisos mínimos constitucionais que garantem os investimentos na saúde e educação.

Ainda que tenhamos vitórias como a continuidade da política de cotas, a aprovação do PNAES como lei, o reajuste das bolsas, sabemos que são exceção à linha dominante no governo. Aliás, qualquer política de permanência estudantil hoje depende de orçamento para que seja efetivada. O que vivemos agora é uma continuidade no ajuste fiscal promovido desde os últimos anos do governo Dilma, passando por Temer e Bolsonaro. 

No último dia do CONEG, o governo anunciou um congelamento de R$ 5,7 bilhões na saúde e educação e um corte de R$ 4,5 bilhões nos recursos do PAC. Este anúncio estava marcado para acontecer e a entidade sequer tratou de debatê-lo e muito menos se preparou para enfrentá-lo.

Pelo contrário, a sua direção majoritária optou por colocar como centralidade a luta contra a política de juros do Banco Central, colocando um ato organizado pelas centrais sindicais (dominadas pela burocratização) com esta temática como parte da programação e propondo que o próximo ato estudantil, no dia 14 de agosto, também seja neste sentido. Não discordamos da crítica necessária a política que privilegia os banqueiros e o conjunto de rentistas no país, que vivem de especulação e juros, sem qualquer investimento real em produção e emprego. Mas entendemos que colocar este debate como central, é justamente uma manobra política para que o governo federal não seja questionado pelo seu neoliberalismo, que afeta muito mais a população, colocando o problema para o Banco Central, por ser “independente”. No fundo, os próprios indicados pelo governo sempre votam a favor da alta taxa de juros. Assim, a UJS e as juventudes petistas escolhem por blindar o governo em vez de combater no conjunto o neoliberalismo.

Na prática, a entidade não consegue se conectar com as demandas reais dos estudantes e não atua contra as políticas que geram insatisfação social, deixando um caminho aberto para a extrema-direita atuar sozinha nessa crítica e conseguir se fortalecer. O 70º CONEG é um reflexo desse cenário. Por isso, marcado por debates protocolares e apenas agitativos, quase que um teatro, por estar distante da construção real das lutas necessárias. A oposição de esquerda foi a única a tratar da greve da educação, que sequer constou na programação do evento.

Nós do Juntos! levantamos essa crítica em todos os espaços, propondo uma mobilização que de fato atue contra o neoliberalismo e a extrema-direita. Queremos construir um polo no movimento estudantil que tenha capacidade de ter independência política para tanto saber questionar as políticas que cortam nossos direitos, mesmo vindo de um governo que contribuímos para sua eleição, mas que também saiba construir unidade no enfrentamento à extrema-direita, seja nas eleições, seja na disputa ideológica e nas lutas que se desenvolvem, como é o caso das privatizações e militarização das escolas em São Paulo.

Lamentamos que a Juventude Sem Medo siga optando por não construir uma oposição conjunta na UNE, continuando sua política de defesa da resolução de conjuntura com a direção majoritária e dessa vez se recusando a construir uma resolução de educação em unidade conosco, sob o argumento de “ultraesquerdismo” que surgiu de última hora. Trata-se de um argumento que não é desenvolvido, por não ter respaldo na realidade, onde os companheiros constroem entidades em comum conosco, como é o caso da USP e UFMG, universidades que passaram por processos de greves estudantis recentemente. 

Seguiremos levantando a bandeira de luta por uma UNE independente. Temos disposição de construção de lutas unitárias, para enfrentar os cortes nas políticas sociais e a extrema-direita. Mas não achamos que o caminho é deixar de construir uma disputa contra o neoliberalismo, sob uma unidade em abstrato, que não se efetiva em um programa que levante de fato as necessidades políticas do povo e dos estudantes, como vimos recentemente nas eleições francesas. A palavra de ordem de unidade “do movimento estudantil unificado para as mudanças no Brasil” é performática. Quem a canta, não construiu os processos de luta nas universidades na última gestão. Pelo contrário, atuou contra essas mobilizações.

Por agora, é hora de construir um dia de luta efetivo no dia 14 de agosto, sustentado na base estudantil, em defesa do orçamento da educação e contra os ataques da extrema-direita! Vem com o Juntos!


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