Os estudantes de Bangladesh, os Guaranis Kaiowá e a luta anticolonial
Reprodução: Instituto humanitas Unisinos

Os estudantes de Bangladesh, os Guaranis Kaiowá e a luta anticolonial

Como a luta anticolonial no mundo e no Brasil nos aponta os caminhos para a superação da colonialidade e a construção de alternativas

Clara Smith 3 set 2024, 19:37

Colonialismo x colonialidade

O termo colonialismo se refere ao processo de tomada e invasão, que se iniciou no século XVI, pelos europeus. Já a colonialidade é um termo introduzido por Aníbal Quijano (um sociólogo peruano) e que se refere às marcas do processo de colonização presentes até hoje na nossa sociedade, como por exemplo: as relações hierárquicas de poder, estruturas sociais e culturais.

A colonialidade é extremamente prejudicial para a nossa sociedade, visto que ainda enfrentamos as trágicas consequências do colonialismo, como o racismo. Quijano afirmava que o conceito de raça foi um dos termos fundadores do novo sistema de opressão, e isso é perceptível já que o racismo foi uma das “justificativas” que os colonizadores utilizavam para nos colonizar. Infelizmente essa herança racista ainda persiste nos dias atuais e, entre muitos exemplos, o que está acontecendo atualmente com os Guarani Kaiowá é uma das evidências disso.

Com essas informações, é possível entender que o colonialismo tem efeitos prejudiciais até hoje e que devemos, enquanto pessoas anticoloniais, estudar e pensar em como podemos nos desprender desse processo doloroso e desigual. Para tal, é preciso analisar o contexto nacional e internacional da luta anticolonial e pensar em como podemos nos aliar.

A juventude revolucionária de Bangladesh

Os estudantes universitários de Bangladesh transformaram o país por meio de uma rebelião, a qual fez com que a Primeira-ministra renunciasse seu cargo e fugisse do país. Tudo começou com uma revolta dos estudantes por conta do sistema de cotas injusto em empregos governamentais criado após a Guerra de Libertação, em 1972, para que os combatentes e seus descendentes tivessem direito a trabalhos no governo.

Os empregos governamentais de Bangladesh são muito concorridos e, infelizmente, no país há cerca de 3 milhões de pessoas desempregadas. Para além das cotas para grupos marginalizados que representavam 26% das vagas, havia 30% de reserva de vagas para descendentes do regime, sobrando 44% para concorrência mais ampla. A indignação inicial com esse sistema espelha as críticas que o governo vinha sofrendo, por tentar resolver a crise que vem passando por meio de um tradicionalismo ao invés de mudanças reais. Essa conjuração de elementos gerou grande descontentamento e frustrações, o que levou a alguns protestos.

Os estudantes foram duramente repreendidos, tendo mais de 300 mortos em apenas um mês. Além disso, o governo, autoritariamente, restringiu a internet e instalou um toque de recolher. Com isso, os estudantes se voltaram contra esse governo e exigiram a saída da Primeira-ministra Sheikh Hasina.

Após muita luta, os estudantes conseguiram com que Hasina renunciasse e fugisse do país, porém uma ordem judicial foi emitida com a intenção de pacificar os manifestantes e diminuiu, além da cota de descendentes de 30% para 5%, a cota de grupos marginalizados de 26% para apenas 2%, o que é totalmente absurdo, visto que diminui drasticamente as chances para os mais vulneráveis.

Essa situação em Bangladesh, país intensamente marcado pelas desigualdades devido aos vestígios do processo colonial, relaciona-se muito bem com a luta anticolonial internacional. A garra da juventude, como um todo, derrotou o governo autoritário e repressivo de Hasina. Essa rebelião deve ser levada como inspiração e referência em todo o movimento anticolonial internacional, pois rompe com essa grande marca da colonialidade que é a relação hierárquica do poder.

A luta dos Guarani Kaiowá também é nossa

Simultaneamente a situação de Bangladesh, aqui no Brasil acontece um processo infeliz de assassinato em massa do povo Guarani Kaiowá. Esse massacre está em curso há mais de 25 dias e muitos indígenas feridos pela “agromilícia”, que é apoiada por deputados do PL (partido liberal).

É importante lembrar que em 2011 a FUNAI delimitou esse território confirmando que é um território indígena, mas os ruralistas recorreram ao judiciário, que anulou os estudos da FUNAI aplicando o Marco Temporal. Com isso, os Guarani Kaiowá começaram o processo de retomada de uma de suas terras, porém a situação de violência foi agravada. Dessa forma, é possível notar que o projeto do Marco Temporal é completamente absurdo e contra os direitos dos povos indígenas.

Essa situação evidencia o fato de a sociedade brasileira ainda não ter rompido com a colonialidade e que não podemos nos calar diante de um quadro tão crítico como esse. Assim como os estudantes de Bangladesh se uniram e lutaram contra um Estado opressivo, nós devemos nos unir e lutar contra a agromilícia, que mata povos inteiros a sangue frio. Devemos também nos aliar aos povos indígenas na luta contra o Marco Temporal e pela demarcação de suas terras, ou seremos cúmplices de um sistema racista que é responsável pelo massacre de diversas etnias! Conheça o Juntos! e lute conosco por um Brasil anticolonial!!


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