Os desafios das juventudes do PSOL
Uma polêmica com o campo Juventude Sem Medo
Na política nada é por acaso e nenhuma disputa se dá de forma isolada. O 59º Congresso da UNE expressou diversas disputas internas e externas dentro do movimento estudantil. Entre elas, para aqueles que constroem movimentos ligados ao PSOL, duas se sobressaíram: a principal, naturalmente, era a que moveu todo o congresso – qual será o papel da UNE na atual conjuntura brasileira. Mas, ao mesmo tempo, outra batalha estava sendo travada – a de qual papel que as juventudes do PSOL teriam nos próximos dois anos e com que papel seguiriam construindo o movimento estudantil.
Diferente de outros congressos, a instabilidade entre campos e organizações foi uma marca de todo processo eleitoral. A segregação de chapas em disputas que muitas vezes se tornavam despolitizadas – debatendo mais a tática e o detalhe do movimento do que a estratégia – foi uma expressão visível de um momento do movimento estudantil onde as lutas de ruas ainda não tinham se massificado. A falta de mobilizações reais facilitou com que as disputas centrais das políticas da educação no período não fossem correspondentes a chapas unitárias da oposição: ao invés de uma unidade de todos setores contrários ao arcabouço fiscal, ao novo ensino médio e por uma UNE independente, nos principais centros políticos a oposição entrou em disputa entre si.
Esse processo despolitizante foi facilitado por organizações como o Correnteza e UJC, que mesmo tendo uma posição firme contra as políticas neoliberais de governo priorizaram sua autoconstrução a uma política contínua de unidade. Isso permitiu um teste importante das juventudes do PSOL: chapas unitárias por todo país representando um movimento estudantil independente do governo, mas com capacidade de disputar uma política de maioria social, ou seja, mais focados em fortalecer a luta dos estudantes do que só promover seus coletivos.
Essa foi uma experiência que nós do Juntos construímos em todo país, da UFPA a USP estivemos fazendo um teste buscando estabelecer um polo do PSOL dentro da oposição que pudesse, ao mesmo tempo que demonstrasse sua independência política e fortalecesse as lutas necessárias contras as medidas do governo que afetam diretamente os direitos estudantis, se tornasse referência para os estudantes como um setor mais amplo e compromissado com as pautas reais dos estudantes. Dirigimos ou participamos de diversas chapas com esse perfil, buscando poder demonstrar uma capacidade real de unidade nas lutas que a oposição não estava encontrando naquele momento.
Essa aliança, naturalmente, não foi sem contradições. Em diversos espaços do país, como no Rio Grande do Sul ou no Tocantins, foi a opção de alguns coletivos da Juventude Sem Medo, como o Afronte, de sair em chapas unificadas com a majoritária. Na UnB isso se expressou de forma ainda mais contraditória, com a retomada após décadas do DCE para a oposição ter como um dos adversários uma chapa construída pela majoritária com o esse mesmo coletivo.
Sabemos que isso não é uma expressão isolada do resto da disputa da conjuntura nacional e do próprio PSOL. A proximidade do Congresso do partido já vem explicitando algumas disputas sobre a concepção do que será o futuro do PSOL. A Juventude Sem Medo, representante do bloco que até então tem sido construído como direção majoritária do partido (PSOL de Todas as Lutas), expressa uma unidade entre duas concepções em diálogo de perspectiva partidária. A primeira, construída pelo PSOL Popular (Revolução Solidária e Primavera – ou na juventude Fogo no Pavio e Manifesta), expressa uma política de adesão ao governo federal, defendendo abertamente que o PSOL deve ser parte do governo Lula. A segunda, do PSOL Semente (Resistência, Insurgência e Subverta – ou na juventude Afronte, RUA e Travessia) expressa uma posição mediada não defendendo a adesão do PSOL ao governo, mas em uma linha que legitima a direção dos setores do PSOL Popular em um discurso sobre a necessidade de unidade contra a extrema-direita˜.
A postura do PSOL Semente, porém, deu espaço e permitiu, na sua juventude, diversas alianças contraditórias, na qual a partir de um discurso abstrato de unidade, privilegiou construções com a majoritária da UNE que seguiam sem uma posição sobre o arcabouço fiscal e sem incentivar as lutas contra o NEM. Disputamos com os companheiros que, ao mesmo tempo que era importante o PSOL se apresentar como alternativa, também era fundamental localizá-lo como um setor que poderia se tornar um polo agregador explícito da oposição, capaz de fazer com que as pequenas disputas de método pudessem se transformar na disputa da grande política: ou seja, um setor capaz de costurar uma unidade em torno de uma UNE independente, combativa e anti-neoliberal.
Construímos e buscamos todos setores do PSOL nesse sentido, tentando costurar reuniões que possibilitassem a armação de um polo por dentro da oposição que amadurecesse e ampliasse o alcance dos setores da UNE que buscavam uma reconstrução do movimento estudantil. Apresentamos que entendíamos o CONUNE não como um ponto de chegada, mas sim de partida, um que poderia permitir que aqueles que fossem críticos a falta de posição da majoritária sobre os principais ataques aos estudantes no último período pudessem encontrar uma síntese a partir das contradições reais da entidade.
Essas contradições, não por acaso, se expressaram visivelmente antes e durante o congresso. Em busca de construir um pacto no movimento estudantil que legitimasse o pacto de unidade nacional que o governo vem construindo com setores da burguesia, a majoritária da UNE moveu todos instrumentos à sua disposição. Buscou o maior controle do seu mapa do Congresso possível, artificializando o CONUNE de forma ainda mais aguda que os processos anteriores e montou uma programação focada na ideia que precisamos de uma unidade entre todos para defender o governo custe o que custar, como única forma de derrotar o neofascismo. Isso justificava um Barroso na mesa de abertura, uma saudação acrítica ao ministro Camilo Santana e, pior de tudo, o impedimento da convocação de um dia nacional de lutas contra o Novo Ensino Médio no fim do Congresso.
Mas esse discurso também serviu para atuar e incidir sobre a Juventude Sem Medo. A vacilação que essas juventudes tiveram em votar a resolução de conjuntura junto à majoritária demonstrou um problema de concepção ainda maior. A unidade por si só não é uma garantia da vitória contra o neofascismo, a depender de como é articulada, pode levar inclusive à derrota. Nós acreditamos fortemente, sim, que é necessária uma unidade nas lutas contra a extrema direita. Priorizamos, por exemplo, a luta em defesa do MST, uma pauta que foi negligenciada na programação do Congresso, que montou uma atividade sobre o tema, que poderia ser o centro da real unidade antifascista, de forma despriorizada.
Mas a unidade antifascista não pode significar a adesão aos setores que, desde o começo, criaram as condições para este campo reacionário se desenvolver no país. As políticas do governo como o arcabouço fiscal, o baixo aumento do salário mínimo, o novo ensino médio, entre tantas outras, não são pautas para termos unidade. Permitir um falso consenso entre essas pautas é o mesmo que permitir que a extrema direita reorganize a indignação que possa surgir com a crise que ainda não superamos. Isso precisa ser expresso no movimento estudantil também – não há como haver concordância conjuntural com quem não coloca no centro a luta contra o arcabouço fiscal e as medidas neoliberais.
Buscamos debater com os setores da Juventude Sem Medo nesse sentido. Hoje, pode haver um desgaste real entre as organizações que compõem a oposição pelos métodos e formas diferentes de construir movimento estudantil. Mas isso não pode expressar uma confusão sobre o centro da disputa política do movimento: o estudantes foram ponta de lança na luta antifascista construindo mobilização real nas ruas, precisamos de entidades que busquem dar continuidade a uma agenda nas ruas e não virar as costas para as contradições que estamos vivendo na atual política educacional.
Estivemos juntos em diversas lutas com juventudes que compõem a JSM historicamente, inclusive durante governos petistas, como no caso dos cortes do governo Dilma em 2015. A necessidade em conjunto de enfrentamento à direita mantendo a independência e uma perspectiva crítica aos ataques à educação que a política de conciliação criavam sempre foi algo que conseguimos consensuar. Agora parece haver uma confusão, proposital ou não, sobre essa perspectiva de unidade. Seria impossível imaginar alguma dessas juventudes dividindo palco com os setores governistas na época, mas agora tivemos que presenciar essa situação.
Logo antes dessa defesa, soubemos por parte da UJS que não seria consensual uma carta em comum do CONUNE puxando um 11 de Agosto contra o Novo Ensino Médio. Na justificativa deles, o NEM seria somente uma pauta da UBES, tendo como foco para a UNE o PNAES e a lei de cotas. Essa separação das lutas demonstra que existe pouca disposição real de unidade nas lutas da majoritária da UNE – todos esses temas estão casados e relacionados, a não existência de um dia unitário significa que o foco da UJS não é o de construir uma unidade do movimento estudantil em torno das lutas consensuais do movimento, mas de impedir que o movimento possa questionar o governo no que for necessário.
Duvidamos muito que essa seja a mesma posição da militância dos coletivos da Juventude Sem Medo. Mas a decisão de votar a conjuntura com a majoritária no mesmo congresso onde se impede uma construção unitária contra o NEM faz com que a JSM fique em posição de legitimar as movimentações burocráticas desse setor. Buscamos dialogar com essas juventudes para impedir que isso acontecesse, infelizmente, suas posições foram opostas.
Existe um terceiro campo na UNE?
Após muita indefinição a Juventude Sem Medo costurou uma unidade com o Quilombo, juventude do PT, para garantir uma cadeira na executiva. Nas redes, tem divulgado essa aliança como um terceiro campo da UNE. Nós não acreditamos que isso seja real.
Não houve durante todo processo eleitoral do CONUNE nenhuma disputa que colocasse um terceiro campo em disputa na entidade. Isso se deu simplesmente porque as disputas centrais da entidade não permitiam isso. A busca da majoritária da UNE é a de agregar todos setores que permitam legitimar o governo, mesmo que abrindo mão da mobilização social para isso. Aqueles que acreditam que o papel do movimento estudantil não pode ser subserviente ao governo, acabaram se encontrando em posições similares, mesmo que partindo de métodos e espaços muito diferentes.
A chapa de oposição foi construída nesse sentido, como um ponto de partida, de recomeço. Uma oposição capaz de levar às ruas os estudantes que não serão levados pela UNE no 11 de Agosto pode não ter se iniciado como uma realidade consolidada pré-congressual, mas se tornou uma necessidade da conjuntura. É uma decisão que todos setores da UNE terão que ter uma hora ou outra: se priorizarão a luta dos estudantes e a defesa da educação ou se permitirá que, num discurso formal de unidade, se esvazie as ruas?
A chapa construída pela Juventude Sem Medo foi uma tentativa de não dar resposta a essa pergunta. Foi uma vacilação que permitiu que a mesa diretora da UNE voltasse a não ter nenhum setor que, com as contradições que fossem, apostasse na luta das ruas.
Ou seja, assim como a construção de uma chapa de diversas juventudes petistas por fora da majoritária não cria um novo campo, essa chapa própria da JSM também não funda nenhuma novidade na entidade, pois não altera o debate central da UNE: o movimento estudantil deve ou não ser subserviente ao governo? Houve, na realidade, uma legitimação da direção majoritária sem que isso construísse uma chapa da unidade – talvez impossível nesse momento pelo desgaste que geraria na base desses movimentos. Uma opção que vai custar caro nos próximos anos.
Os próximos passos para as juventudes do PSOL
Apostamos, enquanto Juntos, na construção de uma unidade de todos setores que estavam de acordo com quatro pontos fundamentais: a luta contra o arcabouço fiscal, contra o NEM, a defesa de uma UNE independente e a possibilidade de construção de lutas unitárias antifascistas. Julgamos que esses são os pontos fundamentais para reconstruir um novo espaço na entidade que permita um novo polo combativo dentro da UNE. Fizemos todos os convites possíveis à Juventude Sem Medo e todos setores do PSOL para serem protagonistas nessa costura.
Estivemos juntos com Pajeú, Ecoar, Alicerce e Revolução Socialista representando esse espaço, mas infelizmente a opção da Juventude Sem Medo seguiu outro caminho. Isso nos leva a abrirmos um importante debate: nas vésperas do Congresso do PSOL, qual devem ser os próximos passos para as juventudes do partido? Será a de legitimar indiretamente todas medidas do governo ou da construção de um polo independente capaz de representar as lutas do nosso povo?
Acreditamos que a segunda opção é a que leva a possibilidade real do combate da extrema-direita e de conquistar vitórias para a juventude. Convidamos toda juventude do partido a refletir nesse sentido. O PSOL não pode ser um ponto legitimador de políticas de congelamento das lutas da juventude, mas deve ser um setor próprio que permita seu impulsionamento.
Para isso é fundamental mobilizar para o 11 de Agosto, independente da posição da majoritária, como forma de colocar os estudantes nas ruas para impedir o avanço do Novo Ensino Médio. Precisamos seguir defendendo que só teremos chance de combater a extrema direita se avançarmos com medidas que dêem vitórias ao nosso povo, como a reforma agrária e urbana, ou a taxação das grandes fortunas e isso só será possível ocupando as ruas.
Não há espaço para vacilação. Só o PSOL atualmente tem o alcance e capacidade de ser exemplo da construção de uma alternativa de esquerda, capaz de construir unidade contra o neofascismo, mas sendo ao mesmo tempo independente do governo. Mas para isso, precisa mostrar ao que veio. A juventude do PSOL não pode cometer em seu congresso o mesmo erro que um dos setores cometeu no CONUNE. Maturidade política é entender que não existe espaço vazio e que legitimar o governo é muito diferente de ter capacidade de construir lutas em unidade. Que a extrema-direita cresce com as contradições conciliatórias que não são nossas, ao menos que nós possamos mostrar, pelas ruas, que o caminho não vai se dar com o bolsonarismo.
Esperamos que o CONUNE sirva como reflexão a toda juventude que busca em luta por um projeto que derrote a extrema direita e vá além do que temos hoje em dia, já que esse debate vai seguir agora, no Congresso do PSOL.