A Lei do Estágio falhou: por que precisamos de uma nova regulamentação?
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A Lei do Estágio falhou: por que precisamos de uma nova regulamentação?

Vendida como a CLT dos estagiários, a Lei de 2008 tornou-se uma segurança jurídica para os patrões e não garantiu direitos básicos para os jovens trabalhadores

Bruna Bracher 5 set 2025, 18:11

A Lei do Estágio vigente foi sancionada em 2008, a partir da movimentação de agentes governamentais, lideranças das empresas que intermediam contratos de estágio (como o CIEE) e da UNE. Nesse sentido, foi estabelecida uma lei fadada ao fracasso e que, por sua construção conciliatória, deixou brechas que comprometem totalmente o suposto caráter formativo do estágio, transformando-o em um instrumento de formalização de vínculos exploratórios. Diante disso, é imperativo construirmos um debate acerca dessa lei que, apesar de ter sido um instrumento fundamental na caracterização do estágio, não supre as expectativas de regulamentação a fim de garantir a dignidade do jovem trabalhador.

Em primeiro aspecto, destaca-se a percepção dos diferentes atores que se movimentaram pela sanção da Lei — que se apresentou como solução inovadora para a problemática da falta de regularização dos estágios. Nesse ínterim, à época, aconteceram até mesmo disputas reivindicando a autoria dessa Lei que fora proposta pelo então Senador Osmar Dia, relatada pela então Deputada Federal, Manuela D’ávila, no Congresso Nacional, emendada no Senado e sancionada pelo Presidente Lula em seu 2º mandato.

Infelizmente, nenhuma das mãos que tocou o projeto pôde vencer o caráter conciliatório da proposta. O texto que se propôs a regulamentar o estágio é curto e apesar de à ocasião, ter sido vendido como a CLT do estagiário não garantiu bolsa-mínima, décimo-terceiro ou mesmo, atestado médico remunerado. Do outro lado, o Termo de Compromisso de Estágio (TCE) foi aclamado pelos empresários como uma segurança jurídica que os afastaria das responsabilidades do vínculo empregatício. Desse modo, o resultado da equação foi a formalização de um modelo de trabalho que colocou jovens trabalhadores em situação de fragilidade frente ao mercado de trabalho, mão de obra qualificada sem qualquer tipo de base para remuneração e sem possibilidade de representação sindical (à medida que a lei, ao descaracterizar a posição do estagiário enquanto empregado, não dá condições legais para o estabelecimento de organização sindical).

Sob esse viés, existem múltiplas opiniões acerca da caracterização do estágio enquanto “ato educativo escolar supervisionado”, mas a perspectiva factual aponta para uma conclusão óbvia: os estagiários exercem atividades profissionais. Nesse âmbito, ainda que o estagiário esteja na condição de “preparação para o trabalho produtivo de educandos” não há justificativa lógica para que não tenha direitos compatíveis com os assegurados pela Consolidação das Leis Trabalhistas, ou mesmo pela Lei de Aprendizagem que garante ao jovem aprendiz, por exemplo, o salário mínimo hora.

Outra dimensão essencial, negligenciada pela legislação, é o impacto direto do estágio na política de permanência e combate à evasão no ensino superior. Para um número crescente de universitários, a bolsa transcendeu seu caráter de “auxílio” para se tornar um pilar de subsistência, funcionando, na prática, como a principal política de assistência estudantil para quem não teria como arcar com os custos de sua formação. Nesse contexto, a ausência de uma bolsa-mínima na lei representa uma falha grave não apenas como norma trabalhista, mas como política educacional. Isso cria um paradoxo cruel: o instrumento que deveria complementar a jornada acadêmica pode se tornar um catalisador para o abandono do curso, ao submeter o estudante a uma condição de exploração que torna insustentável conciliar trabalho, estudo e sobrevivência.

A partir de uma série de relatos coletados de estudantes estagiários, é possível verificar as afirmações sobrescritas, como o relato da graduanda em Gestão de Políticas Públicas, Gabriela:

“Realizo o mesmo trabalho que de quem trabalha em tempo integral, sou cobrada como se fosse fichada. Porém não recebo remuneração para realizar e ser cobrada como tenho sido. Além de algumas humilhações que sofri.”

Outro relato que comprova os males da atual legislação é este, de um graduando em Tecnologia da Informação que solicitou anonimato:

“Os estagiários se uniram em um setor para criar um projeto de site inovador, com a promessa de gratificação ou contratação efetiva. Chegou a época de renovar o contrato, desistiram da contratação e não renovaram o contrato, desligando o estagiário responsável pelo projeto. Deu menos de duas semanas e um chefe de setor repassou a ideia como dele, ela foi implementada, ele recebeu bonificação por isso, mesmo com os estagiários já tendo publicado o projeto no GitHub com licenças autorais. Qualquer um que reclamava ou apontava era desligado.”

Diante desses relatos, comprova-se também outro ponto central da discussão: a mão de obra dos estagiários é necessária. Nessa ótica, em 2008, tendo sido sancionada a lei o então Presidente da Associação Brasileira de Estágios, Seme Arone Júnior, levantou que diante dela “Os programas de estágio serão onerados e isso desistimulará os empresários” e em entrevista concedida à Carta Capital pela então Presidenta da UNE, Lúcia Stumpf, os entrevistadores traziam questões como “Só que os dados do Ciee apontam para uma queda na oferta de estágios desde a promulgação da lei. Como você vê isso?”, mas os números da atualidade contradizem esses apontamentos, com um crescimento de 37% no número de vagas de estágio entre 2023 e 2024 segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), um salto de 642 mil para 877 mil estagiários nesse período. Esses jovens profissionais representam uma força de trabalho ativa que movimenta as empresas com novas perspectivas de mercado, atualização teórica e inovação, com um olhar diferenciado diante dos anseios de sua geração.

Porquanto, considera-se a legislação atual insufiente para a garantia dos direitos dos estagiários, desde seu introito, em que utiliza de terminologia rasa e imprecisa na caracterização deste modelo de trabalho até os seus artigos que não abarcam direitos primordiais como o atestado médico remunerado. Assim sendo, a construção de debates e de lutas acerca dessa pauta é uma das causas primárias pela qual o Movimento Estudantil deve se mobilizar de forma organizada, reivindicando a dignidade do estudante trabalhador. Concomitantemente, a proposição da minha ideia Legislativa no Senado busca chamar atenção, ainda que pelo meio burocrático, para pleitear uma ação efetiva por parte dos Poderes que constituem o Estado e devem ter como princípio assegurar os direitos de todos aqueles que se colocam sob sua ordem. Convido a todos os estudantes, trabalhadores e aliados que apoiem a minha ideia legislativa e se somem a mim no debate para a alteração dessa lei e para ocupar a rua, a câmara e quaisquer espaços necessários para garantir que nossa voz seja ouvida.

Link da ideia legislativa: Ideia Legislativa – Altera a Lei do Estágio para garantir: bolsa mínima, 13º e direito de negociação :: Portal e-Cidadania – Senado Federal

Referências:

ABRES. A polêmica nova lei de estágio. Associação Brasileira de Estágios, 2008. Disponível em: http://abres.org.br/a-polemica-nova-lei-de-estagio/. Acesso em: 2 set. 2025.

BLOG TERROR DO NORDESTE. UNE e a lei do estágio. 12 maio 2009. Disponível em: https://wwwterrordonordeste.blogspot.com/2009/05/une-e-lei-do-estagio.html. Acesso em: 2 set. 2025.

BRASIL. Lei nº 10.097, de 19 de dezembro de 2000. Altera dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), relativos a contrato de aprendizagem. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 2000. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L10097.htm. Acesso em: 2 set. 2025.

BRASIL. Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 set. 2008. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11788.htm. Acesso em: 2 set. 2025.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Lei poderá ampliar vagas de estágio, diz relator. Notícias Câmara, 2008. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/122424-lei-podera-ampliar-vagas-de-estagio-diz-relator/. Acesso em: 2 set. 2025.

CONSELHO NACIONAL DOS CONTABILISTAS. Lula sanciona nova lei para estágio de estudantes. Contadores, 26 set. 2008. Disponível em: https://www.contadores.cnt.br/noticias/tecnicas/2008/09/26/lula-sanciona-nova-lei-para-estagio-de-estudantes.html. Acesso em: 2 set. 2025.

IHU UNISINOS. A prática do estágio no Brasil: entrevista especial com Manuela D´Ávila. Instituto Humanitas Unisinos, 2008. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/8948-a-pratica-do-estagio-no-brasil-entrevista-especial-com-manuela-d%60avila. Acesso em: 2 set. 2025.

PORTAL VERMELHO. UNE comemora nova lei de estágio sancionada por Lula. Vermelho, 28 set. 2008. Disponível em: https://vermelho.org.br/2008/09/28/une-comemora-nova-lei-de-estagio-sancionada-por-lula/. Acesso em: 2 set. 2025.


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