Identitarismo marxista e performance revolucionária
Tarsila do Amaral

Identitarismo marxista e performance revolucionária

Pouco se fala sobre um identitarismo puramente performático e conservador que tem se tornado comum entre os jovens que estão começando a se aproximar dos ideais revolucionários: o identitarismo marxista. Saiba porque esse é um fenômeno regressivo.

Misa Gonçalves 14 fev 2023, 18:48

Todas as vezes em que os debates sobre opressão e vivência que estão alinhadas à identidade surgem, vemos a emergência de um discurso (desonesto, na maior parte das vezes) que enquadra tais perspectivas sob o termo “identitarismo”. No entanto, pouco se fala sobre um identitarismo puramente performático e conservador que tem se tornado comum entre os jovens que estão começando a se aproximar dos ideais revolucionários: o identitarismo marxista.

Quando falo em “identidade” quero, na verdade, falar em um campo de reconhecimento coletivo que leva, no caso de identidades oprimidas, à uma posição social, seja na luta ou nas hierarquias que sustentam o capitalismo. No entanto, ao falar de “identitarismo marxista” minha intenção é apontar uma tendência nas organizações e nas juventudes que resulta em um individualismo pequeno burguês, dogmatismo e na má compreensão dos movimentos da classe trabalhadora em torno das suas demandas.

Tal comportamento não é novidade, tendo em vista que atitudes de seita haviam se tornado comum entre organizações que reivindicavam o marxismo. Nesse sentido, E.P. Thompson descreve essas ações como reflexo da política stalinista, ou seja, de uma casta burocrática que se utiliza de seu espaço social e histórico entre a classe trabalhadora para a extensão dos seus próprios interesses. Além disso, o dogmatismo apresenta enraizamentos ainda mais extensos, tendo em vista que o mesmo comportamento pode ser visto, como apontava Nahuel Moreno, nos grupos trotskistas que não possuem profunda compreensão da agência histórica das massas e na sua capacidade de pensar novas formas de ação a depender das suas necessidades concretas.

Contudo, nos últimos dias tem se assistido um crescimento fetichista de uma performance puramente estética entre a juventude, ainda mais intensificado pelas interações nas redes sociais. Desse modo, tem surgido, em uma escala considerável, páginas e “coletivos” que, na intenção de divulgar o marxismo, acabam por alimentar uma mentalidade de seita que tem como fim último a auto reivindicação e não a emancipação e liberdade da classe trabalhadora que é produto, como nos lembrava Rosa Luxemburgo, da sua própria ação.

Não é à toa que desses espaços saem discursos conservadores e masculinistas, resultando em ataque coletivo principalmente contra mulheres e pessoas trans que discordam e denunciam essas práticas. É aí que reside uma das características desse grupo: a briga constante pela auto afirmação e pelo purismo performático reside numa estética masculinista que, além de anti-marxista, é reacionária e se infiltra facilmente na juventude por meio de cultos às lideranças.

Podemos e devemos analisar de modo crítico as lideranças históricas e grandes quadros do movimento operário, não é à toa que reivindicamos Lênin, Trotsky, Rosa Luxemburgo, etc. No entanto, o culto ao líder reside na sua defesa acrítica como forma de pertencimento a algo (aqui se nota a mentalidade de seita) e na denominação do outro como inimigo a partir dos parâmetros usados pelo grupo para definir quem pode ser visto como aliado ou não, fenômeno que se intensifica quando o debate é a relação histórica entre stalinismo e trotskismo.

O perigo mora na captação da juventude para um projeto perigoso e oportunista que não visa a criticidade teórica e nem o reino da liberdade, como Marx e os socialistas humanistas defenderam, mas sim a reprodução de um vanguardismo burocrático que coloca líderes acima da agência da classe trabalhadora. Assim, buscam fórmulas rígidas para se pensar a mobilização da classe e a revolução ao invés de reconhecer que, como apontado por Nahuel Moreno, as organizações devem se adequar aos movimentos das massas e não o contrário.

As palavras de ordem e o horizonte de luta devem servir como instrumento de aproximação com uma movimentação já existente, ou seja, das massas. Contudo, essa busca performática e auto afirmativa não possui relevância alguma no cotidiano da classe trabalhadora, que expressa sua luta nas suas demandas concretas e cotidianas e não nas abstrações impostas por uma casta burocrática que se pretende revolucionária.

Assim, reina a visão paternalista e sectária que compreende o marxismo como um conjunto de dogmas na qual as lutas existentes devem se adequar. A problemática dessa visão está na não compreensão da importância de aprender com as diferentes formas de organização das massas e inclusive de moldar nosso horizonte revolucionário a partir desses aprendizados.

Trótsky, ao escrever um programa de transição, aponta que esses sectários “(…)incapazes de encontrar acesso às massas, estão sempre dispostos a acusá-las de serem incapazes de se elevar até as idéias revolucionárias”. Eis a necessidade de disputar a juventude para a construção de um programa de luta que encontre sua síntese não na defesa acrítica de lideranças e nem no vanguardismo que limita a ação da classe trabalhadora, mas na organização diária das massas em torno das suas demandas imediatas e na defesa de um socialismo verdadeiramente livre e emancipatório.

É nesse contexto que mora nossa aposta no Coletivo Juntos! e no PSOL que, apesar das suas contradições, continua sendo uma grande ferramenta de mobilização das massas e espaço de disputa interna para que aponte uma alternativa anticapitalista e independente. Como afirmava Nahuel Moreno, tão citado durante o texto, a grande tarefa dos marxistas (especialmente dos trotskistas) não deve ser o culto ao líder e nem a performance revolucionária, mas a mobilização permanente em torno da libertação da classe trabalhadora e o fortalecimento das lutas cotidianas, na qual a juventude possui grandiosa importância.

Não possuímos fórmulas prontas e etapistas para a revolução, e sequer acreditamos que elas existam. Portanto, compreendemos que nossos sonhos de sociedade são produtos da construção diária e autônoma dos mais diversos segmentos dos grupos oprimidos e explorados.

Viva o Movimento Juntos! Viva a juventude.


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