“Vende-se” Brasil: o Leilão da CEDAE e os caminhos do futuro
As consequências e significados do leilão da CEDAE são uma versão piorada de uma política privatista que não vem de hoje. Mais do que nunca a esquerda precisa ser direta sobre seu programa.
Ocorreu em São Paulo, no dia 30 de maio, o leilão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro, uma das poucas empresas estatais de relevâncias que ainda forneciam serviço público no Rio de Janeiro. A empresa vinha sendo precarizada desde 2017, quando o Rio, para entrar em Regime de Recuperação Fiscal, teve que negociar com a União sua privatização. De lá pra cá os sucessivos governos vieram desmontando a CEDAE, demitindo parte importante de seus trabalhadores técnicos, especialmente no Controle de Qualidade, criando enormes crises de distribuição da água, fazendo com que em 2021 chegasse água suja na casa de grande parte dos fluminenses.
O leilão arrecadou 22 bilhões de reais e foi considerado uma grande vitória dentro do Governo Bolsonaro – Guedes e Claudio Castro vinham fazendo de tudo para que a venda da empresa pudesse se efetivar sendo um “exemplo para o resto do país”. O que os bolsonarista consideram uma vitória para o Governo, naturalmente, não tem de nada positivo para o povo: não atoa a comitiva governista foi recebida a ovos ao chegar no leilão.
A CEDAE será concessionada por 35 anos. Ela é uma das empresas mais lucrativas no Rio de Janeiro, arrecadando mais de um bilhão por ano, ou seja, até o fim da concessão já terão sido pelo menos 13 bilhões perdidos para o lucro da iniciativa privada. O buraco, porém, é bem mais em baixo. O atual presidente da empresa indicou que com a privatização devem ser demitidos 80% dos trabalhadores da empresa. Além disso, o Rio de Janeiro conhece bem o papel que a iniciativa privada tem no serviço público de aumento de preços – o transporte público, completamente privatizado no Rio, é um exemplo das máfias que tem aumentado os preços de seus serviços desproporcionalmente. Para piorar, o modelo de privatização da CEDAE faz com que somente as áreas que o mercado julgou “lucrativa” tivessem a mudança de modelo para a iniciativa privada. Ou seja, certamente haverá maiores desigualdades na distribuição de água. A parte da CEDAE que não foi privatizada terá poucos recursos para manter a distribuição nos municípios que não foram considerados “lucrativos”, o que certamente levará piores condições na distribuição na água especialmente nos municípios mais pobres.
Por esses motivos, uma manifestação de centenas de trabalhadores ocupou a ALERJ um dia antes do leilão, garantindo que houvesse uma tentativa de suspensão da privatização através de um projeto legislativo. Em um momento de pico da pandemia, os trabalhadores da CEDAE, junto com associações de bairros e favelas do Estado mostraram um exemplo da importância da luta contra a privatização e como essa luta deve ser central na construção de um programa que defenda os interesses do povo. Apesar da mobilização, o leilão ocorreu no dia seguinte, graças a uma decisão judicial que suspendeu o decreto da ALERJ. A liminar veio das mãos do mesmo desembargador que suspendeu o Especial de Natal do Porta dos Fundos por “ofender Jesus com insinuações homossexuais”.
A agenda do Governo Federal e a necessidade da construção de um programa à esquerda
Desde o início do Governo, a agenda bolsonarista prometeu na esfera econômica anos de aumento da política neoliberal no país e uma ofensiva na privatização das empresas estatais. Os desgastes do Governo nas outras esferas e a divisão das frações da burguesia sobre Bolsonaro dificultaram que essa agenda andasse na velocidade desejada pelos governistas. Guedes, no final de 2020, se dizia “frustrado” de não ter privatizado nenhuma empresa estatal até então. O plano até 2022 é que, começando pela CEDAE, diversas outras empresas sejam completamente ou inteiramente privatizadas, entre elas se destacam a Eletrobrás e os Correios.
Guedes tem o interesse de ir além do que já foi feito durante, por exemplo, os governos do PSDB, que se destacaram por um plano de privatizações no país marcado pela corrupção, vendas abaixo do preço de mercado e uma perda da propriedade de diversas empresas centrais ao desenvolvimento nacional – muitas delas lucrativas – para grandes empresários. As consequências são notáveis, além do aumento de preços de vários serviços no país, vemos empresas ex-estatais como a Vale se tornando responsáveis por alguns dos maiores desastres ambientais dos últimos anos, ao mesmo tempo que lucram bilhões por trimestre para a mão dos ricaços.
Essa agenda bolsonarista tem que ser combatida, tendo junto a isso a construção de um programa radicalmente contrário às privatizações como um todo. Desde Collor, a privatização não deixou em nenhum momento de ser parte dos planos dos sucessivos governos no país. Durante o Governo Lula, foram privatizadas linhas de transmissão de energia e bancos estaduais. No Governo Dilma, uma ofensiva de privatizações nos aeroportos, estradas e ferrovias marcou seus últimos anos de mandato. Mês passado, já em sua pré-campanha presidencial, Lula citou a possibilidade de privatizações parciais da Furnas, Eletrobrás e da Caixa Econômica, em entrevista à BandNews.
Ou seja, é necessário a construção de um projeto que afirme claramente uma oposição às privatizações de forma completamente diferente do que tem feito Lula. Nesse sentido, as mobilizações no Rio de Janeiro pelos trabalhadores da CEDAE foram uma importante demonstração de que ainda há resistência e espaço para luta do povo contra a venda do patrimônio brasileiro e essa política neoliberal. Construir e apresentar uma esquerda capaz de dialogar com essa indignação e que seja capaz de defender um projeto abertamente contra a privatização das empresas estatais junto a outros pontos contra o combate à corrupção é uma necessidade desde já.
Por isso, a esquerda precisa não só construir as mobilizações que surgem pelo país contra o projeto privatista – as mobilizações dos trabalhadores do Correio é outro exemplo que merece ser citado – mas também afirmar que seu projeto político para o país não passa pela privatização de nenhuma forma. Essa pauta econômica na esquerda tem que ser tratada não como uma moeda de troca para alianças eleitorais com partidos liberais, mas como um princípio fundamental do nosso programa para os 99% do país. A CEDAE, os Correios, a Eletrobrás são parte fundamental do patrimônio do povo brasileiro e com todas suas limitações ainda são pilares centrais para a construção de um projeto de país que não seja voltado somente aos multibilionários. A esquerda tem que ter uma postura direta: ser contrária às privatizações de Bolsonaro e Guedes, mas construindo um programa anti-privatista amplo, pautando a defesa das empresas estatais junto a construção de um programa de reestatização e reversão das reformas anti-povo dos últimos anos.