As fraudes não vão passar em branco! Por uma banca de heteroidentificação na USP
Ato por Cotas na USP

As fraudes não vão passar em branco! Por uma banca de heteroidentificação na USP

4 anos após a aprovação das cotas étnico-raciais na USP a universidade não concluiu 0,5% dos processos de fraudes no sistema de cotas. A luta por uma banca de heteroidentificação é urgente para garantir que os estudantes negros ocupem as vagas que lhe são de direito.

Leonardo Mariz 8 jul 2021, 11:48

HISTÓRICO

A construção da sociedade brasileira se deu a partir da escravização de pessoas não brancas e acabou há apenas 133 anos. Esse fardo culminou na realidade em que a forma natural pela qual as relações se constituem, seja na dimensão política, social, jurídica ou econômica, favorece brancos em detrimento de não-brancos, a isso dá-se o nome de racismo estrutural.

Nesta sociedade constituída a partir da violência contra não-brancos e transpassada pelo racismo estrutural é possível identificar formas de discriminação, dentre elas aquela que deriva das instituições compostas hegemonicamente por membros do grupo dominante e que, a partir disso, servem à consecução de seus interesses, o que, de forma secundária, culmina no desfavorecimento de grupos minoritários.

Por isso, quando se pensa em uma instituição centenária, como é o caso da USP, e formada majoritariamente por uma elite racialmente branca, pode-se notar que o racismo institucional se faz presente, o que exige ação positiva voltada a enfrentar de maneira objetiva a forma natural como a instituição funciona e atacar diretamente a desigualdade racial naturalmente imposta.

Foi a partir do reconhecimento desta realidade que a USP, tardiamente, instituiu as cotas raciais de forma tímida em apenas alguns cursos no ano de 2017 e, no dia 04 de julho do mesmo ano aprovou a instituição da política para toda a universidade aos ingressantes em 2018. Esse processo foi fruto de muita luta e mobilização do movimento negro e estudantil, em mais de trinta anos de existência do Núcleo de Consciência Negra da USP, uma das primeiras entidades a debater a necessidade de implementação de ações afirmativas nas instituições de ensino superior no país. 

HOJE

Quatro anos após a aprovação das cotas raciais a USP atingiu o número de 51,7% dos ingressantes provenientes de escola pública, sendo que 44,1% se autodeclaram pretos, pardos ou indígenas (PPI), entretanto a inércia da instituição no combate às fraudes é um ponto a ser questionado. 

Tendo isso em vista, os próprios alunos fundaram o “Comitê Antifraude USP” voltado à coleta de denúncias de fraudes no ingresso. Entretanto, isso não basta, pois é imprescindível a existência de políticas institucionais direcionadas ao tema, além da conclusão de processos abertos para averiguar denúncias de fraude.

Apenas 1 de 193 processos foi concluído, caso em que um fraudador branco se declarou pardo, mas foi expulso do curso após não comprovar a declaração. Estas informações servem à demonstração do completo descaso da instituição frente ao racismo institucional por ela perpetrado, que, nesta hipótese está no não fortalecimento da política de combate à exclusão racial e, por consequência, na manutenção da exclusão, posicionamento racista e inadmissível dado todos os avanços alcançados pelo movimento negro.

SOLUÇÃO

Neste sentido, é importante que haja mudanças na atuação institucional da USP como a implementação de medidas preventivas e repressivas. No primeiro caso, há a atuação da banca de heteroidentificação da UNICAMP, que em 2020 rejeitou 69 estudantes autodeclarados PPI. Acerca da repressão, exige-se maior celeridade na conclusão dos processos após as denúncias.

Fraudar cotas é crime de falsidade ideológica. Para além de tudo é uma prática racista e de não garantia do funcionamento da política pública de ações afirmativas. Quando aprovadas as cotas no Brasil, o STF já indicou a necessidade de mecanismos preventivos que foram instituídos não só nas universidades federais, mas também nos concursos públicos. Ou seja, nacionalmente as bancas de heteroidentificação são consideradas como o melhor mecanismo. Contudo, a não implementação demonstra a falta disposição e interesse político da reitoria da USP em seguir com um projeto de democratização da universidade que combata a perpetuação do legado de uma universidade elitista. 

Portanto, visto que a normalidade da sociedade brasileira é a perpetuação do racismo, é relevante a mobilização estudantil voltada ao combate à perpetuação dessas violências, pois somente a partir da luta, alcançaremos a vitória. Assim como conquistamos as cotas com luta, é só com luta que conseguiremos garantir a sua continuidade e seu funcionamento! 


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