SOBRE BOULOS E AS MUDANÇAS NO GOVERNO LULA
Ser parte do regime político que alimenta a crise, é assumir a certidão de que não se pretende atingir os problemas pela raiz
Nas últimas semanas, Lula conseguiu recuperar o apoio que havia começado a perder durante a “crise do PIX”, que muitos apontaram como um problema de comunicação. Como Giovanny Ferreira e Letícia Chagas colocaram em um artigo, “as dificuldades do governo em explicar essa mudança não se dão apenas por uma suposta inabilidade com as redes sociais. Demonstra, isso sim, que há neste governo não apenas uma falta de comunicação, mas sobretudo a falta de uma política capaz de combater a extrema direita brasileira e concretizar medidas que respondam aos anseios mais básicos da população”. Com os ataques de Trump com a taxação, a necessidade de atualizar a política encontrou uma oportunidade de criar uma (correta) unidade interna contra os ataques imperialistas do inimigo externo.
Lula avançou em sua promessa de isenção do imposto de renda para quem ganha até 5 mil reais e mantém uma dinâmica de dialogar com demandas populares, como no caso da luta pelo fim da escala 6×1, onde pode haver uma vitória, mas parcializada, como em uma escala 5×2. Ao mesmo tempo, Bolsonaro foi condenado, está em prisão domiciliar e há um “bolsonarismo sem cabeça”, sem um nome definido para enfrentar Lula em 2026. Um cenário favorável, ainda que instável, vem se conformando para o governo.
Agora, chega a confirmação pelas redes sociais de Lula que Boulos assumirá a Secretaria-Geral da Presidência. A nomeação já vinha se desenrolando há meses, envolvendo o compromisso de Boulos em apoiar o PT nas eleições ao governo em 2026 em São Paulo. Alguns poderiam dizer (e imagino que já devam estar dizendo) que isso é mais uma demonstração da guinada à esquerda do governo. De fato, Boulos é um nome à esquerda de Márcio Macedo. Mas ele não entra no governo e nem poderia entrar com uma outra política que não fosse a ditada por Lula. Tanto é que sua entrada também está condicionada a não disputar as eleições de 2026 e ficar até o final do governo.
Desde 2022, vem sendo feita pelo MES, corrente interna do PSOL construída pelos militantes do Juntos!, uma disputa pela independência política do partido. Apoiamos o governo em suas medidas progressivas e atuamos com independência para defender o programa do PSOL e fazer a crítica ao governo quando necessário. Como é o caso de ontem, quando avança o projeto de exploração de petróleo na Foz do Amazonas, não só colocando em risco a biodiversidade existente no local, mas o próprio planeta com o aprofundamento da exploração de combustíveis fósseis, em vez de se fazer uma transição energética para conter o aquecimento global. E que também caminha para realizar mais um leilão de exploração do petróleo brasileiro para empresas estrangeiras nesta quarta. Isso tudo, às vésperas da COP.
A entrada de Boulos no governo não muda qualitativamente a política de Lula. O que muda é o próprio Boulos, avançando na sua política de diluir o PSOL no PT, sob uma suposta unidade à esquerda. O PT tanto ganha no governo com a entrada de um nome que auxiliará Lula em sua reeleição, sem poder disputar as eleições, como pode tentar aproveitar o espaço de um milhão de votos deixado por Boulos.
Fazer essas críticas não significa de maneira alguma ignorar os desafios que temos no enfrentamento à extrema-direita, que mesmo sem uma liderança clara segue com peso social relevante. Lula será peça central nesse processo em 2026, mas não será uma peça na construção de uma alternativa à crise, enquanto quem organiza o regime político brasileiro.
O projeto de Boulos é tentar se cacifar para ser um possível substituto de Lula, cujo ciclo se encerrá num futuro próximo. E é verdade que no momento não há uma saída à esquerda por fora de Lula, visto que o próprio PSOL está limitado por sua direção majoritária, como também não tem forças para sê-lo, nem há um processo de mobilizações de massas que possibilitaria fortalecê-lo. Ao menos até então.
No mundo, mobilizações tem se espalhado, muitas carregando bandeiras do One Piece simbolizando a juventude em luta por um outro futuro. Isso não significa que esse processo mecanicamente ocorrerá no Brasil. Mas no cenário de crise, a melhor aposta para quem quer construir uma alternativa ao capitalismo, o ecossocialismo no nosso caso, é seguir acumulando forças, disputando trincheiras na base a partir de um projeto independente e que não tenha medo de dizer o seu nome e seu programa para enfrentar a barbárie. Ser parte do regime político que alimenta a crise, é assumir a certidão de que não se pretende atingir os problemas pela raiz. Mas para quem rejeita o marxismo e pretende fazer uma “Revolução Solidária”, como é o nome de sua corrente no PSOL, isso não é um grande problema.