Basta de massacre em Gaza. Palestina livre já!
É impossível não sentir angústia e indignação com as notícias que chegam a toda hora do Oriente Médio. O Estado de Israel executa uma operação genocida que, em 13 dias, ceifou a vida de mais de 500 palestinos, dos quais quase metade são mulheres, crianças e idosos. Do lado israelense, foram 20 mortes:18 soldados e 2 civis.
Ib Sales Tapajós*
É impossível não sentir angústia e indignação com as notícias que chegam a toda hora do Oriente Médio. O Estado de Israel executa uma operação genocida que, em 13 dias, ceifou a vida de mais de 500 palestinos, dos quais quase metade são mulheres, crianças e idosos. Do lado israelense, foram 20 mortes:18 soldados e 2 civis. [1].
Mesmo com esses números, os grandes meios de comunicação falam de um “confronto”, como se as ações de Israel e do Hamas se equivalessem. Mas o que está acontecendo AGORA na Faixa de Gaza é um MASSACRE, levado a cabo pela 4ª potência militar do mundo contra um povo sitiado, que mal consegue se defender.
A operação “Limite Protetor” foi desencadeada após a morte de 3 colonos israelenses em Gaza. Israel acusou o Hamas (organização que governa a Faixa de Gaza) pelas mortes. O Hamas não assumiu a autoria, mas Israel conseguiu a “justificativa” que precisava para a agressão militar! Dias depois Mohammed Abu Khudair, um jovem palestino de 17 anos, foi incendiado vivo por israelenses de extrema-direita. Foi o início da violência israelense, que só aumentou daí em diante.
As agressões tomaram novas proporções com o início da ofensiva terrestre de Israel contra Gaza no dia 17. O último fim de semana (19 e 20/07) foi um dos mais sangrentos da história do Oriente Médio. Apenas no Domingo, mais de 140 palestinos morreram, a metade deles em “Shejaiya”, um bairro periférico de Gaza atacado duramente pelo exército israelense. Trata-se de uma limpeza étnica e social levada a cabo por Estado claramente fascista.
O “objetivo” declarado por Israel para a invasão terrestre (desarticular a infraestrutura militar do Hamas) cai por terra diante dos fatos: nesta segunda-feira um hospital em Gaza foi bombardeado por mísseis israelenses, deixando ao menos 4 mortos e 16 feridos [2].
A desgraça atual se assemelha cada vez mais às tragédias que marcaram a última incursão terrestre de Israel sobre Gaza, no natal de 2008, durante a operação “Chumbo Fundido”, que durante 20 dias deixou 1400 vítimas em Gaza. Do lado israelense, foram 13 vítimas, 10 delas militares. Como afirmou Eric Hobsbawn, célebre historiador inglês, judeu, “não é difícil calcular qual lado é a vítima” [3].
Estamos diante de uma escalada de horror, perante o qual não podemos silenciar. O genocídio praticado por Israel não é um crime apenas contra os palestinos, é um crime contra a Humanidade!
Israel: uma história de violência contra o povo palestino. [4]
As origens do conflito entre Israel e Palestina remetem aos primórdios do sionismo (final do século XIX), movimento que, diante da perseguição aos judeus na Europa, propugnava a migração em massa para a Palestina, a fim de criar um Estado exclusivamente judeu. Para tanto, o sionismo buscou o apoio da Inglaterra, potência que dominava a Palestina no período da 1ª Guerra Mundial.
O governo inglês deu carta branca ao plano de colonização judaica a partir de 1917. A propaganda sionista falava em uma “terra sem povo para um povo sem terra”. Ocorre, porém, que a “terra sem povo” era habitada por cerca de 600 mil árabes palestinos. A ocupação sionista gerou a expulsão de milhares de camponeses palestinos de suas terras.
Se em 1917, antes do início da colonização, havia cerca de 50 mil judeus na Palestina, em 1927 já somavam 150 mil (16% da população total). Com a 2ª Guerra Mundial e a perseguição dos judeus pelo nazismo, o fluxo migratório aumentou muito mais. Paralelamente a isso, as lideranças sionistas na Palestina consolidavam sua base econômica e seu aparato militar, com apoio das grandes potências mundiais. Em suma: erguiam as bases para o futuro Estado sionista.
Com o fim da 2ª Guerra, o sionismo se voltou para uma aliança com o governo dos EUA com vistas à conquista do seu Estado judeu independente. Conseguiram! Em 1947, a Assembleia Geral da ONU recomendou a partilha da Palestina em um Estado judeu e um árabe. Mesmo sendo minoria, o Estado dos judeus ficaria com 56,4% do território, enquanto o árabe com 42,9%. A cidade de Jerusalém seria administrada pela ONU, por ser um local tido como sagrado por cristãos, judeus e muçulmanos. Além de receber a maior parte do território, ao Estado judeu foram concedidas as terras mais férteis.
Mas isso tudo não foi suficiente para os sionistas, que organizaram uma verdadeira limpeza étnica da população nativa, em 1948, através de vários ataques militares. Ao final das investidas, de uma população de cerca de 1,5 milhão, mais de 800 mil palestinos foram expulsos de suas casas e 530 aldeias foram destruídas. Muitos se refugiaram na Cisjordânia e Gaza; outros foram para o Líbano, a Síria e a Transjordânia. Cerca de 60 mil permaneceram em áreas que passaram ao controle sionista.
No dia 14 de maio de 1948, foi proclamado o Estado de Israel, com domínio sobre 77% do território da Palestina, bem mais do que os 56% a que teriam direito pelo plano da ONU.
Durante a Guerra Fria, os EUA trataram Israel como aliado prioritário no Oriente Médio, e seus pesados investimentos foram responsáveis por constituir uma das maiores máquinas de guerra do mundo. Em 1967, na Guerra dos Seis Dias, essa máquina de guerra derrotou em tempo recorde vários Estados árabes, liderados pelo Egito, conseguindo ampliar seu domínio sobre a Palestina, passando a controlar também os territórios da Faixa de Gaza e da Cisjordânia.
A violência expansionista do sionismo começou a sofrer forte reação na década de 1960, com o (re)surgimento do movimento nacionalista palestino, unificado em torno da Organização pela Libertação da Palestina (OLP). A principal organização da OLP, o Fatah, encabeçada por líderes como Yasser Arafat, pregava a “violência revolucionária de massas” contra Israel, para conseguir a volta dos palestinos à sua terra natal. O Fatah travou durante décadas um combate desigual com o Estado de Israel, acumulando várias derrotas militares e algumas vitórias. Em 1982, no “Setembro Negro”, Israel chacinou centenas de lideranças do Fatah, provocando um sério refluxo no movimento de resistência.
Mas, em dezembro de 1987, uma Intifada (revolta popular) deu novo fôlego à luta pela libertação nacional. O povo palestino dos territórios ocupados enfrentaram Israel com pedras, paus, barricadas, greves e boicote ao pagamento de impostos. Em poucos dias os protestos se massificaram, espalhando-se por toda a Cisjordânia e Gaza.
A Intifada, que contou com forte apoio internacional, obrigou Israel a recuar e negociar um acordo com os líderes palestinos. Em 1993, Arafat anuncia os “Acordos de Oslo”, pelo qual a OLP reconhecia o Estado de Israel e fazia algumas concessões aos sionistas, em troca do autogoverno sobre os territórios de Gaza e da Cisjordânia, a ser exercido pela Autoridade Nacional Palestina (ANP). O Acordo foi visto como uma capitulação por várias lideranças palestinas, provocando um racha na OLP.
Oslo não foi capaz de alterar positivamente as condições de vida dos palestinos. Israel continuou a expandir seus assentamentos nos territórios ocupados, que duplicaram entre 1993 e 2000. Por isso, em 2000, tem início uma nova Intifada, reprimida com brutalidade pelo governo de Israel. Segundo relatório da UNICEF, a repressão à Intifada de 2000 produziu 310 vítimas fatais, sendo 261 palestinos, 35 israelenses, 13 árabes e um alemão. Das vítimas palestinas, 97 eram crianças. Quanto aos feridos, havia 426 judeus e 9.802 palestinos, sendo que destes 4.116 eram crianças.
Em 2000 os crimes militares de Israel mereceram “reprimenda moral” do Conselho de Segurança da ONU que, todavia, não geraram nenhuma punição concreta ao Estado sionista. A política genocida continuou, com demolição de casas e fazendas para construção de assentamentos judeus, além das ofensivas militares, como a operação “Chumbo Fundido” (2008-2009) contra Gaza, com 1.400 mortes. O “autogoverno” sobre Gaza e Cisjordânia é realizado sob verdadeiro cerco militar israelense sobre todas as fronteiras. Uma “liberdade vigiada”!
Solidariedade ao povo palestino. Boicote ao Estado de Israel!
Uma análise séria da História do Oriente Médio não deixa dúvidas: o ímpeto expansionista violento do sionismo e a ocupação militar da Palestina são o motivo central da “guerra” que parece nunca ter fim na região.
A política do governo de Israel é similar à do Apartheid na África do Sul, ou ainda pior! Há para o governo sionista dois tipos de seres humanos: os judeus, com “direito a ter direitos”, e os não-judeus, a quem é negada a dignidade humana. A construção de um MURO para separar judeus e palestinos na Cisjordânia é a máxima expressão desse Apartheid em pleno Século XXI. O muro, que divide a Cisjordânia ao meio, cria verdadeiros campos de concentração de palestinos, impondo-lhes mais isolamento social e econômico e enormes dificuldades de acesso à saúde, à educação e ao trabalho.
O cerco militar se fecha cada vez mais sobre o povo palestino, o que mostra a necessidade de uma ampla campanha de solidariedade internacional. No interior dos EUA trava-se uma batalha decisiva entre os defensores da paz e dos direitos humanos e o lobby sionista, que tem conseguido garantir o apoio irrestrito do governo americano (militar, econômico, diplomático e ideológico) às ações criminosas de Israel.
Por outro lado, todos os Estados democráticos possuem uma responsabilidade ética diante do massacre na Palestina. Omitir-se diante de um genocídio como este é imperdoável! Os governos comprometidos com a paz mundial precisam adotar uma política de boicote, desinvestimento e sanções (BDS) em relação a Israel. Na América Latina, os “governos progressistas” precisam cessar imediatamente suas “parcerias” com Israel, inclusive em relação à comprar armas (asquelas armas que são “testadas em campo”, isto é, à custa do sangue palestino!).
A política de BDS mostrou-se decisiva na luta contra o Apartheid na África do Sul, na medida em que encontrou apoio em diversos países ao redor do mundo, isolando o Estado racista. A mesma coisa deve ser feita contra o Estado sionista/fascista de Israel, para que se conquiste: a) o fim imediato dos ataques militares deflagrados com a “Operação Limite Protetor”; b) o fim da colonização sionista em terras árabes; c) a derrubada do muro do apartheid; d) a garantia de igualdade de direitos civis a todos; e) o respeito ao direito de retorno dos refugiados palestinos às suas terras e propriedades.
Por fim, resta à esquerda e aos movimentos democráticos pelo mundo a tarefa de travar o bom combate em torno da interpretação histórica e política sobre os acontecimentos atuais em Gaza. Isso passa por afirmar a legitimidade da resistência palestina diante da opressão israelense. Enquanto perdurar a ocupação militar e a expansão colonialista de Israel, o povo palestino tem o direito de lutar pela sua libertação nacional!
O direito de resistência contra um regime opressor não é “invenção” de nenhum radical islâmico ou de um marxista revolucionário. A tradição liberal (de Locke a Thoreau) sempre sustentou a legitimidade que possui um povo ao lutar, de todas as formas possíveis, contra o tirano que usurpa o poder e impõe um Estado de Terror [5]. A própria ONU reconhece, na Resolução nº 3101 (de 1973), o direito dos povos sob dominação colonial e estrangeira, e sob regimes racistas, a lutar por sua autodeterminação.
Os protestos que começaram a se espalhar pelo mundo em apoio ao povo palestino são animadores. Em Londres, foram mais de cem mil pessoas nas ruas, para pressionar uma mudança de postura do governo inglês perante Israel. No Brasil, São Paulo foi palco do maior ato, com cerca de 3 mil nas ruas, saindo da frente da Rede Globo até o Consulado de Israel [6].
É hora de dedicar todos os esforços possíveis pelo fim do massacre em Gaza e pela vitória do povo palestino, com o reconhecimento do seu Estado e a garantia de retorno às suas terras e propriedades que foram usurpadas pelo colonizador sionista. Só assim a tão esperada paz no Oriente Médio será possível.
Todo apoio à resistência palestina. FORA ISRAEL da Faixa de Gaza. SOMOS TODOS PALESTINOS!
* Ib Sales Tapajós é advogado militante e membro da Executiva do PSOL em Santarém/PA.
[1] Conflito entre Israel e Hamas se intensifica, e há mais mortes em Gaza. Disponível em: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/07/conflito-entre-israel-e-hamas-se-intensifica-e-ha-mais-mortes-em-gaza.html.
[2] “Hobsbawn sobre a Guerra de Gaza”. Disponível em: http://www.vermelho.org.br/noticia/48352-9
[3] Boa parte dos fatos históricos narrados aqui têm como fonte a publicação “A Causa Palestina” (CUT, 2012): http://www.galizasempre.org/sites/default/files/catalogo/indices/cut_brasil_livro_palestina_final.pdf; e o Documentário “Ocupation 101 – a voz da maioria silenciada” (2006) dirigido por Sufyan Omeish e Abdallah Omeish, disponível no youtube: http://www.youtube.com/watch?v=tId9aK-6nKg.
[4] Vladimir Safatle, no artigo “Do uso da violência contra o Estado ilegal”, no livro O que resta da Ditadura (Boitempo, 2010).