Guia militante: Trabalho de base e organização política
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Guia militante: Trabalho de base e organização política

Como podemos avançar em nosso trabalho para expandirmos nossa organização e ideias para a juventude brasileira?

Theo Louzada Lobato 25 jan 2023, 11:47

Bolsonaro foi derrotado eleitoralmente, mas seu projeto, como se viu na invasão do Congresso no começo do ano, ainda segue organizando pessoas em todo país. A crise econômica, social e política na América Latina (como demonstra o Peru) e no próprio Brasil também estão longe de seu fim e afetam em especial a juventude. As bandeiras do anticapitalismo e antifascismo seguem sendo essenciais para a disputa política brasileira e a juventude ainda pode ser parte fundamental na luta por outra sociedade. Isso significa que o Juntos, nos próximos anos, tem um papel grande a cumprir.

Nossas reivindicações imediatas – pela derrota e prisão de Bolsonaro, maiores investimentos na educação, trabalho digno – e nossa luta geral por outra sociedade por fora do sistema capitalista, porém, precisam alcançar cada vez mais pessoas que possam ver no Juntos um espaço para se encontrar e se organizar. É preciso reforçarmos o trabalho de base, para que possamos cada vez mais refletir e ser refletidos pelas ruas.

Por isso, esse pequeno guia foi criado com o objetivo exatamente de reforçar essa tarefa. Como podemos, portanto, avançar em nosso trabalho para expandirmos nossa organização e ideias para a juventude brasileira?

1. Para que serve uma organização?

Lenin e a Revolução Russa trouxeram uma colaboração fundamental para os socialistas de todo mundo: as revoluções só podem realmente mudar nosso sistema quando existe um partido (uma organização) revolucionário. Sem ele, é impossível que as lutas sociais, que pelas contradições do capitalismo naturalmente surgem, possam ir de encontro com mudanças estruturais que dêem um fim no sistema capitalista. Sem um partido, os setores em luta acabam sendo rendidos de alguma forma. Foi só com o partido Bolchevique que em 1917 a luta por Paz, Pão e Terra pôde criar uma nova sociedade na Rússia e, até hoje, nenhuma revolução socialista foi feita sem uma organização revolucionária à sua frente.

Esse partido, nas palavras do dirigente trotskista argentino Nahuel Moreno, tem duas estratégias (ou objetivos) principais: ampliar as mobilizações populares e se fortalecer. As lutas sociais são naturais no capitalismo e de uma sociedade dividida em classes e surgem muitas vezes por fora das organizações. Mas seu rumo depende de como essas organizações políticas atuam – quanto mais forte é uma classe em movimento e mais ampla e madura sua direção, mais chance tem de conseguir sucesso em seus objetivos. Isso nos leva a uma conclusão: é fundamental para qualquer revolucionário construir uma organização política capaz de ter real peso na sociedade e capacidade de diálogo com os setores explorados da sociedade.

Isso se dá em escala micro e macro. Falamos da Revolução Russa, mas mesmo em lutas menores e menos estruturais, uma organização política segue sendo fundamental. A própria existência do Juntos comprova isso: a partir de nosso acúmulo, em trabalho com outras forças, diversas lutas puderam ser travadas, se ampliar e não foram desperdiçadas – desde lutas nacionais como Tsunami da Educação até mobilizações mais localizadas. Ou seja, precisamos, para fortalecer nossa luta, também fortalecer o Juntos. Mas como?

2. O que é a captação e como fazê-la?

A captação é o ato de convencer alguma pessoa de fora do nosso movimento a entrar nele. É o ato mais básico e fundamental para conseguirmos construir uma organização que possa se expandir e ter peso real na sociedade. É uma tarefa essencial que permite que a organização siga viva e atuante nas lutas políticas: não existe partido ou movimento sem que haja captação.

Podemos encontrar a pessoa em uma luta política, por meio da internet ou em uma escola que estamos passando chamando para uma atividade. Vai depender da nossa política e objetivo das nossas lutas no momento. O fundamental é que, para que essa pessoa siga ativa e torne-se um militante nosso, precisamos iniciar um processo de captação.

Sendo assim, é fundamental nunca esconder nossos objetivos. Somos uma organização que quer se ampliar e chegar a mais pessoas e que busca que aqueles que estão se movimentando encontrem em nós um projeto de sociedade que os representem e que os mantenha organizados sobre nosso programa. E para isso, temos que ser bastante honestos com quem queremos ganhar: somos o Juntos e queremos que você venha militar conosco.

Muitas vezes somos vítimas de um medo ou vergonha de nos apresentar. Isso não pode ser assim. É verdade que nem toda pessoa vai querer se organizar conosco – algo que é natural e temos que também saber respeitar – mas nunca vamos conseguir convencer as pessoas se não somos transparentes com elas. Nossas convocações para os atos, calouradas, atividades de panfletagem – ou seja, qualquer atividade onde envolvemos mais pessoas que nós – também precisam vir acompanhadas com um convite aberto a conhecer e ser do Juntos para aqueles que estamos dialogando.

Nisso é importante saber onde começar. A pessoa que está em processo de captação não precisa ter, desde o começo, todas as ideias em comum conosco – precisamos começar de onde a pessoa está. Se a pessoa se interessa pelo tema ambiental, temos que apresentar nossa frente ecossocialista e daí ir avançando: como impedir o desmatamento? Qual a relação dele com o agronegócio? Porque o governo Lula segue aliança com esses setores? Que caminhos podemos traçar com o movimento estudantil e trabalhadores para tentar construir um projeto diferente desses? E por aí trazê-la para nossa organização.

Ter uma abordagem pedagógica, como ensina Paulo Freire, é fundamental, sem perder nosso objetivo central: fazer com que essa pessoa interessada possa se tornar um militante. Isso depende de nossa iniciativa.

Isso vale tanto individualmente quanto coletivamente. Instrumentos como nosso jornal, site e redes são fundamentais, especialmente quando se trata de uma captação individual. Mas temos que saber também utilizar esses instrumentos e esse espírito em situações coletivas: se estamos organizando um grupo de pessoas em torno de determinada luta/greve, ou mesmo conseguimos trazer um CA ou Grêmio para uma atividade. Se nos apresentarmos veremos que a disposição de nos conhecerem pode ser maior do que esperávamos.

Nisso não temos como ganhar sem perder: as captações coletivas dificilmente são de todo grupo que estava em nosso entorno, por isso não podemos ser idealistas, mas precisamos ver quando é o momento onde a nossa apresentação para esse grupo possa trazer o máximo de pessoas possíveis.

Ou seja, a captação é uma das atividades mais fundamentais de qualquer pessoa organizada politicamente. E só é possível trazer pessoas para nossa organização se apresentando abertamente, não escondendo nosso programa mas sabendo dialogar com os temas de maior interesse dos ativistas que dialogamos e tendo a política de captação casada com nossas lutas e atividades amplas.

Trazer pessoas para a organização, porém, não é suficiente: é preciso que não as percamos. Para isso precisamos organizá-las e nucleá-las.

3. O que é um núcleo e porque ele importa?

O núcleo é o espaço mais básico de reunião da nossa militância. É onde os nossos se encontram, debatem política e encaminham tarefas. Sem ele não é possível ter uma organização consolidada. Uma direção, para existir efetivamente, precisa estar dirigente de núcleos de base onde a militância política se reúna.

Eles podem se encontrar tanto a partir das estruturas que atuam (secundaristas, universidade x, curso z, bairro y, cidade w), quanto a partir de determinadas pautas (ecossocialista, negros e negras, jurídico, etc). Ou seja, são um espaço de atuação em comum que também funcionam como um espaço de encontro e reconhecimento para nossa própria militância.

Para conseguir organizar e manter aquelas pessoas que captamos precisamos buscar entender em que núcleo a pessoa deve atuar – um militante que não tenha localização dificilmente vai permanecer em nossa organização por muito tempo, mesmo que possa reivindicar nossa política.

Nisso precisamos ser bastante compreensivos e transigentes. Nuclear uma pessoa não pode ser um processo burocrático, imposto por cima e sem diálogo. Precisa ser um encontro das nossas necessidades como organização com os interesses da pessoa. É preciso entender e compreender de onde parte o novo militante e colocar em um lugar que possa desenvolver seu potencial.

As pessoas não seguem um padrão e, por isso, nem nossa militância deve seguir. Cada pessoa tem uma potencialidade e interesse em espaços e áreas diferentes, é importante que sua localização se combine com isso: fazer com que suas tarefas nos permitam crescer e a permitam crescer conosco.

Nosso desafio precisa, portanto, ser duplo: construir núcleos que abarquem nossa militância e que consigam fazer com que ela se movimente e nos fortaleça enquanto organização, mas também que se conectem com as lutas reais que existem no país. Assim como não é possível por muito tempo manter uma nucleação de uma pessoa de forma forçada, não é possível fazer um núcleo só com uma pessoa e não existe núcleo sem direção.

Além disso, é sempre importante compreender como os núcleos se refletem na dinâmica de vida das pessoas. Às vezes nos forçamos para fazer somente reuniões grandes e gerais e acabamos excluindo diversos militantes que por suas condições de vida poderiam atuar em um núcleo de curso, de escola, ou seja mais específico. É importante entender como se adaptar à vida dos nossos militantes (e a seus locais físicos), para que possamos ter um organismo funcional.

Por fim, nós do Juntos funcionamos a partir do centralismo democrático. Isso não significa, como na tradição de coletivos stalinistas do centralismo burocrático, que esse método serve para afastar nossos debates internos e discussões sobre as táticas e estratégias que temos. Todo militante nosso tem que se sentir livre para colocar suas questões em seu núcleo – é o seu espaço de debate – e de ter suas posições dentro da organização. Porém, para fora, golpeamos como um só, o que definimos coletivamente é nossa política e é o que defendemos nos espaços amplos.

Não funcionamos acreditando que o mérito individual supera o coletivo e que a direção necessariamente terá sempre todas respostas. Mas nossa democracia interna se combina com o centralismo como forma de fortalecer nossa atuação enquanto coletivo e possibilitar que sejamos um instrumento da luta de classes – esse método de funcionamento é um dos principais ensinamentos da história das organizações internacionais do mundo.

4. Quadros e Direção

Após o processo de nucleação, sempre vão ter militantes que se destacam, por um motivo ou outro: podem ser mais dedicados, fazer falas que cheguem às pessoas, conseguir aproximar mais futuros militantes. Os casos são vários. Essas pessoas são os quadros. Elas não são necessariamente pessoas fixas ou com “habilidades naturais”, mas são pessoas que por suas condições em determinado momento podem contribuir mais com a organização.

Suas qualidades, assim como as qualidades dos militantes de forma geral, são variadas e precisam ser aproveitadas dessa forma. Muitas vezes o que permite uma pessoa se desenvolver (ou não conseguir se desenvolver) como quadro é a localização que a colocamos. Às vezes uma pessoa é muito tímida, mas muito valiosa na comunicação de redes, ou tem pouca capacidade de fazer falas públicas mas consegue ganhar muitos militantes nas conversas de captação.

Isso não significa que todos se disponham a ocupar esse espaço – e isso também precisamos compreender e aproveitar o que cada um pode oferecer – mas que é importante aproveitar as qualidades e sensibilidades de todos, em especial daqueles que em determinado momento tem mais a contribuir com a organização.

Os quadros não têm mais direitos do que o resto da militância e nem podem ter – todos na organização precisam ter direitos similares. Mas exatamente por se dedicarem e darem à organização precisam ter uma atenção especial, hierarquizada, de acordo com suas tarefas – cursos de formação próprios, espaços de reunião. Afinal, é a partir dos quadros que pode-se formar uma direção.

A direção, por sua vez, é o organismo mais hierarquizado da organização. É onde se reflete a totalidade de nossa política. Nossas direções precisam ser mutáveis e sempre colocadas a teste – dirigir não é um privilégio, mas um papel de responsabilidade perante o coletivo. Uma direção, quando madura, é formada por quadros de diferentes qualidades e espaços de atuação. Precisa ser um reflexo do nosso trabalho real e portanto um ponto de elaboração e desenvolvimento da nossa política em relação à troca constante com os núcleos.

Esses são alguns conceitos básicos de uma ciência muito mais ampla e complexa ligada à organização política. Mas esse texto serve para o sentido fundamental que nos interessa: precisamos construir nosso trabalho de base. Ampliar a captação, tendo coragem e firmeza em apresentar nosso coletivo, fundar e organizar núcleos onde nossa militância possa ser localizada e desenvolver novas apostas que possam abrir seus trabalhos e chegar a mais espaços.

A construção de uma organização política está diretamente ligada com nossa capacidade de influência e portanto também com a própria dinâmica da luta política no país – mesmo que ela não dependa só de nós. O Juntos já é um guarda chuva de lutas: nos envolvemos em mobilizações de todos os tipos em todo país. Nosso desafio é fazer com que cada vez mais esse nosso DNA possa se refletir em como nos estruturamos, sendo, como já era nosso projeto fundador um projeto para a juventude organizar sua indignação.


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