Por que a arte se posicionar não é uma escolha?
Foto: Reprodução do Instagram @monicamartelli

Por que a arte se posicionar não é uma escolha?

Mesmo que nem toda arte fale diretamente de política, ela se refere a forma como enxergamos e vivemos no mundo. E isso necessariamente é político

Fabiana Amorim 6 jun 2021, 18:02

Entre CPI da COVID, mais milhares de mortos pela pandemia, anúncio da Copa América no Brasil, possibilidade de boicote da mesma pela seleção brasileira, defensiva e mentiras de Bolsonaro em Rede Nacional e a convocatória de uma nova data de mobilização, a semana foi pautada pela discussão dos “delírios” comunistas a partir do “desabafo” da atriz Global Juliana Paes. O motivo? Cansada do extremismo, da necessidade de ter que se posicionar e a defesa de um liberalismo “sensato”.

Fomos colocados então, diante da reflexão do porquê e para quê existe a “classe artística”. Felizmente Juliana foi contestada por muitos colegas. Felizmente existem no Brasil muito artistas e fazedores de cultura que compreendem seu papel, sua responsabilidade, e entendem, que o Brasil profundo é muito mais que a Faria Lima e a Barra da Tijuca. Ainda que essa não seja uma discussão nova, é nos momentos onde a barbárie se escancara, que ela se torna ainda mais urgente e toma a cena.

Na sociedade de classes, já dizia Marx, a ideologia dominante, é a ideologia da classe dominante. Não apenas as relações de produção, mas também as relações de sociabilidade formam as nossas ideias. E a arte está presente desde o momento em que os homens e as mulheres decidem se diferenciar dos animais. Desde as sociedades primitivas, quando apenas pescávamos e caçávamos, já retratávamos nas paredes das cavernas esse modo de vida.

Ou seja, não há como dissociar a arte da vida social como um todo. É bem verdade que com o surgimento da divisão do trabalho, também tivemos a divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual. Os que fazem e os que pensam. Um mecanismo poderoso de dominação que permite a construção de uma hegemonia capitalista que não precisa mais se dedicar apenas à dominação pela força. Se domina a partir da reprodução social, de um modo de vida, que visa manter a ordem das coisas como estão. O liberalismo racionalista vende a ideia de um pseudo consenso.

Não só os aspectos materiais, mas também espírito e intelectuais estruturam a base da sociedade em que vivemos. E é por isso, que essa discussão não é só sobre se posicionar ou não contra Bolsonaro. Se assumimos que a arte busca refletir e reproduzir a natureza humana, devemos também assumir que ela é parte fundamental da disputa entre qual modelo de sociedade queremos viver.

A indústria cultural transformou a arte em mais uma mera mercadoria. Colocou sobre nós as pressões desse ente “abstrato” que é o mercado. Como se fosse imparcial, como se fosse possível apenas retratarmos as coisas como hoje são. E sendo assim, deveríamos estar à parte das disputas políticas, e ser um “descanso” para a mente e o espírito de quem vive para o trabalho.

Mas essa divisão é falsa. Não é possível. Mesmo que nem toda arte fale diretamente de política, ela se refere a forma como enxergamos e vivemos no mundo. E isso necessariamente é político. Assume um lugar e um ponto de vista. Se nós não queremos nem aceitamos a barbárie de nosso tempo, também precisamos disputar outro modo de vida. Não apenas de novas relações entre as pessoas, mas outro modelo de produção e condições materiais para nosso povo.
Isso não será feito por decreto, ou apenas pela afirmação de um sujeito, como tentou fazer o realismo soviético, mas incomodando, questionando, disputando cada significado do que estamos vivendo. Apontando para o que verdadeiramente acreditamos que seja vida. E sem dúvida alguma, ela é o oposto do que o genocida Bolsonaro têm nos feito passar nesse país


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