O QUE AS ELEIÇÕES DE 2024 NOS DIZEM SOBRE O FUTURO DO BRASIL?
Reprodução: Revista Movimento

O QUE AS ELEIÇÕES DE 2024 NOS DIZEM SOBRE O FUTURO DO BRASIL?

Primeiro balanço eleitoral do juntos! em um cenário de continuidade de crise e incapacidade da esquerda em apresentar um programa de fato alternativo, no qual as eleições municipais de 2024 espelham um cenário de apatia política e crescimento da direita mais fisiológica

Fabiana Amorim e Julia Maia 24 out 2024, 08:29

Passados alguns dias do primeiro turno das eleições municipais de 2024 e a poucos do segundo, muito já se foi dito sobre o resultado das urnas. Ainda que este seja um espelho distorcido da realidade, as eleições burguesas indicam tendências, e avançam ou retrocedem lutas e programas políticos. Mais do que fazer um mapeamento dos resultados das cidades, projetar cenários ou repetir análises, buscamos nesse texto extrair quais lições a esquerda precisa tirar para o próximo período.

1 – O que significa dizer que o centrão venceu?

Parece ser consenso que o principal “vencedor” dessas eleições foi o chamado centrão, que venceu a maioria das prefeituras no país. Sem dúvida esse é o resultado da institucionalização das Emendas Parlamentares, que no último período ampliaram-se como moeda de troca no balcão de negócios da política brasileira. Somado aos valores exorbitantes dos fundões eleitorais, fizeram com que os grandes partidos da ordem tivessem os principais resultados.

A concentração de poder e emendas, leva consequentemente a concentração de verbas eleitorais e a continuidade no poder da mesma velha política. Esse setor, hora esteve com Bolsonaro, hora com Lula. Aliás, nos seus 20 anos de Congresso Nacional, Bolsonaro sempre integrou o chamado centrão. Apesar de carregarem um programa em sua maioria conservador e privatista, o que lhes importa é sentar à mesa do poder. Uma das principais representações disso, está hoje na figura de Arthur Lira, apresentando uma agenda antidemocrática no Congresso Nacional, como também busca perseguir aqueles que se levantam contra, como a tentativa em curso de cassação do deputado federal do PSOL Glauber Braga. As feministas, com o adiamento da votação do PL 1904, deram um exemplo categórico de como se enfrenta a direita e o centrão: mobilização nas ruas para disputar a opinião pública e emparedar esses senhores que vivem de costas para o povo.

2 – O Brasil pós Bolsonaro: o que mudou e o que não mudou

Essas eleições municipais estão sendo a primeira eleição após o fim do governo Bolsonaro, que foi derrotado numa eleição em 2022 que foi dividida, apertada e que escancarou o projeto golpista da extrema-direita, com o 8 de janeiro. De lá pra cá, conseguimos dar um respiro democrático importante, sem ter à frente da presidência do país quem fazia constantes ameaças às liberdades democráticas e até mesmo às instituições burguesas. Apesar disso, Bolsonaro segue ainda solto, mesmo tendo sido responsável pelo genocídio brasileiro da pandemia de COVID-19 e possuir relações com o que há de mais podre da política e das milícias no país. Mesmo com sua inelegibilidade, exigir a prisão de Bolsonaro e sua família segue sendo fundamental para dar exemplo a um país que pouco ou nada faz justiça contra os algozes do povo.

Ao mesmo tempo, também esgotam-se os limites da frente ampla. O governo Lula elegeu-se apoiado no sentimento popular de quem estava cansado de ser massacrado, ao mesmo tempo em que aliou-se a uma parte da burguesia que não embarcou no projeto golpista da extrema-direita. Apesar da retomada de projetos sociais importantes, a aprovação do arcabouço fiscal pelo governo apoiado no centrão, torna-se incompatível com a ampliação dos investimentos sociais em saúde, educação, geração de emprego e o combate às catástrofes ambientais. São preocupantes as últimas movimentações e declarações do Ministro da Economia que admite cortes no próximo período. As insatisfações da população com sua condição de vida e com a política brasileira, que tem sido no último período capturada em sua maioria pela extrema-direita, seguem vivas, e não é com um projeto de austeridade fiscal que a esquerda irá melhor se localizar para levar adiante essa disputa.

3 – A tragédias ambientais e uma agenda de retrocessos

O principal fato político do país no ano até então foi a tragédia ambiental ocorrida no estado do Rio Grande do Sul. Sentimos na pele o que parece que será regra nos próximos anos: consequências de grandes proporções, especialmente ao povo mais pobre, fruto das mudanças climáticas e de cidades voltadas ao lucro. Nas semanas de campanha, o país foi perpassado por semanas de grandes queimadas criminosas produzidas pelo agronegócio, nos levando a respirar o ar mais poluído do mundo. Apesar disso, os debates ambientais passaram longe das principais discussões dessas eleições.

Assistimos a hipocrisia de governos como de Tarcísio, Ricardo Nunes, Eduardo Leite e Sebastião Melo, que são defensores e promotores das privatizações, inclusive no saneamento básico com a venda da SABESP, sucateando os serviços públicos para beneficiar seus amigos empresários. Não ao acaso, nos momentos de catástrofes ambientais, seja de enchentes ou queimadas, foram aos “coletes” das empresas públicas que estes recorreram, enquanto o que vemos é o desmonte de empresas públicas não só a nível municipal e estadual, como também a nível federal, demonstrada pela greve dos trabalhadores do IBAMA e ICMBIO.

Defesa do clima é o contrário do neoliberalismo. Dizer combater as mudanças climáticas ao mesmo tempo em que se aplica um modelo neoliberal é inconciliável. Por isso é fundamental uma esquerda que aponte essa centralidade, como diversas candidaturas que o Juntos! construiu e apoiou fizeram.

4 – A extrema-direita dividida e novas figuras

A extrema-direita também demonstrou sua força e contradições nessas eleições. Com significativas vitórias eleitorais, esse setor ganhou musculatura e demonstrou que segue sendo um polo que disputa ideologicamente a sociedade brasileira. A extrema-direita saiu fortalecida eleitoralmente, mas dispersa do ponto de vista de direção política. Pudemos acompanhar as suas divisões internas a partir do surgimento de novas lideranças, como o fenômeno Marçal em São Paulo. Mesmo não sendo o candidato “oficial” de Bolsonaro, sua candidatura dialogou com a mesma base social do bolsonarismo, com um peso forte da juventude periférica mobilizada ao redor de um discurso antissistema.

Para nós, o que fica claro é que a extrema-direita tem ganhado espaço na disputa ideológica da sociedade, inclusive nas classes populares. Ela ainda tem Bolsonaro como seu principal representante, mas não exclusivo. Portanto, em que pese seja fundamental termos conquistado a inelegibilidade de Bolsonaro, barrá-lo institucionalmente não se demonstrou suficiente para derrotar a extrema-direita. Para enterrá-la de vez, precisamos de uma esquerda antissistêmica que apresente um programa radical e ofereça alternativas reais à classe trabalhadora.

5 – A desestruturação do trabalho crise de sentido

O mundo do trabalho também foi um importante campo de disputa nessas eleições. Por um lado, tivemos a extrema-direita reforçando a ideia do empreendedorismo e da flexibilização das relações trabalhistas enquanto uma saída para o desemprego e a conquista da ascensão social. A candidatura “coach” de Marçal foi um dos principais exemplos dessa política, que conseguiu conquistar adesão de parte significativa da população.

Por outro lado, à esquerda tivemos como a candidatura mais votada do PSOL no Rio de Janeiro o Rick da VAT (Vida Além do Trabalho). Uma candidatura que não havia sido priorizada internamente no partido, mas que conseguiu superar eleitoralmente todas as outras campanhas a partir de uma linha política centrada na defesa dos direitos trabalhistas e no fim da escala 6×1.

A precarização do trabalho tem avançado no Brasil e impacta profundamente a juventude. Enquanto a saída neoliberal para crise é apostar ainda mais no individualismo, para nós está colocada a tarefa de retomar um sentido coletivo de existência, organizando lutas sociais ao redor de pautas que dialoguem com a maioria da população.

6 – Por que não é a esquerda que dialoga com a indignação e quais caminhos construir

Para estar à altura desses desafios, seria necessário defender um programa de enfrentamento aos grandes bilionários e empresas que, por um lado, destroem nossos recursos naturais e, por outro, priorizam e atuam para desestruturar os direitos trabalhistas. Esse é exatamente o contrário do que tem feito o governo Lula, que mais recentemente teve seu Ministro da Economia defendendo o ataque ao FGTS dos trabalhadores, em nome de manter o superávit primário que só beneficia os bancos e grandes empresários.

É necessário compreender que para enfrentar o poderio econômico do centrão e o avanço da extrema-direita, precisamos encarar a crise que vivemos como parte da crise internacional de um sistema capitalista que padece, mas não morre, pela ausência de uma alternativa anticapitalista e uma saída para os trabalhadores e povos oprimidos. Precisamos sair apenas da defensiva, e ter coragem de defender na sociedade propostas radicais que dialoguem com a insatisfação da população com sua condição de vida, retomando as lutas pela redução da jornada de trabalho, pela reforma agrária, por passe livre, taxação das grandes fortunas e reestatização dos serviços privatizados no país. A justificativa da ausência de correlação de forças, calcando-se apenas na fotografia do Congresso Nacional, é aceitar nossa derrota por W.O.,  e resignar-se a ficar refém do poderio econômico dos donos do poder e de uma agenda de retrocessos.

7 – O Juntos! nessas eleições e a unidade dos que lutam

O Juntos participou ativamente do processo eleitoral sem deixar de construir as lutas. Tivemos candidaturas do nosso movimento e vitórias que apoiamos como Luana Alves, Vivi Reis, Professora Ângela, Mariana Conti, Roberto Robaina, Alice Carvalho, Jurandir Silva e tantos outros que se colocaram à disposição da tarefa eleitoral a fim de apresentar nosso programa e ocupar as Câmaras Municipais enquanto uma trincheira de luta em defesa dos interesses populares. Temos orgulho de muitas de nossas candidaturas terem recebido apoio de outros partidos e movimentos da esquerda radical. Acreditamos que para arrancar vitórias será preciso extrapolar as próprias organizações e construir um polo dinâmico e permanente de lutas, para além das eleições.

8 – Conclusão

Em todo o mundo, o capitalismo demonstra sua incapacidade de oferecer alternativas à crise econômica, social e ambiental. Mas o realismo capitalista insiste em tentar vender para a juventude a ideia de que a transformação da realidade é impossível. Diante disso, parte da esquerda aposta em rebaixar suas bandeiras e defender a miséria do possível enquanto o único caminho viável. Para nós, é fundamental combater o possibilismo e apontar saídas reais para a classe trabalhadora. Em que pese a importância da disputa eleitoral, essas saídas não serão construídas a partir das instituições. O caminho que vai nos conduzir a vitórias é o da mobilização. Precisamos dialogar com a indignação dos de baixo e apostar no povo na rua para derrotar a agenda neoliberal e combater a emergência climática. Como diria León Trotsky, um dos principais líderes da Revolução Russa de 1917, toda revolução parece impossível até que seja inevitável. A nossa tarefa está dada: mobilizar a juventude para fazer do amanhã o impossível de hoje!


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