Termoelétrica no DF: o capitalismo, a fumaça e a educação
Derrubar uma escola na periferia do DF para instalar uma termelétrica não é exceção: é parte de um projeto sistêmico de destruição da natureza e ataque aos direitos do povo
A instalação de uma usina termelétrica a gás natural no Distrito Federal, às margens do Rio Melchior, não é um caso isolado. É a expressão local de um modelo econômico global em crise, que submete a vida, a natureza e os territórios à lógica do lucro. Um sistema em que é mais “viável” derrubar uma escola com 500 crianças do que investir em educação pública; onde se escolhe erguer uma chaminé que libera gás e enxofre na periferia, enquanto se posa de sustentável para o mundo.
Na última terça-feira (18), o que seria uma audiência pública com a comunidade se transformou em um poderoso escracho contra a empresa Termo Norte. Com palavras de ordem como “Xô, Termo Norte e a sua usina da morte” e “Escola sim, usina não!”, a população protagonizou uma cena exemplar de resistência popular contra o racismo ambiental.
É sintomático que a usina tenha sido projetada exatamente sobre a única escola rural da região. O projeto prevê a destruição da escola, a expulsão de trabalhadores e estudantes, o agravamento da poluição do ar e das águas do Rio Melchior, e ainda usa a promessa de empregos como moeda de troca para esconder os impactos sociais, sanitários e ambientais.
Esse e outros empreendimentos são possíveis porque a legislação e os órgãos de “proteção ambiental” já permitem. Agora, com a aprovação do Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 2.159/21) — apelidado de PL da Devastação — muito mais está em jogo. O projeto que já foi aprovado na Câmara e avança no Senado com amplo apoio do agronegócio, das mineradoras, da indústria fóssil e, também do governo federal. Se aprovado, esse projeto abrirá caminho para a multiplicação de termelétricas, mineradoras, hidrelétricas e monocultivos em todo o país, desobrigando a realização de estudos de impacto em diversos casos, reduzindo drasticamente a participação popular nos processos decisórios e acelerando licenciamentos em territórios vulnerabilizados. Ou seja, legaliza o massacre silencioso das comunidades que vivem e resistem nesses territórios.
É nesse contexto que devemos entender o caso da usina do DF. Ela não é um erro de planejamento, mas um projeto coerente com uma política energética atrasada, orientada para beneficiar grandes empresas — inclusive internacionais — que lucram com a energia fóssil e a destruição ambiental. Enquanto isso, o governo brasileiro segue defendendo a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, mesmo às vésperas da COP 30, e mantendo subsídios bilionários para o gás natural e outros combustíveis fósseis.
Essa contradição não é exclusiva do Brasil. É parte de uma engrenagem global que desloca os custos da crise climática para o Sul Global, os povos periféricos e racializados. A exploração do nosso território para garantir energia barata a grandes potências econômicas é herança direta de um modelo neocolonial, onde a “transição energética” se converte em mais um processo de espoliação.Diante desse cenário, esse processo de luta é mais do que defensivo: é afirmativo. Diz que outro modelo de sociedade é necessário. Um modelo baseado em justiça climática, soberania popular, democratização da energia e defesa intransigente da vida.
Acreditamos que não existe justiça climática possível dentro das amarras do capitalismo fóssil. Por isso, nossa resposta à crise precisa ser antissistêmica, antirracista e internacionalista. Lutar contra a termelétrica no DF é lutar contra o PL da Devastação, contra a exploração da Foz do Amazonas, contra a política de morte que transforma o planeta em zona de sacrifício para manter o privilégio de poucos.
O Juntos! se soma a essa luta com a certeza de que é nos territórios, nas escolas, nas universidades, nas comunidades e na autorganização que a resistência nasce. É exemplar a mobilização que os setores como o Arayara, o Jovens Pelo Clima, o movimento cultural e a comunidade de samambaia vem realizando para derrotar projetos de destruição como esse. Construir e conquistar um futuro radicalmente diferente: onde viver, aprender e respirar não sejam um privilégio mas um direito inegociável é a tarefa da nossa geração.