A ESQUERDA PRECISA SE REINVENTAR NO RIO DE JANEIRO
Reprodução: Instagram

A ESQUERDA PRECISA SE REINVENTAR NO RIO DE JANEIRO

Sobre a necessidade de uma esquerda que não tema dizer o seu nome para enfrentar a extrema-direita e o neoliberalismo progressista

João Pedro de Paula 10 set 2025, 18:44

Os últimos dias na política fluminense indicaram reflexões importantes para a esquerda. Cláudio Castro e Eduardo Paes se unificaram para enfrentar uma ocupação organizada pelo MLB, com direito a agressão de parlamentares. Mas não só. Paes fez questão de atacar o PSOL pelas redes sociais. E Cláudio Castro ainda postou um vídeo em seu Instagram atacando os deputados Tarcísio Motta e Prof. Josemar, acusando até mesmo o primeiro de racismo. Não bastando isso, Paes postou uma foto parabenizando os guardas municipais envolvidos na agressão e depois se reuniu com a vereadora Maíra do MST e outras lideranças do movimento fazendo um deboche a quem estava indignado com suas ações. A vereadora, depois de afirmar que a foto seria antiga, fez um vídeo em solidariedade à companheira do MLB que está hospitalizada, mas sequer mencionou o nome de Eduardo Paes no vídeo ao denunciar a violência.

As últimas movimentações estão diretamente conectadas com as eleições para 2026, onde Paes lidera as pesquisas, com apoio de setores da esquerda como PT e PCdoB, que compõem seu governo municipal. A esquerda que não aceita seguir o caminho do neoliberalismo progressista de Paes precisa abrir uma reflexão sobre qual o seu papel no Rio de Janeiro.

O Rio em contexto

Mesmo deixando de ser a capital federal, o Rio seguiu tendo uma grande influência na política nacional e na imagem do país. Com a crise de 2008, que abriu um processo de uma ofensiva contra os direitos do povo, o Estado foi palco de muitas mobilizações. Junho de 2023, greve dos garis, dos bombeiros e algumas levas de greves de profissionais da educação e até mesmo de policiais. Aqui a Primavera feminista teve força, assim como as ocupações de escola em 2016, onde iniciei minha militância.

O PSOL, a novidade na política que surgiu pela ruptura de um setor de massas com o PT recém chegado à presidência, esteve diretamente conectado com esses processos. É nesse contexto que vivemos a chamada Primavera Carioca, marcada pelas mobilizações, mas também pela disputa eleitoral, da qual Marcelo Freixo se apresentou com uma nova liderança. O partido intervia até mesmo em debates que são dominados hoje pela direita, como a crise de segurança pública, a partir da qual Freixo pode se tornar uma referência pela CPI das Milícias.

É daqui também que surgiu uma outra alternativa à crise, pela via do bolsonarismo, conectando setores médios frustrados com a interrupção do crescimento econômico e setores influenciados por um neopentecostalismo conservador e pela lógica de militarização da vida. O assassinato de Marielle, assim como sua reação a ele, foi uma síntese desse processo. A pandemia parecia ter representado uma interrupção dessa dinâmica, mas cuja tomada das ruas pelo movimento de negro e de favelas expressou que não seria tão simples. Em 2021, as mobilizações contra a chacina do Jacarezinho e contra os cortes no orçamento da UFRJ reforçaram que as ruas seguiam sendo um caminho para enfrentar a pandemia, a crise e principalmente Bolsonaro. Mas daí em diante, a dinâmica mudou.

Uma crise de um projeto?

Nas eleições de 2020, o PSOL já começava a enfrentar dificuldades com as movimentações de Marcelo Freixo, que em 2022 já chegaria a ser candidato a governador pelo PSB e depois viria a entrar no PT. A eleição de Lula trouxe mais pressões oportunistas a um partido que vinha se acostumando a ter um peso parlamentar importante, pouco comum nessas proporções nas demais regiões do país. Essas pressões poderiam representar para alguns que este projeto já havia sido derrotado. Mas como Trotsky nos apresenta, se um projeto neste momento não vive essas pressões, na prática se trata de uma seita.

As transformações ocorridas no PSOL são parte de uma situação mais ampla na conjuntura. Após as mobilizações de 2021 contra Bolsonaro, nenhuma manifestação conseguiu superá-las em tamanho, que ainda eram menores que as de 2019 quando vivemos o Tsunami da Educação. Há um momento na conjuntura onde a crise se expressa, existe resistência e tentativa de construção de luta, mas que não tem tido capacidade de se massificar, se tornando uma pauta de “maioria social”.

Não é possível negar a existência das lutas. Quem escolhe esse caminho assume uma postura derrotista que muitas vezes legitima ações eleitorais onde se abre mão de um programa para escolher o que seria o menor pior. É uma adaptação especialmente daqueles que se conformam com a realidade social porque estão em boas condições de vida, que não são vividas pela maioria.

Vivemos mobilizações importantes, como a greve dos profissionais da educação em 2023, a greve da educação federal em 2024, havendo simultaneamente greves estudantis em algumas universidades, e outros exemplos que poderia citar aqui. A luta em solidariedade à Palestina é exemplar para este texto, havendo muitas agendas de mobilização, desde outubro de 2023, mas nenhuma conseguiu ir além da marca até relativamente baixa de mil pessoas.

É claro que nesta reflexão sempre há um pólo objetivo sobre o qual nossa vontade não pode alterar, mas o centro é que houve pouca capacidade da esquerda de apontar as ruas como um caminho para a mobilização, ainda que situada em um cenário difícil. Inclusive havendo mobilizações que muitas vezes passaram por fora das organizações, o que não é estranho no todo porque sempre há espaço para a espontaneidade, mas às quais a esquerda pouco tentou influir e ajudar a desenvolver, como vimos nos atos contra a violência policial neste ano.

O caminho progressista (neoliberal)

Em meio a esse cenário, Eduardo Paes tem sido muito capaz de disputar parcela da vanguarda que em outros momentos seria organizada pela esquerda. Interveio na Marcha das Mulheres Negras, inclusive com financiamento, organiza atividades de “ativismo” e “cidadania” para a juventude, até mesmo debatendo a crise climática em uma perspectiva de capitalismo verde. Não à toa, certos setores da esquerda buscam disputar espaço nesse programa. O PT é parte disso, ainda que este sempre tenha sido seu papel no Rio de Janeiro, ao utilizar o Estado como meio de negociação para o apoio a Lula no governo federal, inclusive tendo sido uma das razões para haver espaço à esquerda que possibilitou o PSOL ter brotado como alternativa. Assim como o PCdoB, que através de um quadro que ocupa um cargo comissionado na Prefeitura, vem propagando o “socialismo chinês”. Às vezes cabe até a reflexão se para Elias Jabbour o socialismo com características cariocas viria de Paes.

Reacender a chama da esquerda e das lutas

As movimentações dos últimos dias indicam tendências para 2026. O debate eleitoral tem sua importância e a esquerda precisa ter uma candidatura através do PSOL. Mas é um debate que precisa ir além disso, até porque a adaptação à lógica eleitoral é parte do problema. Vivemos nos últimos anos uma ausência de um programa para ser apresentado à esquerda, que possa questionar a lógica de cidade mercadoria de Paes e enfrentar a extrema-direita representada por Cláudio Castro. O governador foi um dos responsáveis pelas principais chacinas e casos de violência policial que tomaram as redes, sem ter tido mobilizações que tivessem o enfrentado com capacidade de desenvolver um processo de impeachment.

Parte da capacidade do PSOL de ter se tornado referência para diversos setores estava conectada à denúncia impulsionada pela CPI das Milícias, mas que vinha desde antes, inclusive é o motivo pelo qual a extrema-direita sempre ataca o partido enquanto “defensor dos direitos humanos”. É preciso retomar essa experiência e debater a crise, inclusive conectando suas múltiplas faces que muitas vezes se expressam como fragmentadas. A “operação na Faria Lima”, como muitos vem chamando, poderia ser um exemplo para esta discussão. O enfrentamento à crise de segurança é um problema sobretudo da economia. E quem se beneficia dessa “economia criminal” não está nas favelas.

O tema da segurança pública é um exemplo, até porque se trata de um tema que sempre marcou o debate político no Rio desde o pós-ditadura. Mas a construção de um programa precisa envolver o todo, trazendo totalidade a particularidade das experiências de cada setor social que queremos disputar. Para isso, o mínimo é dizermos o óbvio: enfrentarmos a política de Eduardo Paes e Cláudio Castro. São ambas expressões, ainda que distintas, da classe dominante que quer apenas viver do trabalho alheio.

Alguns setores da esquerda, como o MTST de Guilherme Boulos, chegaram a debochar de Safatle por sua reflexão ao apontar que a esquerda está morta. Olhando para o Rio de Janeiro, é quase impossível não dizer que há sim uma esquerda que não se comporta como tal. Sem uma esquerda que não tenha medo de dizer o seu nome e apresentar um programa que enfrente quem se beneficia da exploração, a saída não será por nós. A esquerda precisa se reinventar no Rio de Janeiro.


Imagem O Futuro se Conquista

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