O movimento indígena mostrou o caminho: independência e unidade com quem luta!
Foto: Fernanda Cabral

O movimento indígena mostrou o caminho: independência e unidade com quem luta!

“Ao retomar constantemente a memória dos que resistem, lembramos que o futuro é ancestral e que é a força da luta coletiva que transforma a
realidade!”

Beatriz Vasques e Nicole Ferreira 18 fev 2025, 12:00

No dia 16 de dezembro, o governador do Pará, Hélder Barbalho, enviou à Assembleia Legislativa do Estado (ALEPA) um projeto de lei de reforma do magistério público que impactava a progressão de carreira, a carga horária e as gratificações, além de comprometer os Sistemas Modular de Ensino Regular e de Ensino Indígena (SOME e SOMEI) com a implementação da modalidade remota, desconsiderando as diversas realidades presentes nos territórios da Amazônia.

Em um trâmite acelerado, o projeto foi votado em caráter de urgência na manhã do dia 18 de dezembro e rapidamente aprovado, sem qualquer diálogo com a categoria dos professores ou com as populações tradicionais.

Durante a votação, estivemos, juntamente com os trabalhadores da educação e outros estudantes, em um ato em frente à ALEPA contra a aprovação do projeto. A manifestação, no entanto, foi violentamente reprimida pela Polícia Militar, que utilizou balas de borracha, spray de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes.

Pouco menos de um mês depois, no dia 14 de janeiro, populações indígenas do oeste do Pará chegaram à capital e deram início à ocupação da sede da Secretaria de Educação do Estado (SEDUC), intensificando a mobilização contra a nova legislação.

A partir desse momento, a luta pela revogação da Lei nº 10.820/2024, liderada pelo movimento indígena, ganhou ainda mais força. Dias depois, surgiram outras frentes de luta que ocuparam a BR-163, em Santarém, e a BR-153, na divisa do Pará com o Tocantins. Simultaneamente, a Assembleia Geral do SINTEPP deliberou pelo início da greve dos trabalhadores da educação na rede estadual de ensino.

O movimento indígena abriu caminho para uma onda de mobilizações que se mantiveram firmes, apesar das tentativas do governador de deslegitimar a ocupação por meio da divulgação de fake news, como a alegação de tentativas frustradas de diálogo e a acusação infundada de depredação do prédio da SEDUC. Essa estratégia visava enfraquecer e dividir o movimento, inclusive cooptando parte de algumas lideranças indígenas.

Além disso, nesse sentido, vale ressaltar a atuação frustrante da Ministra dos Povos Indígenas Sônia Guajajara e da Deputada Federal Célia Xacriabá, que cumpriram um papel de mediação com o governo, contribuindo para a divisão do movimento.

No entanto, a resistência cresceu e as reivindicações permaneceram inegociáveis: a revogação da Lei nº 10.820/2024 e a exoneração do atual secretário de Educação, Rossieli Soares. Ex-ministro do governo Temer, Rossieli atuou nos estados de São Paulo e Amazonas com projetos que atacaram e sucatearam a educação pública, sendo, inclusive, condenado por improbidade administrativa em ação movida pelo Ministério Público do Amazonas (MP-AM).

Após 22 dias de resistência e pressão sobre o governo do estado, foi assinado um termo de compromisso com a revogação da lei pelo governador, sendo votado e aprovado na ALEPA no dia 12 de fevereiro de 2025.

Diante desse cenário, é fundamental refletirmos sobre as táticas de mobilização utilizadas pela esquerda no Brasil e sobre as lições deixadas pelo movimento liderado pelas populações indígenas. Destacamos três elementos que consideramos essenciais:

I. Só a luta conquista!

A história nos ensina que a pressão popular é capaz de garantir direitos à classe trabalhadora e aos povos oprimidos. As jornadas de junho de 2013 e os Tsunamis da Educação em 2019 são exemplos recentes de mobilizações, nas ruas, de que a luta coletiva é a ferramenta capaz de barrar retrocessos e assegurar políticas públicas para garantir dignidade ao povo. Esse resgate histórico é essencial para contrapormos o imobilismo de certos setores dos movimentos sociais, que impedem o avanço de um polo de esquerda independente e combativo para enfrentar os desafios do nosso tempo.

II. A unidade é na luta!

Outro elemento determinante para a vitória da educação no Pará foi a unidade entre o movimento indígena, populações tradicionais, o sindicato dos trabalhadores da educação e o conjunto dos movimentos sociais, que estremeceram a sociedade paraense em diversas frentes, rompendo, inclusive, a bolha midiática dos Barbalhos, graças à atuação imprescindível dos comunicadores populares juntamente do Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (CITA).

Diante disso, é preciso refletir sobre qual tipo de unidade queremos construir para o próximo período. Considerando a essência antagonista da sociedade de classes e o papel do Estado nesse contexto, não faz sentido uma unidade cujo objetivo final seja apenas a defesa de governo X ou Y, sem as devidas críticas quando necessárias. A unidade que precisamos é a dos que estão dispostos a construir mobilizações nas ruas, ocupando espaços e lutando contra qualquer ataque aos nossos direitos, fortalecendo um projeto verdadeiramente popular e socialista.

III. Direitos não se negociam!

O governo tentou oferecer contrapropostas ao movimento, sugerindo apenas reformas pontuais na educação indígena, enquanto a exigência estava negritada: a revogação total da Lei nº 10.820/2024 e a exoneração do secretário Rossieli Soares. Sem sucesso, a ocupação se manteve até que o desgaste do governador o obrigou a oficializar a revogação da lei.

A firmeza na radicalidade mostrou que, ao contrário do que pregam certos setores aparelhados à institucionalidade, nossos direitos não são moeda de troca. O movimento indígena demonstrou que não devemos abaixar nossas bandeiras ou aceitar migalhas quando o que está em jogo é a defesa de um direito tão fundamental como a educação pública.

Essa vitória, inclusive, abriu espaço para que mais denúncias de corrupção e de uso de máquina pública em benefício de Rossieli surgissem. E é com essa mesma força que devemos continuar, exigindo sua exoneração do cargo de secretário da educação.

O legado dessa mobilização, portanto, deve servir como referência aos desafios que ainda enfrentamos, considerando o atual cenário de impacto do arcabouço fiscal no Brasil, a crise multifacetada e o avanço da extrema direita e do nazifascismo, tanto no nosso país quanto no mundo. O nosso papel é caminhar juntos em defesa da educação pública, dos direitos dos povos tradicionais e na construção de uma sociedade verdadeiramente justa e igualitária.

Sigamos firmes, pois a luta não se encerra com uma vitória, mas se fortalece para os próximos enfrentamentos. Ao retomar constantemente a memória dos que resistem, lembramos que o futuro é ancestral e que é a força da luta coletiva que transforma a realidade!


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