LGBT: Let’s Go Bomb Tel Aviv vs. There’s no pride in Genocide
Como devemos nos posicionar enquanto comunidade do ponto de vista do internacionalismo socialista em meio ao genocídio do povo palestino?
Pensei em escrever este texto por conta de duas situações:
A primeira foi a lembrança feita por Malê do Juntos! de Alagoas de um texto que escrevi há um pouco mais de um ano sobre a conjuntura internacional da luta LGBTQIA+. A elaboração que fiz ano passado é que precisamos pensar mais, enquanto Juntos!, a conjuntura internacional da luta das LGBTs de forma específica, inspirada no que buscamos fazer quando analisamos os ascensos das feministas e da juventude. Assim, escrevo porque acredito que essa temática merece atualizações para 2025.
A segunda situação é a campanha descarada feita pelo regime sionista em um esforço de propaganda de décadas junto ao imperialismo estadunidense e europeu de estigmatização de povos árabes, persas e muçulmanos no geral. Por meio da divulgação em massa da barganha mentirosa de proteção efetiva dos direitos das mulheres e das pessoas queer em comparação aos países de maioria islâmica – afirmação que é puramente racismo – esses países tentam levar a cabo uma narrativa dos “povos civilizados” contra os “selvagens”. Eles tentam dividir a classe trabalhadora criando a ideia de uma guerra santa de arco-íris, como se as bombas fossem salvar a população local da opressão, inflamando o sentimento nacionalista dos países “civilizados” como se fossem salvadores do mundo ou aqueles que expandem a “liberdade” pela guerra. Dessa maneira, a Palestina se torna um sacrifício, ou seja, um bode expiatório para livrar o mundo da violência, um custo aceitável a se pagar, uma fábula heroica para justificar o genocídio e a limpeza étnica (a quem se interessar, indico muito o livro “A violência e o sagrado” de René Girard, muito bom para pensar a simbologia do sacrifício). Somado a isso, usam narrativas também falsas como a ameaça à existência de israel e o suposto desenvolvimento de bombas nucleares por parte do Irã.
Tendo esse contexto em mente, o objetivo do texto é localizar as pautas do dia da comunidade LGBT em meio a essa conjuntura e desnudar uma disputa interna que existe hoje no movimento e na esquerda – um tanto diferente do que fiz em 2024.
Em geral
Do ano passado para cá muitas coisas mudaram. Acredito que, dos fatos novos, o avanço do colonialismo israelense sobre a Palestina e a eleição de Donald Trump para um novo mandato nos Estados Unidos são os mais importantes para o tema deste texto. Isso porque as medidas contra a população trans e às drag queens ainda avançam nos Estados Unidos, mas agora se somam a uma maior opressão dos imigrantes e dos povos racializados, bem como se estendem com mais afinco às pessoas de diferentes identidades dentro da comunidade. Ao mesmo tempo, o discurso da burguesia mundial, que apoia o sionismo até o final, defende a ideia de “civilizar” os povos islâmicos por meio da guerra. Como se não bastasse, fica cada vez mais clara a existência de uma internacional fascista, que agrega setores ligados ao Trump nos EUA, ao Narendra Modi na Índia, ao bolsonarismo, ao sionismo, entre outros pelo mundo, que usam a Palestina enquanto laboratório de testes aos limites da cumplicidade do mundo com o extermínio étnico e com o racismo.
Sem dúvidas existem outras questões. A tentativa de criminalização do movimento na Hungria é um exemplo claro, mas esse caso também retorna ao que está em jogo para a classe trabalhadora na Palestina. O genocídio dos palestinos revela uma contradição central do nosso tempo e representa, de certa forma, um paradigma ligado intimamente à situação das crises do capitalismo. Não tem muito como fugir, vamos ter que nos debruçar sobre o genocídio se quisermos falar seriamente da conjuntura internacional da luta LGBT.
“There’s no pride in genocide”
A palavra de ordem escrita no título desta parte tem sido entoada em muitas paradas do orgulho e protestos pró-palestina no mundo. Em tradução livre, significa “não há orgulho em genocídio”. Esse canto é uma clara resposta às tentativas de cooptação do movimento LGBT para o lado sionista. Ficou bastante claro quando vimos a recente intervenção promovida por uma ONG de direita na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, onde se utilizou a comunidade LGBT para atacar o Irã, como essas tentativas acontecem. Os sionistas se utilizam de propagandas racistas, de promoções de paradas com bastante pink money em israel, do financiamento de ONGs e até de oportunidades múltiplas para políticos e influencers brasileiros (vide o ocorrido com prefeitos, assessores e secretários, inclusive de governos de “esquerda” como do governo de Rodrigo Neves (PDT-Niterói), em israel). Eles tentam de toda forma nos utilizar como propaganda pró-genocídio, mercantilizar a ideia do orgulho e avançar na guerra contra o Irã.
O contra-ataque do movimento pelo mundo tem sido importantíssimo para dizer que não em nosso nome. Quando se trata de ser contra o genocídio ou contra a guerra, não se trata de defender a Palestina ou o Irã enquanto Estados, mas da sua população enquanto povos, enquanto seres humanos da classe trabalhadora que, por óbvio, também fazem parte da comunidade LGBTQIA+ independentemente da burguesia que os governa. Se nós fossemos justificar o extermínio de um povo por conta de seu governo, teríamos que defender nosso próprio extermínio, já que fomos governados por um fascista de 2018 a 2022, o que é claramente absurdo. Se for para bombardear a população de um país por este país ter massacrado outro, então que nos matem pelo o que o exército brasileiro fez no Haiti. Enfim, poderia dar inúmeros exemplos do porque isso não faz sentido.
De toda forma, do ponto de vista internacionalista o sentido político que devemos ter é o de estar sempre no apoio à resistência da classe trabalhadora presente nos diversos países. Quando Marx diz “trabalhadores do mundo, uni-vos” ou quando as duas primeiras internacionais se formaram, nós ainda vivíamos um momento histórico de formação e consolidação dos Estados Nacionais e da ideia do povo-nação. Assim, a divisão do povo em Estados não é natural. Até mesmo o ódio ao estrangeiro que “rouba” o trabalho é uma coisa muito recente. A título de curiosidade, a comuna de Paris foi feita junto aos imigrantes, que compuseram o governo revolucionário junto dos franceses, porque não fazia sentido diferenciar pessoas que eram todas exploradas. A ideia de um povo atrelado a um Estado específico é utilizada durante a história enquanto um aparato de diferenciação da classe trabalhadora entre si, justificando que os trabalhadores se matem uns aos outros e dá base ao imperialismo – que é mais bem elaborado por Lênin enquanto a fase superior do capitalismo.
A história nos dá exemplos disso. No século XX, a traição à classe trabalhadora pelas mãos do partido social-democrata alemão e da segunda internacional quando se vota a favor dos créditos de guerra para o início da Primeira Guerra Mundial tem muito a nos ensinar sobre como o nacionalismo e a falta de solidariedade internacional da esquerda podem alimentar projetos fascistas. Naquela época, a Alemanha entrou na guerra com o voto decisivo da esquerda na defesa de um ideal de nação em detrimento aos povos do mundo. Ou seja, escolheu-se matar a classe trabalhadora dos outros países em nome de um projeto de desenvolvimento nacional ignorando-se a necessidade de uma aliança internacional para a derrubada da burguesia, como se estar no centro do imperialismo fosse emancipar a classe trabalhadora local. Essa ideia nacionalista se materializa hoje pelo mundo com políticas como o “Make America Great Again”, o nacionalismo hindu, a ideia da “grande Israel”, do patriotismo fundamentalista do bolsonarismo, para citar os exemplos que eu tenho mais familiaridade, que são a base do neofascismo e também buscam dividir a classe. Fortalecer esse pensamento é, sem dúvidas, nos enfraquecer.
Portanto, é essencial termos a ciência de que a classe trabalhadora de nenhum lugar do mundo é nossa inimiga. Os trabalhadores dos EUA, da Rússia, da China, da Palestina, de israel, etc, são todos nossos aliados contra sua própria burguesia. Não podemos cair na armadilha campista de defesa dos Estados nacionais contra um imperialismo abstrato. israel, inclusive, é um Estado. Não por ser legítimo à luz do direito internacional ou porque aquela é uma terra prometida, mas porque israel é a expressão sem máscara da função do Estado no capitalismo. Fato é: o Estado existe para a manutenção da ordem capitalista consubstanciada na propriedade privada, na colonização e no racismo, sendo tarefa dos socialistas capturá-lo e destruí-lo entendendo-o enquanto estrutura de poder da burguesia. Tanto é assim que no Brasil o Estado se empenha com afinco na manutenção do racismo e ainda opera um genocídio contra a população negra e indígena. O genocídio é o massacre de um povo por um Estado, não restando dúvidas em que lado devemos estar – ao lado dos palestinos contra o Estado de israel. Já as guerras são conflitos entre Estados e, portanto, são sempre burguesas. Por isso, não nos cabe fazer a defesa de um país ou campo, mas da classe trabalhadora dos países envolvidos – que é quem na prática morrerá. É um debate polêmico, mas importante de se explorar com os olhares da estratégia socialista.
“LGBT: Let’s Go Bomb Tel aviv”
Dito tudo isso, novamente, é óbvio que é preciso combater o Estado de israel em defesa do povo palestino. Também é óbvio que o Irã possui o direito de defender o seu território dos ataques e coibir israel de continuá-los, mas devemos ter cuidado para levantar um discurso campista. O campismo, para quem não é familiarizado com o assunto, é, em um resumo muito mal feito, a ideia de que precisamos nos aliar a qualquer campo que faça frente ao imperialismo dos Estados Unidos e da Europa por serem um “mal menor” – é o que justificaria, entre outras coisas, apoiar a Rússia e a China enquanto herdeiros da União Soviética e modelos alternativos de Estado para a classe trabalhadora. Nosso dirigente nacional, Theo Lobato, tem um texto muito bom sobre o assunto que reproduzo a seguir, mas que recomendo fortemente a leitura completa, pois explica e faz uma análise muito atual do campismo.
Nessa lógica, o programa da Terceira Internacional definia, um ponto que é fundamental para entender o campismo, dizendo que “os acordos com a burguesia nacional dos países coloniais são lícitos na medida que a burguesia não obstrua a organização revolucionária dos operários e camponeses e desenvolva uma autêntica luta contra o imperialismo”. Ou seja, a lógica stalinista colocava que existiam dois campos no mundo: o imperialista e o da União Soviética. Tudo que valesse para enfraquecer seu campo oposto deveria ser apoiado e tudo que enfraquecia seu campo político deveria ser negado. Essa disputa dividiu esses dois polos até o fim da URSS e da Guerra Fria em 1991 e serviu para que os herdeiros do aparelho soviético reprimissem diversas revoltas populares em países aliados (como na Hungria em 1956 ou na Tchecoslováquia em 1968) e fizessem acordos de apoio direto a países capitalistas com governos antipopulares. 1
Cada vez mais o campismo tem tentado se apresentar enquanto alternativa ao discurso sionista instrumentalizador da nossa comunidade. Em muitos espaços nas redes sociais tem se popularizado o lema “LGBT: Let’s Go Bomb Tel aviv”, comemorando e defendendo os bombardeios na capital da ocupação sionista enquanto resposta que deve ser dada à disputa de narrativa em tela. E aqui vai a pergunta: quem é morto nesses bombardeios? Os burgueses? Os prefeitos e influencers brasileiros em bunkers? Ou é a classe trabalhadora local?
Como eu disse antes, existe uma palavra de ordem (“there’s no pride in genocide”) que também busca responder a captura da pauta pelo sionismo. Assim, vejo que existe uma disputa dentro do movimento LGBT sobre como dar essa resposta e defender os palestinos pela esquerda. Um dos lugares nos quais se bradou “there’s no pride in genocide” foi em Jerusalém esse ano durante sua parada do orgulho, onde muitos manifestantes apanharam da polícia . Uma coisa que a propaganda sionista esconde é que existe uma grande repressão ao movimento LGBT em israel, porque nós somos uma das vanguardas que denunciam o genocídio do povo palestino – apesar de israel dizer que defende o “orgulho” e que lá nós somos protegidas, diferentemente do que aconteceria nos países islâmicos “malvadões” e “antissemitas”. Fica claro que a nossa utilidade para a propaganda sionista deixa de existir a partir do momento em que o movimento diz que não há orgulho em genocídio, fazendo com que repressão sionista deixe de ser mascarada. Assim, não há nada de “civilidade” na burguesia ocidental ou em israel. Precisamos compreender que esses militantes que apanharam em Jerusalém são nossos aliados para a derrubada do Estado sionista e que defender o bombardeio dessas pessoas é defender a morte dos nossos também. Da favela à Palestina, a nossa aliada é a classe trabalhadora. Cair no erro de defender a guerra no oriente médio é cair no discurso campista e apoiar um ideal nacionalista como fez o partido social democrata da Alemanha ao votar os créditos de guerra que, em última instância, foi uma causa importante para a tomada do poder pelo nazismo e nos alerta sobre o fascismo hoje. Cair no erro de defender a guerra no oriente médio é corroborar com discursos racistas como o da guerra às drogas no Brasil, que coloca o conjunto dos pretos favelados enquanto um conjunto de vidas que valem menos, como também fazem os sionistas contra os palestinos.
Devemos enquanto internacionalistas, a meu ver, agitar a palavra de ordem “não há orgulho em genocídio” com centralidade e disputar o sentido do movimento LGBT sempre para o lado da solidariedade de classe. Seja no Brasil, na Hungria ou na Palestina, precisamos ter a noção de que a emancipação dos nossos corpos também passa por derrotar o imperialismo, o entendendo enquanto uma consequência do nacionalismo, e de que a nossa comunidade tem o potencial de ser uma força relevante para o combate ao fascismo. Defender bombardeios e a indústria bélica não nos trará transformação, somente a luta internacional da classe o fará. Essa luta se traduz na necessidade de irmos contra as ações do nosso próprio Estado e pressionar o governo brasileiro a romper todas as relações com israel para que o petróleo da petrobrás deixe de chegar aos mísseis e tanques sionistas, para que se cesse a importação das armas israelenses que chegam nas favelas e para que os palestinos tenham a oportunidade de viver.