Um Breve Hiato
Os últimos dias confirmaram uma impressão que fui desenvolvendo ao longo desse curto período em Atenas. Há uma estranha calma no ar. Tudo parece mover-se normalmente. No metrô, o ir-e-vir de uma grande cidade aparentemente não sofre nenhuma mudança…
Os últimos dias confirmaram uma impressão que fui desenvolvendo ao longo desse curto período em Atenas. Há uma estranha calma no ar. Tudo parece mover-se normalmente. No metrô, o ir-e-vir de uma grande cidade aparentemente não sofre nenhuma mudança. A normalidade só é quebrada quando uma criança toca sanfona em troca de sua recompensa, quando músicos mais experientes, esperando o mesmo, entram com seu ruidoso “Volare, Cantare…” no vagão ou uma senhora mais idosa apela por ajuda. Alguns fatos – como a descoberta de uma bomba numa estação de trem – poderiam deixar o cenário mais conturbado. Nas ruas, entre a febril agitação de crianças fantasiadas para o carnaval, alguns se aninham entre cobertas debaixo de marquises. À noite, uma espécie de Datena à moda grega xinga os políticos na televisão. Estou na Europa.
Para quem estava esperando acompanhar uma semana de intensos conflitos, os últimos dias talvez pudessem parecer um pouco frustrantes. A normalidade, no entanto, é apenas aparente. Na verdade, é a tensão que parece percorrer o rosto de todos. Reorganizar os planos para a atividade na cidade, por outro lado, tornou possível ouvir mais, sentir mais e tentar entender melhor. O fato é que, após reunir 1 milhão de pessoas no último domingo e na expectativa para o descanso de carnaval, os gregos decidiram esperar por uma semana. Pelo que esperam é difícil dizer. Mas o certo é que o feriado parece ser uma espécie de reabastecimento para uma longa jornada, uma recuperação do fôlego para o que virá. Não só por parte do povo e do movimento social. Também os políticos e tecnocratas refletem sobre os próximos passos.
Para onde vai o pêndulo?
A juventude parece ser o maior indicador da indefinição que vive o país. Nas conversas, o tema invariável é o desemprego. Engenheiros, jornalistas ou historiadores recém-formados. Não importa a área de trabalho, são muitos os jovens que foram despedidos ou que simplesmente não conseguem encontrar empregos. Também são muitos os que precisam desesperadamente contribuir com o orçamento familiar e trabalhar recebendo o “novo” salário mínimo votado pelo Parlamento de um pouco mais de 300 euros, com o que é quase impossível manter-se aqui.
Essa localização permite à juventude entender melhor o momento que vive o país. Muitos, nos últimos tempos, se lançam à política e ao movimento social. Aumenta o número dos que agora estão dispostos a lutar e encontrar ansiosamente uma saída política. Entretanto, também são muitos os que simplesmente não enxergam uma luz no fim do túnel. “Eu não tenho esperança”, me diz um ex-militante comunista. Como ele, tantos outros são os que, por pressōes econômicas, pensam ir trabalhar no estrangeiro. O movimento desse pêndulo, da luta à desesperança, depende agora mais do que nunca da capacidade de organização e formulação de uma forte alternativa política da esquerda.
Nas próximas semanas, tudo indica que a maré voltará a subir. Mesmo sem saber com qual intensidade, o certo é que alguma resposta será dada na quarta-feira, quando o Parlamento votará mais algumas das exigências da Troika para a concessão do último empréstimo e, principalmente nas próximas semanas, com a aproximação de eleiçōes que ninguém sabe ao certo se vão ocorrer. De tudo o que se pode ouvir nas conversas com militantes de esquerda ou com gente do povo, uma coisa sobressai: há mais dúvidas do que certezas. O próprio movimento, divido, hesita e todavia não pôde formular uma plataforma comum.
Duas palavras no grego antigo representavam o tempo: chronos era o tempo que parece contínuo, linear, enquanto kairos significava o momento, a oportunidade, o tempo potencial. Enquanto tudo parece transcorrer normalmente, crianças da nova geração brincam fantasiadas, em meio às ruínas da Acrópole, em seu carnaval. Milênios parecem agora contemplar o que virá nos próximos dias. O vento está por abrir ou fechar a janela. Kairos rebela-se contra Chronos, seu pai. Nos últimos dias, as forças têm se acumulado e todos se preparam para momentos decisivos. Em breve, ninguém mais usará máscaras em Atenas.
* Thiago Aguiar é militante do Juntos! SP e diretor da UNE pela Oposição de Esquerda. Ele está na Grécia acompanhando a situação de luta no país e representando o Juntos!