O que é ser não-binárie? O que é ser trans?
Foto: Agência Brasil

O que é ser não-binárie? O que é ser trans?

Garantir a presença de pessoas trans na universidade significará um salto de qualidade para o conhecimento produzido em nosso país e para a visibilidade das vivências trans na nossa sociedade.

Gabe Carvalho e Sarah Micoski 7 mar 2023, 11:30

Existem muitas respostas possíveis para essas perguntas, mas é necessário pensar que esses termos existem no contexto de uma sociedade cisnormativa e trans-excludente. Nesse contexto, o aspecto central de ser trans e de ser não-binárie é que se tem um corpo que é invisibilizado e violentado constantemente.

Somos excluídes da sociedade desde que nascemos: expulses de casa, atacades nas escolas, privades do nosso direito de existir. Não há um minuto de paz para nós, que vivemos no país que mais mata pessoas trans no mundo e que temos expectativa de vida de até 35 anos de idade.

A esmagadora maioria das pessoas trans, especialmente das travestis, vê-se forçada ao trabalho sexual para garantir sua subsistência — um trabalho informal (que, portanto, não possui direitos trabalhistas) e que se torna ainda mais perigoso para corpos que são alvo de crimes de ódio transfóbicos.

Há um longo caminho a ser trilhado até que pessoas trans tenham sequer o mesmo acesso ao emprego digno que as pessoas cis têm, este já limitado por si só. Mas esse caminho de emancipação, que só poderá terminar com a refundação da nossa sociedade a partir de suas raízes mais profundas, começa com a ocupação por corpos trans dos espaços que definem os rumos da nossa realidade.

Por isso é necessário falar das cotas trans nas universidades. O debate acadêmico, embora muitas vezes fique “encastelado” nos círculos intelectuais, tem um impacto real nas noções de realidade da nossa sociedade; basta ver o salto de qualidade no senso comum sobre racismo estrutural desde que foram conquistadas as cotas étnico-raciais.

É porque quase não há pessoas trans nos cursos de medicina que é tão difícil encontrar profissionais da saúde preparades para lidar com os nossos corpos, e porque quase não há pessoas trans trabalhando com História que ainda é comum falarmos de “homens” e “mulheres” de formas anacrônicas, sem entender que esses conceitos não significaram sempre o mesmo que hoje. Os exemplos são incontáveis.

Garantir a presença de pessoas trans na universidade significará um salto de qualidade para o conhecimento produzido em nosso país e para a visibilidade das vivências trans na nossa sociedade. Mas para além disso, permitirá à população mais precarizada um horizonte de acesso ao ensino superior e ao emprego formal. Profissionais trans e não-bináries inserides nas mais diversas categorias significará que a nossa existência será vista de forma mais natural por quem passar a conviver diariamente conosco. Não só isso, mas também que as pautas da luta trans estarão inseridas nos mais diversos ambientes de trabalho e de luta por direitos da classe trabalhadora, permitindo um salto de qualidade na nossa capacidade de mobilização pela pauta trans.

As cotas, sejam étnico-raciais, trans, PCDs ou de qualquer outro tipo, são insuficientes e não devem ser tomadas como o nosso objetivo último (como são para alguns setores próximos ao PT e à social-democracia, a exemplo do PCdoB); mas são um passo importante e indispensável para a emancipação da nossa população, e para que tenhamos acesso ao mínimo de respeito e dignidade no decorrer da nossa luta.


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