Eleições e situação política no Peru: Juntos entrevista Marycielo, militante do Súmate
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Eleições e situação política no Peru: Juntos entrevista Marycielo, militante do Súmate

O Juntos! entrevistou Marycielo Hidalgo, da cidade de Tacna no Perú, militante da nossa organização irmã Juventud del Súmate.

15 fev 2021, 17:48

No último ano o Peru foi palco de grandes mobilizações populares. Está vigente a quarentena obrigatória no país devido ao aumento de contaminação e mortes pelo novo Coronavírus (a maior taxa da América Latina), enquanto ocorrem também eleições para a Presidência e para o Congresso.


O Juntos! entrevistou Marycielo Hidalgo, da cidade de Tacna no Perú, membro da nossa organização irmã Juventud del Súmate.

J: O Peru é o país com o maior número de mortalidade por COVID-19 na América Latina. Como é que o país está lidando com a pandemia e como ela afetou a realidade dos jovens?

Sim, infelizmente vivemos sob um modelo econômico neoliberal que se traduz numa redução do orçamento público. Na pandemia, em uma crise sanitária, isto se tornou muito visível no sistema de saúde peruano que, anteriormente, já era extremamente precário e débil; Com a chegada da COVID-19 tivemos o colapso de hospitais, falta de oxigénio, monopólios farmacêuticos que especulam com os preços dos medicamentos e mesmo clínicas privadas que cobravam uma soma exorbitante de 600 soles (equivalente a 800 reais no Brasil) por um teste que até então era gratuito.

Atualmente temos uma má gestão da crise pelo Presidente Sagasti e por aquele que o precedeu, ficamos sem vacinas e, a partir de segunda-feira, 15 de fevereiro, diferentes cidades do país entraram em quarentena obrigatória, o que significa o fechamento de negócios e comércios básicos em um país que vive de sua economia diária, onde que 70% de trabalhadores informais e ambulantes têm daí sua subsistência.

No caso dos jovens peruanos, muitos deles foram arbitrariamente despedidos, como foi o caso de uma rede de cinemas que os dispensou sem pagamento ou nada, por outro lado, a exploração da mão-de-obra aumentou, já que muitos têm de oferecer mão-de-obra barata para serem contratados em empresas que não podem pagar mais; os estudantes tiveram de se adaptar à educação virtual e remota o que rapidamente desmascarou o abismo educacional uma vez que muitos jovens não têm acesso à internet e muito menos a um computador portátil ou celular, motivo pelo qual também houve evasão escolar.

J: No ano passado, em novembro, tivemos manifestações gigantescas por todo o país, lideradas pela juventude. Por que razão vocês foram às ruas contra a deposição de Vizcarra e a presidência de Merino? 

O Peru vem, definitivamente, se arrastando em uma crise política e do regime com seis presidentes investigados por casos de corrupção (alguns com sentenças), um Congresso totalmente ilegítimo que vira as costas ao povo peruano e sem legitimidade com o Poder Judiciário, a gota que transbordou o balde  foi a deposição do Presidente Vizcarra e a assunção de Marino. Os jovens eram contra estas medidas porque, apesar de Vizcarra estar a sendo acusado de tráfico de influência e corrupção, as investigações estavam em curso e tínhamos de enfrentar uma crise de saúde, além disso tínhamos novas eleições presidenciais e para o Congresso. Porém, com o golpe de Manuel Merino com a sua maioria parlamentar a democracia foi violada e quando assumiu a presidência trouxe consigo um conselho de ministros de corte fascista e religioso, todos eles próximos dos grupos de poder como a CONFIEP. A insatisfação com a classe política foi uma das razões pelas quais nos mobilizamos. Não saímos às ruas por Vizcarra porque se ele fosse condenado por corrupção não o defenderíamos, íamos sair por algo maior, mas nessa altura o nosso país atravessava uma das piores crises sanitárias de sua história republicana. Além disso, foi acrescentado um decreto de emergência que permitia às forças armadas disparar contra as pessoas sem ter uma acusação criminal, com isto na cidade de Lima as marchas foram intensas e terminaram com dois jovens mortos pela polícia, Brayan e Inti, diante disto as mobilizações foram mais intensas e começamos a levantar as bandeiras de uma nova constituição através de uma assembleia constituinte porque tudo já estava podre, no final conseguimos a destituição de Merino.

J: Esta geração que tomou as ruas está sendo chamada de Juventude do Bicentenário. Porquê este nome?

De fato, este ano, dia 28 de Julho de 1821, foi proclamada a independência do nosso país  do Império Espanhol e neste 28 de Julho é o 200º aniversário de independência, razão pela qual ganhamos este nome. Porém, apesar do bicentenário, o nosso país ainda está em luta para romper com o colonialismo, a corrupção, o racismo que ainda fazem parte do nosso cotidiano. Este bicentenário é visto de uma forma mais crítica do que como uma celebração.

J: Mudando um pouco de assunto, como é a educação neste período de pandemia e como é o movimento estudantil na sua região e no país?

Tudo se tornou virtual, como mencionei antes, temos enormes lacunas de comunicação porque nem todos podem ter acesso a uma ligação telefônica e a Internet, nas universidades públicas foram fornecidos chips gratuitos com conectividade, mas não chega a todos os estudantes, no caso das universidades privadas, longe de baixar, houve aumento nas mensalidades  e muitos jovens tiveram de abandonar as suas carreiras por causa da crise econômica que estamos atravessando.

J: Ao mesmo tempo que há tanta rejeição da velha política, o Peru tem a oportunidade de eleger Veronika Mendoza como presidente. Fale mais sobre esta candidatura e porque é que os jovens devem votar em Vero.

Sim, principalmente porque durante as últimas manifestações começamos a questionar tudo e até a constitucionalizar o debate porque os problemas de educação, mulheres, soberania e saúde são protegidos na constituição neoliberal que temos e no nosso país o único partido que levanta o slogan de uma assembleia constituinte democrática é Veronica Mendoza e Nuevo Peru.

J: Súmate, corrente de Novo Peru da qual tu faz parte, também apresenta como prioridade a necessidade de uma Assembleia Constituinte para mudar o país. Porque isto é importante e o que tem a ver com as mobilizações dos jovens?

 Sim, estamos levantando esta bandeira, especialmente a de realizar um referendo, como forma democrática, para a nova constituição e para garantir que isso seja feito no governo de Veronika Mendoza, muitos jovens acreditam em Veronika, mas sobretudo no projeto que ela representa em nosso país como mulher e como jovem.

J: Finalmente, qual é a sua mensagem para a juventude brasileira e latino-americana?

Na América Latina estão chegando novos governos democráticos e progressistas, é importante internacionalizar a discussão sobre educação, mulheres e saúde para partilhar a experiência dos países irmãos e articular a organização de uma juventude latino-americana de esquerda.

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