A oposição de esquerda segue sendo uma necessidade e será a chave para as nossas vitórias
Manifestação em defesa da UFRJ

A oposição de esquerda segue sendo uma necessidade e será a chave para as nossas vitórias

Um diálogo com os militantes do RUA

Fabiana Amorim 27 jun 2022, 14:04

O campo de oposição de esquerda na UNE se conformou como uma necessidade histórica. Diante da chegada do PT ao governo federal, sendo estes, governos de conciliação de classes, que apesar de promoverem avanços importantes na educação, também promoveram cortes, abriram espaço para o avanço da educação privada e implementaram projetos privatistas como a Empresa Brasileira de Redes Hospitalares nos hospitais universitários. Foi fundamental nestes anos a existência de um campo que pudesse ter independência política na defesa intransigente da educação pública, participando por exemplo, ao lado do ANDES e da FASUBRA, de greves históricas como a de 2012, ano que tivemos os primeiros cortes na educação promovidos pelo governo.

A partir das gigantescas manifestações de 2013, que aliás, tiveram um pontapé importante dentro das próprias entidades estudantis como o DCE da UFRGS, da USP e da UFRJ que convocaram as manifestações contra o aumento das passagens, abriu-se uma cratera na política brasileira, demonstrando as contradições que ainda vivíamos num país com profundas desigualdades e concentração de terra, poder e renda, nunca verdadeiramente enfrentadas pelo governos petistas, que optou por governar com as velhas oligarquias. Esse foi um marco importante que nos traz até o momento atual em que vivemos, pois a partir daí, as ruas passaram a ser um campo central de disputa dos rumos do país.

Com o acirramento da crise, não apenas no Brasil e não apenas política, mas sobretudo também econômica, que esfacelou qualquer possibilidade de seguir com medidas de avanços sociais, a direita também disputou o sentido das ruas e de insatisfação do povo com o governo, levando até ao impeachment de Dilma em 2016. A polarização se tornou a marca desse momento, pois mesmo com a acertada decisão histórica de fundação do PSOL para ocupar o espaço de uma alternativa de esquerda radical, que levasse adiante os interesses da classe trabalhadora e dos estudantes, quem mais conseguiu ocupar este espaço vazio foi a extrema-direita com a eleição de Bolsonaro. Para além da expressão ainda insuficiente do PSOL, parte disso se deu porque a esquerda confundiu-se com o regime. A palavra de ordem de “defesa da democracia” bastante utilizada nesse período, sempre foi muito distante da maioria da população. Os povos indígenas, a população negra e periférica, as mulheres e trabalhadores que seguiram massacrados e assassinados nos seus territórios, nunca se viram representados numa democracia dos ricos, de instituições que não são neutras, possuem lado na luta de classes e jamais foi o nosso.

A partir desse momento, tivemos uma relocalização da UNE nas bases do movimento estudantil. A entidade que durante os governos petistas atuou mais como uma correia de transmissão do MEC, voltou a ser uma referência fundamental para os estudantes. Isso também, porque o governo Bolsonaro elegeu a UNE e as universidades públicas como inimigas, promovendo cortes com as absurdas acusações de “balbúrdia” às universidades e de “ninhos de ratos” ao movimento estudantil. É lógico que mesmo que os cortes na educação não tenham iniciado no governo Bolsonaro, tampouco no governo Temer, a situação mudou qualitativamente. Mais do que não valorizar devidamente a educação, o projeto de Bolsonaro e do bolsonarismo sempre foi de destruição da universidade pública enquanto um espaço de livre pensamento, de questionamento às suas ideias fascistas, e também de ataque ao perfil negro e popular que têm transformado as universidades com a conquista das cotas raciais.  Nesse sentido, o conceito de “unidade” passou a ser mais agitado e mais necessário. Pois tanto os setores que fazem parte da majoritária quanto da oposição na UNE, passaram a estar do mesmo lado nas trincheiras em defesa da educação e contra este governo que nunca escondeu sua intenção de implementar um projeto autoritário e de fechamento do regime.

Isso significa que a oposição de esquerda da UNE perdeu seu sentido de existência a partir do governo Bolsonaro? Acreditamos que não, por três principais motivos. O primeiro é que ainda existem diferenças no nosso programa de educação. Os companheiros do RUA, que optaram por nas eleições da maior universidade federal do país, a UFRJ, na qual constroem o DCE Mário Prata há mais de dez anos, a saírem do campo do DCE (Correnteza, Juntos e UJC) para compor com a chapa da Majoritária (UJS, Levante e PT), estiveram ombro a ombro conosco na luta contra a implementação da EBSERH na única universidade que ainda não havia adotado esse modelo retrógrado de gestão. Mas é sabido que a EBSERH é defendida historicamente pelo campo majoritário, não apenas na UFRJ, mas nacionalmente atuaram pela sua aprovação. Na UFF, por exemplo, foi diante de bombas e balas de borracha aos que protestavam contra a privatização do HU que os conselheiros da majoritária votaram pela EBSERH. A oposição de esquerda nunca titubeou sob qualquer hipótese de abrir mão do caráter público da universidade.

O segundo motivo é que os setores que compõem o nosso campo, apostam na via da mobilização coletiva como forma de conquista. Sabemos inclusive, que a estratégia utilizada pela “Campanha Fora Bolsonaro”, dirigida especialmente pela CUT, foi de esfriamento das ruas no momento em que se abriu uma hipótese de ofensiva contra Bolsonaro em 2021. A oposição de esquerda foi fundamental para que déssemos um primeiro passo de ida às ruas contra o governo genocida, mesmo com setores do PT dizendo que era equivocado e que deveríamos apenas desgastar Bolsonaro e resolver o problema em outubro de 2022. Assim como sempre falamos juntos de que “só a luta muda a vida”, acreditamos que a orientação fundamental para o movimento estudantil é de confiar apenas nas nossas próprias forças.

Por fim, o terceiro motivo, é que o campo que constituiu a oposição sempre foi crítica e denunciou a busca da velha esquerda por conciliar interesses irreconciliáveis. Não esquecemos Belo Monte e o exército na Maré. Apostamos, ainda que com diferentes tradições históricas, na necessidade de uma esquerda independente e anticapitalista, que entende que só será possível levar adiante uma bandeira como a Reforma Agrária, por exemplo, se tivermos uma esquerda comprometida com os sem-terra, com os indígenas, ribeirinhos e trabalhadores do campo e não com o agronegócio e latifundiários. E a tarefa da construção de uma alternativa para nosso povo, mesmo com a derrota eleitoral de Bolsonaro, seguirá sendo necessária, visto que o lugar de Alckmin já sinaliza a continuidade do projeto de conciliação de Lula.

Acreditamos ser uma aposta equivocada centrar a composição das entidades estudantis na eleição de Lula neste ano. Isso não significa que achamos menor a tarefa de derrotar eleitoralmente Bolsonaro e até mesmo de ser parte da campanha de Lula, principalmente diante da possibilidade de derrotar Bolsonaro no primeiro turno. Mas inclusive a derrota eleitoral de Bolsonaro, passa pela construção de entidades radicalizadas, que tenham capacidade de mobilizar os estudantes nas ruas a partir dos problemas urgentes e concretos que estamos vivendo neste momento, com UFs e IFs com prazo de validade por conta dos cortes e um processo absurdo de expulsão dos estudantes pobres diante da falta de política de permanência. Fazer uma eleição à quente, com a volta da disputa nas ruas como foi o Ele Não, com comitês e mobilizações antifascistas é uma tarefa urgente que temos que construir. Sabendo que Bolsonaro seguirá fazendo testes de até onde a frágil e incompleta democracia brasileira pode ir.

Mas é necessário entrar na campanha de Lula com os pés no chão, sob a bandeira principal do antifascismo. Não podemos ajudar a criar ilusões nos estudantes de que será apostando as fichas em um programa que não nos representa que iremos superar o bolsonarismo e muito menos a crise que estamos vivendo. É necessário lutar com todas nossas forças para derrotar Bolsonaro, mas também seguir com nossa independência a qualquer governo que venha a atacar os estudantes e a classe trabalhadora. Nossas vitórias passam por combinar as tarefas do agora com o que vem pela frente.


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