PUXAR O FREIO DE EMERGÊNCIA: AGROECOLOGIA E DESMILITARIZAÇÃO COMO UM PROJETO ECOSSOCIALISTA PARA A SEGURANÇA PÚBLICA
Reprodução: MST

PUXAR O FREIO DE EMERGÊNCIA: AGROECOLOGIA E DESMILITARIZAÇÃO COMO UM PROJETO ECOSSOCIALISTA PARA A SEGURANÇA PÚBLICA

A segurança pública que serve ao povo não virá do cano de uma arma, mas brotará da terra. Agroecologia e desmilitarização são o freio de emergência contra o trem suicida do capitalismo

Ernandes Roys 20 dez 2025, 15:46

O debate sobre segurança pública foi sequestrado. De um lado, a extrema-direita brande o fantasma do “narcoterrorismo” para aprofundar o genocídio da juventude negra e militarizar a vida. Do outro, uma esquerda bem-intencionada, mas muitas vezes tímida, propõe soluções que não ousam tocar na raiz do problema. É hora de dizer o óbvio: a violência que devasta nossos territórios, seja a do fuzil do traficante ou a do trator do agronegócio, tem a mesma origem: o metabolismo destrutivo do capital. Como nos alerta o filósofo Michael Löwy, estamos todos a bordo de um “trem suicida, que se chama civilização capitalista industrial moderna”. Nesse cenário, a Agroecologia e a desmilitarização da polícia não podem ser vistas como pautas setoriais ou reformas parciais. Elas são, ou deveriam ser, componentes inseparáveis de um mesmo projeto revolucionário para puxar o freio de emergência: o Ecossocialismo.

A Aliança Sombria: A Engrenagem do Narcocapitalismo

Para entender a solução, precisamos primeiro dimensionar o problema. O crime organizado no Brasil sofreu uma metamorfose. Deixou de ser uma rede fragmentada de venda de drogas para se consolidar como um complexo empresarial monopolista e financeirizado, hoje indissociável da economia capitalista. Como aponta o texto da Revista movimento, “Narcoterrorismo, genocídio e o papel da esquerda no debate de segurança pública”, estamos diante de uma “narcoburguesia” bilionária. Esta elite criminosa, cujos nomes não estampam os jornais, opera através de fintechs, como a 4TBank, e movimenta cifras astronômicas,a Operação Carbono Oculto especula que o PCC tenha movimentado 50 bilhões de reais. No outro extremo, na ponta da lança, uma massa de “soldados”, majoritariamente jovens e negros, arrisca a vida por um salário que mal chega a 400 reais por semana.

É nesta engrenagem que a conexão com o agronegócio se torna explícita e mortal. O latifúndio não é apenas um resquício do passado colonial, é uma peça-chave no crime moderno. O agronegócio funciona como uma gigantesca lavanderia de dinheiro sujo. Esquemas de “vaca de papel” e “soja de papel” não apenas “limpam” o dinheiro do tráfico, mas o integram à economia formal, gerando lucros legais e, crucialmente, poder político. A Operação Flak, que ligou um narcotraficante a gigantes do setor de carnes, é um vislumbre de uma prática sistêmica.

A relação, no entanto, é ainda mais profunda. A expansão do crime para novos e lucrativos ramos, como a extração ilegal de madeira e o garimpo na Amazônia, encontra no avanço da fronteira agrícola o terreno perfeito. A violência no campo, que bate recordes ano após ano foram 2.203 conflitos em 2023, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT) , não é um efeito colateral, mas uma condição necessária para este modelo. A expulsão de pequenos agricultores, povos indígenas e comunidades tradicionais de suas terras, muitas vezes por milícias privadas a serviço do agronegócio, não apenas “libera” o território para a monocultura e a mineração ilegal, mas também cria um “exército de despossuídos”. Essa massa de mão de obra barata e desesperada se torna a base de recrutamento para as facções, num ciclo perverso onde as vítimas da violência do capital no campo se tornam a infantaria da violência do capital na cidade.

Limites da Agroecologia no Capitalismo e a Necessidade da Ruptura

Neste contexto, a Agroecologia surge como uma alternativa poderosa. A produção de alimentos saudáveis, a autonomia camponesa, a criação de circuitos curtos de comercialização e as políticas de agricultura urbana, como as mapeadas pelo Instituto Escolhas, são experiências concretas que apontam para uma nova forma de organizar a vida. Elas atacam a vulnerabilidade social que serve de base de recrutamento para o crime e enfraquecem a lógica centralizada do capital.

Contudo, é preciso ter a coragem de admitir seus limites dentro do sistema atual. Como afirma o educador Henrique Tahan Novaes em sua obra “A educação ambiental anticapitalista”, referenciando o MST, “dentro dos marcos do capitalismo, a agroecologia alcançou seu limite e isso nos indica que, sem uma reforma agrária popular, não haverá transição agroecológica”. Isolada, a Agroecologia corre o risco de ser cooptada pelo “capitalismo verde” que Löwy define como um “crocodilo vegetariano”, uma mistificação ou simplesmente esmagada pela violência do agronegócio e do Estado.

A Agroecologia só pode florescer plenamente como parte de um projeto anticapitalista. Ela não é apenas uma técnica de produção, mas a construção de um novo metabolismo social, uma nova relação entre a sociedade e a natureza, baseada na cooperação e na autogestão, e não na exploração e no lucro. Como resume Löwy, “um socialismo que não é ecológico não serve para nada, e uma ecologia que não é socialista, tampouco”.

Desmilitarizar para Semear: Por uma Segurança a Serviço da Vida

Se a Agroecologia é a semente de uma nova sociedade, ela precisa de um solo seguro para crescer. E esse solo é incompatível com a existência da Polícia Militar. Não se trata de “reformar” ou “humanizar” a PM. Trata-se de abolir uma estrutura de guerra e construir algo novo em seu lugar. A proposta de desmilitarização, defendida por movimentos sociais e partidos como o PSOL, é um passo fundamental. Ela implica, como diz a resolução do partido, na “desvinculação constitucional das polícias como instituições auxiliares das forças armadas, no fim das polícias militares e dos estatutos militares que organizam as polícias de forma extremamente hierárquica e autoritária”.

Uma nova força de segurança, de caráter civil, democrático e sob forte controle popular, teria uma função radicalmente diferente: em vez de proteger a propriedade privada dos ricos, sua tarefa seria proteger os bens comuns, os territórios recuperados pela reforma agrária, as hortas urbanas, as comunidades e a vida. Seria uma polícia que combate a violência do capital, em vez de exercê-la a seu serviço. Isso passa, necessariamente, pelo fim da farsesca “guerra às drogas”, que, na prática, é uma guerra aos pobres, e pela legalização e regulamentação de todas as drogas, quebrando a espinha dorsal financeira do crime organizado.

A Revolução Ecossocialista é a Única Saída Realista

Propor a Agroecologia sem lutar pelo fim da PM é como plantar uma flor no meio de um campo minado. Propor o fim da PM sem construir uma alternativa econômica e social ao capitalismo é deixar um vácuo que o próprio capital, em sua forma mais brutal, irá preencher. A única saída verdadeiramente realista é unir essas duas lutas em um único projeto de transformação revolucionária.

Isso significa lutar por um programa ecossocialista que combine a propriedade coletiva dos meios de produção com a planificação democrática da economia, onde a própria população decida o que e como produzir, respeitando os limites do planeta. Significa, como propõe Löwy, parar o trem suicida do capitalismo. A revolução ecossocialista não é uma utopia distante; ela está sendo semeada nas ocupações do MST, nas hortas comunitárias das periferias, nas greves dos trabalhadores e nos levantes contra a violência policial. Nosso papel é conectar esses pontos, transformando a resistência fragmentada em uma força política capaz de romper com a barbárie e construir uma civilização onde a vida, e não o lucro, esteja no centro de tudo.


Imagem O Futuro se Conquista

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