A UNE e as greves das federais
Reprodução Bem Paraná

A UNE e as greves das federais

O que fortalece a extrema-direita é a continuidade da situação precária em nossas universidades e institutos federais e não a reação grevista a essa precariedade. Não é à toa que hoje avançam políticas privatistas para a educação. 

João Pedro de Paula 7 jun 2024, 11:27

Qual o papel do movimento estudantil na greve da educação?

Estamos há quase três meses de greve dos servidores técnico-administrativos (TAES) e a greve docente já passa de 50 dias. No final de maio, o governo federal chegou a assinar um acordo de negociação na tentativa de pôr um fim à greve com a Proifes, entidade que foi criada para tentar atuar contra o movimento grevista, em uma tentativa de substituir o ANDES e o SINASEFE, sindicatos nacionais de representação docente. 

A situação é tão bizarra que a própria justiça federal decidiu pela suspensão do acordo, tendo como um dos argumentos a ausência de registro sindical da Proifes. Desde o último mês, a greve da educação tem tomado cada vez mais o debate público, a ponto de termos agora uma reunião do presidente Lula com reitores de universidades e institutos federais, com o intuito de “tentar dar fim à greve”, como noticiou a Folha. O Globo recentemente publicou um editorial afirmando que a greve passou do limite.

A questão que pretendo tratar neste texto é justamente sobre a ausência do movimento estudantil neste processo, ou melhor, da entidade que deveria ser a direção do movimento, que é o caso da União Nacional dos Estudantes. Trata-se de uma ausência da UNE, visto que ocorrem diversas mobilizações na base estudantil, com greves em algumas universidades, como é o caso da UFF, Unirio, UFMG, UFG, UFPR e outras. 

Duas táticas no movimento estudantil

O debate que marca os setores de esquerda hoje é sobre como derrotar a extrema-direita e ao mesmo tempo seguir na disputa por melhores condições de vida, na luta por direitos. Em resumo, temos duas posições políticas que dividem o movimento estudantil.

A primeira é a posição da direção majoritária da UNE, composta pela UJS (PCdoB) e as juventudes do PT. É aquela que na base estudantil vem atuado contra as greves do próprio movimento e até pelo questionamento da greve dos trabalhadores da educação, chegando a buscar contrapor estudantes e profissionais em greve. É a posição de um campo que tem suas diferenças internas, mas que no fundo coloca que as mobilizações apenas podem existir se for com e através do governo federal. 

Para eles, qualquer greve que questione o governo Lula no fim estará fortalecendo a extrema-direita. Colocam que o papel do movimento estudantil é apoiar o governo nas disputas institucionais e tentar extrair o que for possível em meio a uma correlação de forças complicada no Congresso Nacional. É a posição de quem defende o arcabouço fiscal, por ser menos pior do que o teto de Temer. Trata-se de uma lógica política que se resume ao horizonte do possível na burocracia estatal.

Por outro lado, há a posição dos estudantes que estão em luta, que estão na construção de greves, como o Juntos! vem fazendo desde o início deste ano nas federais. A diferença está justamente sobre qual é a nossa relação com o governo Lula. Não partimos de uma posição de quem compõe o governo, mas de quem reivindica uma independência política, compreendendo não só que é possível, como necessário construir processos de luta que inclusive enfrentem o governo diante de sua política neoliberal, que podem gerar mais frustração diante dos ataques aos direitos do povo.

O peso da extrema-direita é um elemento concreto. São diversos vídeos e imagens publicadas nas redes sociais deste setor que atacam o movimento estudantil como nunca vimos em outros processos de greve. A questão é justamente que a existência e a atuação da extrema-direita não é fortalecida pelas greves, mas sim pela própria frustração social diante de uma expectativa de mudança que não se cumpre. Sabemos que no fundo o bolsonarismo é fruto da própria política que o PT teve em seus governos, que se sustentou na classe trabalhadora mas que governou através de uma política neoliberal.

A contradição de estarmos hoje com uma educação pública federal nas mesmas condições orçamentárias e estruturais que os governos de Temer e Bolsonaro não é nossa. O que fortalece a extrema-direita é a continuidade da situação precária em nossas universidades e institutos federais e não a reação grevista a essa precariedade. Não é à toa que hoje avançam políticas privatistas para a educação. 

A crise na educação é um elemento em disputa, que também é disputado pelos setores que fortalecem o seu desenvolvimento. O Globo e a Folha em seus editoriais, que são verdadeiros porta-vozes da posição política da burguesia, vem defendendo a utilização de recursos privados como resposta para a crise. A justificativa para isso é a mesma que vem apresentando o governo federal: não há recursos. Algo que nós sabemos que não é verdade, como bem denuncia a Auditoria Cidadã da Dívida Pública, mas o governo afirmar isso no fundo fortalece qual posição? Daqueles que apontam que há recursos públicos e é possível recompor o orçamento da educação ou daqueles que defendem uma política privatista diante da ausência de recursos? 

A greve estudantil e a UNE

Ao longo dessas semanas vimos diversos exemplos importantes na base do movimento estudantil. Hoje o movimento estudantil não é a vanguarda desse movimento grevista. Afinal, não fomos nós que demos o pontapé na greve como os técnicos ou que atingimos ao longo do processo uma massificação, como os docentes. Em que pese isso, temos buscado disputar o sentido de que essa luta também é estudantil.

São diversas universidades onde o movimento estudantil se somou ao processo de greve, apesar da UNE. Até o momento, a única postagem da entidade nacional que nos representa sobre a greve foi uma nota, que saiu depois de muita pressão nossa e dos demais setores da oposição, mas ainda assim com muitas limitações. A UNE poderia dar outro tom às mobilizações, trazendo publicamente que os estudantes também são parte dessa luta e até mesmo lutar pela existência de uma mesa nacional de negociação estudantil. 

A questão é que a orientação política da maioria da entidade tem se consolidado como um freio a mobilizações que possam gerar qualquer tipo de questionamento ao governo, se aproximando do papel que a UNE teve durante os primeiros governos do PT e se distanciando do papel que teve ao organizar o Tsunami da Educação, enquanto mobilização de massa no primeiro ano de governo Bolsonaro.

Mesmo sem uma entidade nacional combativa e com independência política, como tem os docentes e técnicos, os estudantes vêm demonstrado que é possível construir luta e tentar arrancar vitórias em meio a anos de desmonte da educação, como obtivemos recentemente na pequena recomposição orçamentária de R$ 347 milhões. É uma batalha que se expressa hoje na greve, mas que terá continuidade para além dela na luta contra o neoliberalismo, como veremos na tentativa de retirada do piso constitucional da educação, que já vem avançando nos bastidores do governo.

Uma nova geração no movimento

Diante de uma ausência de um acúmulo anterior, o processo tem sido carregado de contradições, com muitas dúvidas genuínas sobre como conduzir a luta. A última vez que ocorreram processos mais radicalizados foi em 2015 e 2016, com as greves e ocupações em escolas e universidades, com as quais me encontrei na luta pela primeira vez. 

Agora, uma leva de novos ativistas vêm tendo uma experiência com a greve e a luta estudantil de uma forma geral, possibilitando a formação de uma nova geração que pode vir a ocupar diversas entidades e espaços auto organizados do movimento, algo muito necessário diante da debilidade que ainda sofremos por conta dos laços cortados pela pandemia. As greves são verdadeiras escolas de luta, como nos ensinou Lenin no texto “Sobre as Greves”. Nosso desafio agora é saber organizar essa vanguarda de ativistas, apontando como disse Lenin, que a greve é um dos meios de luta, mas não a própria luta. As nossas tarefas vão muito além e é preciso seguir com essa experiência que vem sendo acumulada.

Por agora, o processo continua. O governo Lula vem sendo obrigado a negociar e dar respostas. É nosso papel seguir nessa pressão junto aos trabalhadores da educação, mas também saber disputar junto às reitorias das universidades as nossas demandas locais.


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