13 de maio: Liberdade sem asas, fome sem pão
Não esqueceremos que foi preciso ignorar o 13 de maio para que pudéssemos construir a consciência negra. Hoje não vamos mais ignorar o 13 de maio, hoje iremos resignificá-lo.
* Winnie Bueno
13 de maio de 1988 assinava a princesa Isabel a Lei Áurea e daquele momento em diante todos os escravizados adquiriam a condição de livres e a partir daí apagam-se os registros históricos sobre os negros da História do Brasil.
O que precisamos saber sobre o 13 de maio é que abolição e liberdade não são etapas que se complementaram, pelo menos não no Brasil, onde a abolição nada mais foi do que uma política para inglês ver. E para inglês ver no sentido mais literal da expressão. O império brasileiro não tinha mais condições de sustentar suas relações com as grandes potencias econômicas da época se continuasse a insistir no trabalho escravo, o trabalho livre é um pressuposto para o sucesso do capitalismo e este, há muito, enfiava os dois pés nas portas tupiniquins.
O que precisamos saber sobre o 13 de maio é que o povo negro escravizado há muito se organizava para a liberdade, constituindo verdadeiros movimentos de resistência e luta. Resistência essa que não se dava apenas nos processos de fuga e quilombos. Essa resistência se dava em negociações com os senhores para manter suas famílias, se dava no acúmulo de dinheiro para comprar a liberdade das mulheres (em especial após a Lei do Vente Livre- pois filho de liberta, livre era), se dava nas relações com os grupos abolicionistas.
O que precisamos saber sobre o 13 de maio é que, como já colocava Florestan Fernandes, “ a velha ordem racial não desapareceu com a abolição”. Ela persiste e implica em uma resistência que dura mais de 4 séculos. A princesa Isabel nada mais fez do que assinar um papel. Um papel que não previa nenhum tipo de política de inserção social para os milhares de negros que se tornavam “cidadãos brasileiros”. Cria-se, como continua-se fazendo, uma lei que não garante direitos efetivos, cria-se dois ordenamentos: um jurídico e um social, pois na prática o Estado brasileiro continuou a tratar este povo como pessoas de “terceira classe”.
Ainda esta semana ouvi que : “ os negros precisam esquecer essa história de escravidão, precisam ignorar os erros do passados e construir um novo presente.” Ouvi de um rapaz branco. Ouvi de alguém que certamente não faz a menor ideia do tanto de sangue preto que foi derramado em canaviais, cafezais e charqueadas para a construção desse país. Ouvi de alguém que reproduz o perigoso discurso do perdão. Esquecer, afinal, é permitir que possa voltar a acontecer e por isso não esqueceremos.
Não esqueceremos que continuamos sendo assassinados, não esqueceremos que o salário de um cidadão negro equivale a 1/3 do salário de um branco. Não esqueceremos que as mulheres negras continuam sendo tratadas como a “carne mais barata do mercado”. Não esqueceremos que foi preciso ignorar o 13 de maio para que pudéssemos construir a consciência negra. Hoje não vamos mais ignorar o 13 de maio, hoje iremos resignificá-lo. Iremos exigir a aplicação real e efetiva da lei 10.639/03 que obriga o ensino da história e cultura africana e afro- brasileira nas escolas e universidades brasileira. Hoje iremos à luta pela aplicação do Estatuto da Igualdade Racial, que mesmo vilipendiado pelas negociatas do PT com a direita (branca e elitista) é um instrumento de luta constituído pelo movimento social negro.
Iremos JUNTOS, brancos e negros, fazer uma revolução preta. Uma que não permita o assassinato da juventude negra, o estupro das mulheres negras e o esquecimento das crianças negras. Iremos fortalecer a resistência contra os ataques que o modelo de desenvolvimento capitalista vem empreendendo contra os negros e negras no Brasil. Hoje não aceitaremos que insistam em nos tratar como escravos. Já dizia o brilhante Oliveira Silveira, poeta, negro, gaúcho, idealizador do 20 de novembro:
“Querem que a gente saiba
que eles foram senhores
e nós fomos escravos.
Por isso te repito:
eles foram senhores
e nós fomos escravos.
Eu disse fomos.”
* Winnie Bueno é estudante de Direito da UFPEL e militante do Juntos Pelotas!