De quem é o Brasil? Por uma soberania dos 99%
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De quem é o Brasil? Por uma soberania dos 99%

Para enfrentar o imperialismo, muito mais que disputar o “verde e amarelo” com a extrema-direita, precisamos de um programa internacionalista, anticapitalista e ecossocialista

César Wolf e João Ricardo 7 ago 2025, 19:59

A taxação de 50% sobre a importação de produtos brasileiros nos Estados Unidos anunciada por Trump, uma ofensiva da extrema-direita internacional para tentar tirar Bolsonaro do caminho da cadeia, desmascarou diante de amplos setores da sociedade o falso patriotismo dos bolsonaristas. De fora do país, Eduardo Bolsonaro articula com o governo estadunidense um ataque que tem como objetivo declarado desestabilizar a economia brasileira e interferir no sistema judiciário do Brasil para salvar a pele de seu pai, custe o que custar.

Agora, Trump recua parcialmente no tarifaço, apesar de dar um passo adiante em sua ofensiva política ao centrar fogo numa ofensiva ainda mais aberta contra a soberania política do país, na figura do Ministro Alexandre de Moraes. A isenção de 700 produtos do rol da taxação só pode ser explicada por um conjunto de fatores, desde os impactos na própria economia americana, como o aumento dos preços de itens de consumo direto, além das consequências que teriam a indústria com as tarifas sobre derivados do petróleo e o minério, até a reação de setores da burguesia brasileira que seriam diretamente atingidos, abrindo um impasse entre a extrema-direita brasileira e parte essencial de sua base de sustentação.

A jogada do governo norte-americano reposicionou algumas peças no tabuleiro político do Brasil. O governo Lula, diante dos impasses impostos pela queda de aprovação e do aumento das tensões com o congresso nacional, onde tem se apoiado fundamentalmente a estratégia de coalizão do petismo, se viu obrigado a reagir e vinha modificando o tom discursivo, numa aposta ao redor de pautas importantes e de apelo popular, como a taxação dos super-ricos e o fim da escala 6×1. Somada à tentativa de dar uma demonstração de forças para parte da burguesia que sinalizava estar deixando o barco às vésperas das eleições de 2026, a resposta de Lula à ofensiva de Trump postulou o governo como defensor dos “interesses econômicos nacionais” e alargou as margens para recuperar e estreitar os laços com esse setor.

Estamos diante de mais um desdobramento da profunda crise que vive o capitalismo e, também aqui, do grande impasse histórico que vivemos: o programa neofacista da extrema-direita se fortalece enquanto aposta de setores importantes da burguesia internacional para aumentar a exploração do trabalho e da natureza e garantir suas taxas de lucro, e, por outro lado, a ausência de uma alternativa anticapitalista enraizada entre as massas trabalhadoras com capacidade de dirigir uma luta estratégica contra a barbárie capitalista. No Brasil e no mundo, os chamados governos progressistas e setores da esquerda tradicional têm apostado na repactuação com setores burgueses e rebaixado o horizonte estratégico ao redor do consenso neoliberal na economia em nome da estabilização do regime.

Mas, apesar das limitações da postura do governo brasileiro diante dos ataques de Trump, que, como assinalado, tem como fim estratégico se postular como defensor dos interesses de setores burgueses, a defesa da soberania nacional contra os ataques do imperialismo estadunidense pode cumprir um papel importante na medida em que tenha capacidade de mobilizar amplos setores contra os planos imediatos da extrema-direita, desmascarar seu falso patriotismo e colocar na defensiva o bolsonarismo.

Se, na concretude, o discurso nacionalista da extrema-direita cumpre a função de mascarar um programa político à serviço dos interesses do imperialismo, de submissão aos interesses do capital estrangeiro, de destruição dos direitos da classe trabalhadora e de ataque às liberdades democráticas para aprofundar a exploração capitalista, é preciso compreender qual papel cumpre concretamente no momento atual o nacionalismo que se opõe às investidas dos EUA, em defesa da soberania.

Para além de reconhecer as limitações estratégicas da defesa da “pátria” e da “nação”, compreender o papel progressivo que pode cumprir na atual conjuntura o sentimento nacionalista, ainda que ideologicamente atrasado em relação a uma consciência revolucionária, é o que nos permite atuar sobre a realidade a partir do nosso horizonte estratégico, sem nos isolar do movimento geral, mas incidindo sobre ele e apresentando palavras de ordem que deem conteúdo de classe e concretizem o que, para a juventude, os povos indígenas, a negritude, para as mulheres e o conjunto da classe trabalhadora do mundo todo pode significar, de fato, a palavra soberania.

Nahuel Moreno, ao discutir a relação dos revolucionários com o nacionalismo, dizia que as ideologias não estabelecem relações entre si como ideologias “em si”, mas segundo o papel que cumprem nas relações sociais objetivas, nos movimentos da luta de classes de que são reflexos. Daí, conclui que a tarefa dos socialistas é a construção da frente de ação com as forças nacionalistas que se enfrentam com o imperialismo, para golpear juntos, sem diluir, é claro, o programa. A derrota do imperialismo é a síntese dos interesses históricos da classe trabalhadora na etapa atual. É por isso que hoje, diante do genocídio patrocinado pelo imperialismo em Gaza, não vacilamos em hastear a bandeira palestina e defender o direito de seu povo ao seu Estado, assim como nos solidarizamos ao povo ucraniano que resiste contra a ofensiva russa que segue se arrastando.

É nesse mesmo sentido, portanto, que é fundamental ir além do que fazem setores da esquerda brasileira, que se limitam hoje à uma apropriação estética e abstrata do nacionalismo, recaindo mesmo em lugares perigosos. Lutar pela soberania nacional não é repetir slogans vazios ou vestir verde e amarelo como a extrema direita sequestrou para si. Muito menos ecoar e estampar em seus bonés “O Brasil é dos brasileiros”, que carrega um conteúdo xenófobo ao excluir milhões de migrantes e refugiados que aqui vivem, trabalham e constroem este país todos os dias. Nossa soberania não tem fronteiras de ódio: o Brasil é dos povos que aqui vivem, sem distinção.

A disputa por uma identidade nacional não é, por si só, um obstáculo, mas um terreno de disputa política e ideológica. Estamos na linha de frente da luta pela autodeterminação dos povos oprimidos, pois sabemos que o imperialismo segue saqueando nações inteiras, destruindo suas economias e mantendo milhões na miséria. Porém, afirmamos com a mesma firmeza: essa identidade não pode ser colocada a serviço de uma falsa soberania que, na prática, reforça a lógica de exploração capitalista e destruição ambiental.

A soberania que defendemos é internacionalista e ecossocialista. Não é a soberania das multinacionais, dos acionistas ou de governos que mantêm o país refém da exploração predatória de petróleo e de outros recursos naturais. Somos contra a exploração da natureza como base de uma suposta soberania que, na prática, destrói o meio ambiente, alimenta injustiças, abastece os tanques de guerra de israel e submete o país à lógica do extrativismo colonial.

Por isso dizemos com toda força: Fora Trump do Brasil! Fora israel da Palestina! A nossa luta é internacionalista porque não existe soberania verdadeira num país que devasta seu próprio território para alimentar a ganância global. Defender soberania de verdade é romper com o projeto extrativista, enfrentar o imperialismo onde ele estiver e construir uma aliança entre povos de todo o mundo.


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