Neoliberalismo, Governo Lula e a Extrema-direita
Reprodução: Money Times

Neoliberalismo, Governo Lula e a Extrema-direita

“Ou seja, os setores que têm se reivindicado progressistas, ao aplicar o programa neoliberal de cortes e ajustes sociais, tem possibilitado uma consolidação da extrema-direita como uma alternativa antissistêmica, mesmo agora que já tiveram suas experiências no poder”

Theo Louzada Lobato 16 jul 2024, 16:09

No início desse mês, uma declaração entre o Ministro de Fazenda, Fernando Haddad e a Ministra do Planejamento, Simonte Tebet buscou reafirmar o compromisso do governo com o arcabouço fiscal. A previsão de um corte de 25,9 bilhões de reais em gastos sociais em 2025, com a possibilidade de contingenciamentos e cortes já nesse ano, foi a forma da gestão de Lula de reafirmar sua agenda econômica baseada na diminuição de despesas e no ajuste econômico.

Esse anúncio, que terá seu detalhamento até 22 de julho, pode afetar áreas importantes para diversos setores sociais, inclusive com possibilidades de cortes no próprio bolsa família. É uma mudança, porém, que se insere em um contexto que já vinha demonstrando a prioridade do governo federal: ainda em junho, como forma de manter as regras do arcabouço fiscal, Haddad defendeu que mesmo os constitucionais pisos da educação e da saúde pudessem ser redebatidos.

Ou seja, mesmo após uma greve das universidades e institutos federais que pararam as universidades por 3 meses, resultado de um descaso de quase 10 anos de cortes sucessivos na educação, o governo federal insiste que a melhor aposta política e econômica para o país é seguir a costura de uma agenda de cortes e contingenciamento nas áreas sociais. Em outras palavras, o governo Lula assume um programa econômico neoliberal como forma de manter uma estratégia de governar o país não só por meio de uma frente amplíssima com setores da burguesia, mas também pela aplicação de seu programa econômico.

Essa estratégia não é nova para o PT, foi a base de governança dos primeiros 13 anos em que o partido esteve no poder e serviu para desenvolver as principais contradições que levaram ao golpe de 2016, por mãos dos seus então aliados. A diferença é que, com o desenrolar da crise global que o capitalismo vive desde 2008, a extrema-direita tem se ampliado globalmente como alternativa, sabendo ocupar exatamente o espaço vazio que a confusão entre os setores tradicionalmente de esquerda e o neoliberalismo vêm deixado. Bolsonaro, mesmo, se gestou da confusão feita entre o petismo e o sistema político brasileiro. Mesmo a eleição de Milei foi também possível pela crise econômica no país e a opção do governo peronista de seguir uma rota de ajuste sociais.

Ou seja, os setores que têm se reivindicado progressistas, ao aplicar o programa neoliberal de cortes e ajustes sociais, tem possibilitado uma consolidação da extrema-direita como uma alternativa antissistêmica, mesmo agora que já tiveram suas experiências no poder. A ausência da apresentação de um projeto amplo, definido à esquerda e antineoliberal para servir de adversário direto à extrema-direita, permite que siga existindo um espaço vazio onde os representantes dessa agenda reacionária possam se reproduzir.

Por isso o exemplo francês é fundamental. A decisão de uma unidade dos setores da esquerda do país baseada em um programa que buscava aumentar o salário-mínimo e revogar diretamente as reformas liberais do governo Macron permitiu a derrotada da então favorita reacionária Reagrupação Nacional, demonstrando a centralidade que um projeto anti-neoliberal definido pode ter, visto que os representantes do macronismo também ficaram atrás da unidade da esquerda.

Portanto, debater a estratégia da esquerda brasileira durante o governo Lula segue sendo fundamental. Ter uma vitória decisiva e de longo prazo contra a extrema-direita só será possível se também houver uma afirmação de um programa da esquerda que se coloque enquanto uma alternativa em si e não somente uma mediação. Se diluir em um projeto neoliberal é repetir um erro do passado que permitiu o espaço a figuras como a de Bolsonaro se construírem. Esse não é um debate novo, mas se torna ainda mais atual com as últimas decisões do governo.

Nesse sentido, que processos de mobilização sociais recentes, como as greves recentes nas federais e a mobilização contra o PL do Estupro foram fundamentais, visto que afirmam um projeto de sociedade radicalmente oposto à concepção da extrema-direita. Mas nesse mesmo sentido, é necessário reafirmar uma crítica geral ao projeto econômico neoliberal que o governo Lula segue apostando.

Compreender que a extrema-direita precisa ser derrotada não só enquanto momento, mas enquanto projeto na sociedade é buscar entender quais razões estruturantes do porquê ela segue viva. Ou seja, é olhar também para as próprias debilidades do espaço não ocupado pela esquerda. Ser firmes nos princípios anti-neoliberais e construir um programa de esquerda e internacionalista para o país será fundamental para ampliar uma disputa que deveria estar sendo feita mais abertamente também contra as razões que permitiram o ascenso e manutenção do bolsonarismo no Brasil.

As eleições municipais podem servir para isso, ao construirmos candidaturas anticapitalistas também dispostas a disputar o sentido de projeto que temos na esquerda brasileira, ou seja, fortalecer posições independentes, mesmo de candidatos da burguesia apoiados pelo governo. Mas também seguir na aposta das ruas será fundamental, lutando contra qualquer tentativa de ofensiva reacionária, mas tendo a crítica aberta e sincera sobre a política neoliberal do governo federal.


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