Há espaço para a mudança
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Há espaço para a mudança

Um breve comentário sobre as eleições na Colômbia e na França

João Pedro de Paula 20 jun 2022, 13:33

As eleições na Colômbia e na França demonstram a existência de um espaço para a transformação, para além de seu resultado imediato. Desde a crise de 2008, compreendemos que passamos a uma situação de interregno internacionalmente, em que as classes dominantes passaram a ter mais dificuldade na sustentação de seus regimes políticos, em que pese não haja uma alternativa clara no horizonte do povo. Portanto, uma marca da situação atual é justamente a instabilidade dos regimes políticos, inclusive nos países em que a democracia burguesa está bem consolidada – como é o caso dos EUA, e a ausência de uma direção revolucionária que aponte o caminho a seguir.

Podemos caracterizar como a existência de uma insatisfação com os regimes políticos existentes, mas que ainda não se expressa totalmente num movimento para superá-los. Junho de 2013 no Brasil é um exemplo disto. Atos massivos ocorreram no país sem que houvesse a convergência para a construção de uma resposta em comum. E na ausência de uma alternativa à esquerda, no sentido do povo compreendê-la como a resposta para seus problemas e assumir essa construção, a extrema-direita se fortaleceu no Brasil e no mundo ao se apresentar como os “outsiders”, aqueles que estão contra tudo que está colocado na política (apesar de na maioria dos casos terem uma longa trajetória na política institucional). O próprio nome do partido de André Ventura, a principal liderança da extrema-direita em Portugal, o “Chega”, expressa esse sentimento.

Vivemos na década passada um ascenso desse setor, que teve um grande entrave com a derrota de Trump nos EUA, na qual a mobilização antirracista que incendiou o país teve um papel fundamental, inclusive arrastando essa luta para outras nações. Foi justo a força do povo mobilizado que colocou a trava no avanço do fascismo. E sem dúvidas, as derrotas que ele (e os partidos tradicionais da burguesia) vem tendo são expressões das lutas desenvolvidas nas ruas, pela qual a vitória de Boric no Chile pode ser compreendida.

Por mais contraditórios que possam ser os governos de esquerda (em um sentido amplo) que vem surgindo, ou mesmo aqueles que ganham sobrevida, eles expressam um elemento progressivo – a existência de um espaço para uma construção de uma alternativa à esquerda.

Bem, voltemos às eleições para tratar disso. À primeira vista, tanto as presidenciais como as legislativas na França marcam uma vitória de Macron, enquanto um governo para os ricaços. Mas em comparação às eleições anteriores, observa-se justamente um enfraquecimento do regime, que foi sendo contestado ao longo dos anos em mobilizações, como as dos “coletes amarelos”. A busca pela mudança é disputada pela extrema-direita, que foi ao segundo turno nas presidenciais e elegeu uma bancada histórica nas legislativas, assim como pela esquerda, tendo como uma marca o enfraquecimento dos partidos tradicionais da democracia francesa.

Ainda que Mélenchon, o candidato da França Insubmissa, não tenha ido ao segundo turno nas presidenciais, a coalizão impulsionada pelo seu setor, o NUPES, também elegeu uma quantidade expressiva de parlamentares, removendo a maioria absoluta necessária para Macron governar com mais facilidade. Trata-se de uma derrota para o regime, que terá um presidente “mal eleito”, mas cuja saída segue em disputa por lá e cá.

Na Colômbia, com a vitória de Gustavo Petro teremos o primeiro governo de esquerda da história do país, sendo Francia Marquez a primeira vice-presidente negra. Isso numa disputa marcada na busca pela mudança, em que o uribismo foi derrotado. Esse espaço que vemos à esquerda nas eleições foi forjado justamente através de grandes mobilizações. Isso é um marco em comum de todos esses países, por mais que sejam distintas as disputas existentes no cotidiano de cada um. Petro, Francia e Mélenchon surgem como uma expressão desses fenômenos, que obviamente atravessa a luta eleitoral.

Se é através do povo na rua que se constrói a alternativa, isso não implica necessariamente que nós seremos aqueles que irão ocupar esse espaço – por várias razões. Não há uma lógica linear de progressão. A realidade é muito mais complexa que isso. Por exemplo, a tendência no Brasil é que Bolsonaro seja derrotado por Lula, sendo que muitos votaram em Bolsonaro em 2018 justamente para impedir um retorno do PT à presidência. Na Colômbia, inclusive os partidos de direita apresentaram vice-candidatos negros e negras como uma forma de responder aos anseios da negritude. Simulacros da transformação que o povo busca também se apresentarão e precisamos enfrentá-los.

Uma compreensão internacionalista da realidade nos permite compreender exemplos que são traçados em outros países e que estão conectados com o que vivemos aqui. Não há uma resposta nem caminho dado para a alternativa radical que queremos forjar, mas as experiências nos ensinam um pouco de como construí-la.


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