O movimento estudantil precisa de uma nova direção: derrotar os cortes e Bolsonaro
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O movimento estudantil precisa de uma nova direção: derrotar os cortes e Bolsonaro

Com a votação do novo orçamento anual e os cortes previstos para educação, o movimento estudantil precisa se reinventar e não repetir as vacilações da UNE e da sua direção

Bruno Mahiques e Theo Louzada Lobato 17 fev 2021, 16:54

O último ano foi, muito provavelmente, o mais difícil para a nossa geração. O Governo Bolsonaro permitiu que a pandemia chegasse a mais de 200 mil mortos com sua política negacionista e aprofundou a enorme crise econômica e social que levou a um desemprego em massa. De acordo com os dados da PNAD, o desemprego entre os jovens brasileiros (de 18 a 24 anos) em 2020 foi mais que o dobro do desemprego entre a população em geral, chegando a quase 30%; entre os empregados, são cada vez mais precárias as condições de trabalho. Somado a isso, após o fim do auxílio emergencial, milhões de brasileiros têm de se virar para conseguir o mínimo para se sustentar.

A situação dos estudantes também é particularmente grave. Muitos foram os primeiros das suas famílias a entrar em uma universidade graças à (ainda insuficiente mas importante) expansão e popularização do ensino superior na última década, e se veem afetados diretamente pela crise, tendo cada vez mais que paralisar seus estudos para trabalhar em função do empobrecimento das famílias, da precarização do trabalho e dos preços exorbitantes das mensalidades no ensino privado. Nas escolas, a evasão tem sido gigantesca, com milhares de jovens que não irão terminar o Ensino Médio. Além disso, o isolamento social e as aulas online levaram a um maior sentimento de desagregação entre os estudantes e a um aumento dos problemas de saúde mental. 

Nesse cenário, o Governo planeja aproveitar as dificuldades que os estudantes e o conjunto dos trabalhadores da educação têm tudo por conta da pandemia para destinar grandes cortes orçamentários através da proposta de Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021. Caso aprovada, o impacto um corte nas universidades e na pesquisa levaria à menor verba destinada ao setor desde 2007. Dada a expansão que o ensino universitário passou desde aquela lá, isso significaria um colapso das instituições federais de ensino.

Mas os ataques colocados à educação não são pontuais: desde que foi eleito, Bolsonaro tenta implementar um projeto negacionista e autoritário de cerceamento da liberdade de pensamento e produção científica combinado ao programa neoliberal de sub-financiamento e privatização do ensino público. Também o faz para tentar debilitar estruturalmente os estudantes, um dos setores sociais no qual suas ideias enfrentam maior resistência; não à toa, foram os estudantes quem protagonizaram a maior mobilização de massas desde o início do Governo, o Tsunami da Educação.

Diante deste cenário, é importante discutir qual tem sido e qual pode ser o papel do movimento estudantil brasileiro. Um ataque dessa magnitude exige do movimento estudantil uma direção política ativa, que possa aproveitar toda e qualquer brecha para abrir um enfrentamento ao Governo, recolocando o movimento estudantil como um dos principais atores na luta contra Bolsonaro e pelo Impeachment, em defesa da educação, e contra o negacionismo.  Infelizmente, não é essa orientação que tem tomado a direção majoritária da União Nacional dos Estudantes.

O ano de 2020 foi marcado no movimento estudantil por uma paralisia na sua direção. Depois das enormes mobilizações de rua em 2019, a aposta da UNE foi em priorizar movimentações de cúpula, especialmente tendo Brasília como foco central, como forma de fazer uma pressão “por cima” no Congresso para evitar maiores ataques à educação. Nas universidades, a aposta é em construir uma unidade prioritária com a reitoria em detrimento do fortalecimento do próprio movimento estudantil. Fruto disso, construíram somente um espaço geral de entidades gerais no ano, e não apostaram em mobilizações reais de rua que pudessem recolocar o movimento estudantil.

Em 2021 não tem sido diferente: a UNE já começou o ano perdendo uma oportunidade de apresentar uma política de boicote ao ENEM (que por si só já teve mais de 50% de abstenção) e vacila no tema da volta às aulas, se colocando favorável ao retorno mediante o cumprimento de condições sanitária (ignorando a enorme alta dos casos em todo o Brasil e as limitações estruturais que possuem as escolas no Brasil), além de não colocar todos seus esforços em uma resistência ampla, envolvendo os DCEs, Centros Acadêmicos e estudantes de todo Brasil em uma luta contínua contra os cortes.

Estes erros possuem, de fundo, algumas caracterizações equivocadas sobre qual o papel dos estudantes na luta contra Bolsonaro e em defesa de uma educação pública, livre e emancipadora. Em primeiro lugar, partem de uma concepção de que as eleições de 2022 representam um caminho mais seguro para derrotar Bolsonaro, e que as lutas deste período devem ter como finalidade desgastar a imagem do governo, sem ir até as últimas consequências para derrubá-lo. Entretanto, apesar do relativo fortalecimento do Governo com as eleições de seus aliados nas casas legislativas, segue existindo uma ampla indignação social contra Bolsonaro que ainda encontra poucos canais para se expressar. Além disso, o presidente atua inclusive para colocar em questão o próprio processo eleitoral, e esperar até ele pode dar fôlego para que a extrema-direita se organize e fortaleça no país.

Em segundo lugar, confiam às reitorias, que se posicionam de forma independente do governo, um papel de direção do movimento da educação em meio à tarefa de derrotar o Bolsonaro. Neste caso, muitas vezes o Movimento Estudantil acaba ficando “a reboque” do calendário das reitorias, dando o aval a medidas que inclusive podem piorar a vida dos próprios estudantes. A relação entre o movimento estudantil e as reitorias que não compactuam com a agenda negacionista do Bolsonaro deve ser uma relação que priorize, sempre que possível, unidades em torno de temas comuns (defesa da ciência, da pesquisa, da autonomia do pensamento etc.), como forma de nos fortalecermos diante dos ataques do governo. Mas não pode significar adesão do movimento aos programas das reitorias, muito menos a submissão do movimento estudantil aos calendários e métodos das reitorias; pelo contrário, deve priorizar a auto organização e a mobilização dos estudantes.

Em terceiro lugar, partem da ideia de que os estudantes necessariamente estão e estarão paralisados durante a pandemia, e por isso a única possibilidade de uma situação menos “bárbara” seria através da busca por compromissos com aqueles que em nada vão se comprometer conosco. Sabemos das grandes limitações que o movimento estudantil tem enfrentado para se estruturar neste momento de ausência das atividades presenciais, mas mesmo neste cenário acompanhamos exemplos importantes de luta, como os estudantes do IFRN que derrotaram a intervenção na escolha da reitoria, ou os estudantes de diversas universas universidades que têm construído amplas campanhas de solidariedade aos colegas mais afetados com a crise econômica. Temos que colocar nosso esforço em reanimar o movimento estudantil, disputando que os problemas dos estudantes são coletivos e tem resposta que passa diretamente pela nossa mobilização.

Com o LOA atual a vida dos estudantes vai piorar consideravelmente se não for organizada uma ampla resistência. Serão bolsas cortadas, políticas de permanência encerradas, pesquisas fechadas; será uma tentativa não só de sucatear a universidade, mas especialmente de excluir os estudantes que mais dependem da assistência estudantil para estudar – estudantes cotistas, bolsistas, especialmente os estudantes negros dentro da universidade. Mas os entregadores mostraram ano passado que nos momentos mais difíceis podem surgir os maiores enfretamentos, por isso precisamos nos preparar. Neste sentido diversos DCEs vêm se organizando, desde 2020, mesmo sem nenhum peso jogado pela UNE, em importantes encontros nacionais e dias de luta

Com a iminência dos cortes temos que ampliar nossa luta a partir dos estudantes mais afetados pelos impactos da crise, e nos organizar pelo direito de sobrevivência na universidade: são as mulheres, a negritude e a população LGBT quem tem protagonizado os principais enfrentamentos à agenda autoritária e neoliberal dentro e fora da universidade. O movimento estudantil já foi vanguarda em momentos dificílimos no nosso e mostrou que Bolsonaro não era invencível ao derrotar os contingenciamentos em 2019.

Por isso precisamos de uma nova perspectiva no movimento estudantil que busque ampliar o contato entre os estudantes, criando espaços amplos de formulação entre os CAs e DCEs, e mobilizações que coloquem os cortes como sua principal pauta e possam ser amplamente convocadas. O dia 25 de fevereiro, encampado também pela UNE como dia de mobilização pelo Fora Bolsonaro e pela Vacina, não pode significar a repetição do modelo de movimentações só por cima, mas precisa ser convocado e construído amplamente, hierarquizando a luta contra os cortes (pode, inclusive, ser um primeiro passo pra atos mais amplos no próximo mês). É necessário construir um estado permanente de mobilização do conjunto dos estudantes, e que possa ganhar a maioria da sociedade para importância da educação pública e da pesquisa, especialmente no contexto da pandemia.

É neste contexto que se insere nosso Seminário Nacional Estudantil, um momento para discutir e formular coletivamente os desafios educação brasileira e as tarefas do movimento estudantil. Está certo que precisamos de um novo caminho, e é apostando na defesa do ensino público, da permanência estudantil, na importância da pesquisa e da ciência, e no protagonismo de quem mais se movimenta contra as injustiças do capitalismo em crise que construiremos esse novo. Para isso, acreditar nas nossas forças será fundamental.


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