Mais um caso isolado? Um debate sobre segurança pública
Justiça para Igor e Thiago, vítimas de violência policial no Rio
O dia amanheceu com a notícia de que Thiago, motorista de aplicativo que chega a trabalhar 17h por dia, e Igor, estudante universitário e trabalhador, foram baleados por um policial militar durante a madrugada. Não quero me estender relatando a notícia, que pode ser vista em detalhes aqui e aqui. Mas fazer mais uma reflexão sobre a política de segurança no Rio e no Brasil.
Hoje vivemos numa situação onde é justificável atirar em jovens negros numa moto por serem suspeitos de roubar um celular. Ou melhor, justificável até matar, mesmo sem ter certeza se de fato eram quem efetuou o roubo. Esse tipo de acontecimento é frequente em nosso noticiário.
Para além de serem vítimas da violência física em si, a violência também continua por outros meios. Thiago e Igor receberam voz de prisão quando chegaram ao hospital, e Thiago segue aguardando uma audiência de custódia para esta terça. Isso sem qualquer prova de que foram eles os culpados pelo suposto crime e mesmo eles tendo provas que estavam em outro local no momento do suposto crime.
A crise de segurança pública no Rio se aprofunda. O Estado parece sequer ter um governador, que aparece de vez em quando para tuitar que “o pessoal dos direitos humanos vai reclamar, mas vamos dar nossa resposta para o crime”. A culpa do aprofundamento da crise, para ele, é da ADPF das Favelas, medida fundamental para impor restrições à lógica genocida das operações policiais, mas que segue sendo desrespeitada pela PM desde a pandemia. Nos 27 primeiros dias deste ano, 24 pessoas foram vítimas de balas perdidas na região metropolitana, 7 dessas morreram.
Nesse sentido, é fundamental apontar que o que aconteceu com Igor e Thiago está conectado com uma lógica de guerra às drogas que guia à atuação das PMs e da segurança pública no Brasil. Guiada por uma lógica de combate à um “inimigo interno” que reduz o povo negro e periferico à inimigos ou potenciais traficantes, as forças policiais são treinadas para exterminar a juventude negra, justificando com um suposto combate ao tráfico de drogas. Debater, portanto, a necessidade de legalização das drogas é também debater a necessidade de pôr fim à essa lógica perversa que permeia as PMs de todo o Brasil.
Enquanto isso, o recém reeleito prefeito Eduardo Paes quer implementar sua Força Municipal de Segurança para o segundo semestre deste ano. A pretensão é construir uma força armada municipal, contratando profissionais “altamente qualificados”. A qualificação que o prefeito menciona é a realizada pelo CPOR, Centro de Preparação de Oficiais da Reserva do Exército. Uma preparação nitidamente para a lógica da guerra, em modelo semelhante ao das polícias militares.
Ou seja, para se qualificar no debate de segurança pública e se fortalecer para a disputa para o governo em 2026, Paes quer fazer sua própria força armada, seguindo a mesma lógica de militarização das outras forças de segurança, que hoje estão presentes inclusive nas polícias civis e na PRF, que realizam operações policiais em favelas, mesmo não sendo sua atribuição.
A pretensão de Paes é colocar essa nova força de segurança, tida como inconstitucional por alguns juristas, para atuar justamente em casos semelhantes a esse que justificou que Thiago e Igor fossem baleados nesta segunda-feira.
É óbvio que precisamos encontrar saídas urgentes para violência urbana. Mas também deveria ser óbvio que aumentar a proporção do que já é feito hoje, em larga escala e a nível nacional pelas polícias militares, não vai resolver o problema. Já há muito são debatidas possíveis solucões para a crise de segurança, como a desmilitarização, a unificação das polícias, a criação de uma carreira única, a legalização das drogas, a ênfase na resolução de homicídios (algumas delas estão bem resumidas neste texto de Luciana Genro)
Isso como medidas de reformas na própria dinâmica capitalista, mas que no fundo nós sabemos que serão insuficientes para resolver um problema mais profundo, ainda mais se tratando de um país que tem na escravidão e consequentemente no racismo como um dos pilares para o surgimento do capitalismo em nossa formação social. Mas certamente, a compreensão da complexidade desta tarefa não exclui a necessidade de lutar por essas reformas por agora, com um programa de transição que conecte as medidas urgentes e mais imediatas com a transformação radical da sociedade.
O enfrentamento à extrema-direita, que vem se apropriando do debate da segurança pública, também perpassa pelo desafio de apresentar uma alternativa à esquerda sobre o tema. Algo que deve ser conectado diretamente à luta das vítimas da violência policial. Justiça para Thiago e Igor!