Congregação do IFCH da Unicamp aprova repúdio a título de militar apoiador da ditadura
Assembleia na Unicamp

Congregação do IFCH da Unicamp aprova repúdio a título de militar apoiador da ditadura

A partir de proposta do Centro Acadêmico de Ciências Humanas (CACH), o órgão aprovou nota pela revogação do doutorado honoris causa de Jarbas Passarinho, signatário do AI-5

Juntos Unicamp 8 abr 2021, 12:39

Na quarta-feira (07/04), a Congregação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp aprovou uma nota em defesa dos perseguidos políticos de ontem e de hoje, formulada pelo Centro Acadêmico da unidade e apresentada pelos representantes discentes. Nela, além de repudiar o golpe militar de 64 à ocasião do seu aniversário no dia 31 de março, também chama a universidade à responsabilidade de revogar o título de doutor honoris causa de Jarbas Passarinho, concedido em 1973. Passarinho foi ministro da Educação no governo Médici, e foi signatário do Ato Institucional nº5, o documento que mais restringiu as liberdades democráticas na ditadura militar, e que deu início ao seu período mais repressor.

“A aprovação desse repúdio é muito significativa, pois coloca em termos concretos a necessidade de continuar lutando por memória, verdade e justiça em um momento de arroubos autoritários do presidente Bolsonaro” disse Edvaldo de Matos Júnior, militante do Juntos e representante discente da congregação. “É importante que o movimento estudantil e o conjunto da comunidade universitária sigam fazendo pressão pela cassação desse título.”

Em 2014, a revogação do título de Passarinho foi colocada em votação no Conselho Universitário (CONSU), porém, pela diferença de apenas um voto, a proposta foi derrotada. A Congregação, na nota, reconhece esse evento como “motivo de vergonha à toda comunidade da Unicamp”. A permanência do título do militar entra em contradição com o vasto acervo de pesquisa histórica da Universidade sobre a perseguição na ditadura militar, sendo ela sede do Arquivo Edgar Leuenroth, o maior acervo de história social da América Latina. O Arquivo abriga os documentos descobertos pelo projeto de pesquisa Brasil: Nunca Mais, que sistematizou mais de um milhão de páginas detalhando o processo de repressão política no Brasil no período de 1961 a 1979.

A persistência do debate sobre a memória, verdade e justiça se afirma em face das perseguições sofridas, com base na Lei de Segurança Nacional, pelos professores universitários da Universidade Federal de Pelotas, pela prisão de militantes do PT em Brasília e pela notificação ao youtuber Felipe Neto, todos por fazerem críticas e protestarem contra o governo genocida de Jair Bolsonaro. Além disso, o próprio Estatuto da Unicamp permanece como um resquício do período da ditadura, tendo sido elaborado nessa época e incluído a proibição de manifestações político-partidárias, “algazarra” e greves estudantis. Esses incisos foram derrubados apenas em 2019, após forte pressão da comunidade universitária, mas a necessidade da revisão do Estatuto por completo se mantém.

“O coletivo Juntos reitera seu compromisso contra a perseguição política e o autoritarismo ontem e hoje, e se somará em mais várias iniciativas que escancarem o papel nefasto cumprido inclusive pelas Universidades durante esse período, para que nunca mais se repita” completa Edvaldo.

Leia a nota na íntegra a seguir:

Nota de repúdio da Congregação do IFCH em defesa dos perseguidos políticos de ontem e de hoje 

Hoje, 31 de março, fazem 57 anos do golpe que impôs uma ditadura militar por mais de duas décadas no Brasil. Desde 1985, com o processo de transição democrática, tiramos os militares do governo federal, elaboramos uma nova constituição no país, mas os resquícios da ditadura ainda marcam nossa história. Nos últimos anos, com a eleição de Bolsonaro e General Mourão e o avanço da extrema-direita no país, esse trágico episódio se torna tema de disputa nacionalmente. No início do mês, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região autorizou o governo a comemorar o golpe de 1964. Bolsonaro, que tem defendido uma política negacionista e genocida durante a pandemia no país, mais uma vez demonstra seu desprezo pelas nossas vidas. Devemos lembrar para nunca mais esquecer. Mas a memória que queremos deixar é o exato oposto daquilo que esses setores comemoram. Nossa memória é outra. Nós lembramos das torturas, da repressão e das restrições das liberdades democráticas. Lembramos do autoritarismo, dos Atos Institucionais, da perseguição e prisão de lideranças do movimento negro e dos corpos LGBTQIA+. 

A luta por justiça àqueles que tombaram pela Ditadura e a punição de seus algozes encontrou fortes obstáculos ao fim do regime. A Lei da Anistia, que se propôs a perdoar os crimes cometidos por presos políticos e militares durante o regime, apesar de ter permitido a volta dos exilados pela ditadura, significou a isenção dos torturadores em responderem pelas barbaridades que protagonizaram nos porões de instâncias como o DOI-CODI e o DEOPS. É neste contexto que hoje, diante da escalada autoritária encabeçada pelo Governo Federal, Bolsonaro se vê autorizado a reivindicar a Lei de Segurança Nacional para perseguir seus opositores que o chamam pelo o que de fato é: um genocida. 

Desde o início do mês de março vemos as medidas persecutórias de Bolsonaro contra aqueles que se colocam em oposição a sua política genocida e de desmonte dos direitos sociais. É o caso dos dois professores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) que receberam uma Ordem de Ajustamento de Conduta por se manifestarem contra o governo e também a prisão de manifestantes do PT que colocaram uma faixa “Bolsonaro Genocida” na Esplanada dos Ministérios. Dentre os manifestantes detidos encontra-se Rodrigo Pilha, que segue preso, agora incriminado por um processo de desacato que teria ocorrido em 2014, além de ter seu habeas corpus indeferido. Vale destacar também a utilização da Lei de Segurança Nacional que levou à prisão um rapaz de 24 anos em Uberlândia (MG) por declarar sua insatisfação ao governo nas redes sociais durante a passagem do presidente pela cidade e a intimação para depor do comediante Felipe Neto que também denunciou em suas redes a política genocida de Bolsonaro. 

Em nossa Universidade, a impunidade à Ditadura também é resguardada. A Unicamp concedeu em 1973 o título de Doutor Honoris Causa ao até então ministro da educação, Jarbas Passarinho, militar signatário do Ato Institucional nº 5 (AI-5), que cassou os direitos políticos da população brasileira e marcou o início dos anos de mais dura repressão. Quando em 2014 foi posto em votação a anulação do título em reunião do Conselho Universitário (CONSU), por diferença de um voto, Jarbas Passarinho manteve seu título, o que deve ser motivo de vergonha à toda comunidade da Unicamp. Além disso, o Regimento Geral da Unicamp possuía sua própria versão do AI-5, baseado no Decreto-Lei 477 de 1968, proibindo manifestações político-partidárias ou ideológicas, “algazarra”, “perturbação da ordem” e até mesmo greve estudantil. Em 2019, depois de anos de elaboração de um novo regimento disciplinar por parte de docentes e com a pressão das três categorias da Unicamp, parte desses incisos foram retirados. Apesar disso, nosso Estatuto ainda mantém importantes resquícios desse período. 

A 261ª sessão ordinária da Congregação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, reunida no dia 07 de abril de 2021, repudia a comemoração do golpe de 1964 e expressa sua solidariedade aos opositores do Governo Federal que têm sido perseguidos. Seguiremos na defesa das liberdades democráticas e na luta contra a repressão: por memória, verdade e justiça e pelos perseguidos políticos de ontem e de hoje. 


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