O que é o marxismo-leninismo? 
Ilustração

O que é o marxismo-leninismo? 

Para construir o amanhã, é preciso superar os métodos do marxismo vulgar

João Pedro de Paula 11 mar 2023, 11:06

Em um recente debate que fizemos sobre a contrarrevolução stalinista na União Soviética, alguns questionamentos surgiram. Uns, como Jones Manoel, diziam que o debate sobre Stalin e Trotsky é coisa do passado e há temas mais urgentes para serem pautados, como a autonomia do Banco Central. Como se houvesse uma contradição entre o debate teórico e a prática política, algo que pelo contrário, na lógica marxista, demanda um processo contínuo de relação entre teoria e prática. Esse argumento já foi rebatido em um texto que escrevi para o site do Juntos, sobre porque estudar e debater teoria marxista.  

Outros criticaram o nosso material dizendo que o stalinismo não existe e que ninguém se reivindica como stalinista. Em certo sentido, há uma verdade nessa afirmação. A maioria daqueles que reivindicam Stalin como uma liderança relevante prefere assumir o termo “marxista-leninista”. 

Na aparência, pode parecer apenas uma tradição teórica que reivindica Marx e Lenin. E até usando essa aparência, buscam dizer que quem não é marxista-leninista não é revolucionário de verdade ou o suficiente. Assumem-se, assim, como um suposto “marxismo oficial”. 

Mauro Iasi, dirigente do PCB, partido no qual se concentram na juventude setores que tem se aproximado desta lógica, diz o seguinte sobre essa vertente:

“Enquanto em Lênin encontramos a dialética viva em sua plena manifestação (o que não implica que não haja erros e desvios), em Stálin presenciamos uma negação expressa da dialética, uma positivação dogmática, a volta de esquemas, leis gerais, princípios imutáveis. Essa miséria teórica se expressa em várias formas. Destacamos aqui apenas duas: a separação esquemática e antidialética entre o chamado materialismo histórico e o dialético – na verdade uma forma de erradicar a filosofia do método (como apontaram corretamente Korch e Lukács) –, e a criação de uma verdade oficial e um parâmetro de julgamento do que seria o “verdadeiro marxismo” na forma do “marxismo-leninismo”, que tem pouco ou nada a ver nem com Marx nem com Lênin.

No entanto, não se trata de mero desvio cognitivo derivado de uma adesão acrítica a um método desfigurado em seus fundamentos, uma vez que, concordando com José Paulo Netto, o chamado “marxismo-leninismo” se converte em uma ideologia.”

Nesse mesmo sentido que a camarada Misa Gonçalves tratou em um texto sobre esse “identitarismo marxista”, em que uma suposta performance revolucionária se apresenta como mais relevante do que qualquer estudo e ação política que seja revolucionário em seu conteúdo. 

José Paulo Netto, também do PCB e um grande teórico marxista brasileiro, escreveu um livro chamado “O que é o stalinismo” em 1981, vejamos:

“Já mencionamos que a esta prática política vinculou-se um sistema de ideias, que resulta da adaptação do pensamento socialista revolucionário às condições particulares da Rússia. Esta adaptação, entretanto, nada tem a ver com aquela realizada por Lenin, que procurava adequar a teoria às necessidades de compreensão da realidade concreta. A adaptação efetuada pela autocracia stalinista se fez no sentido de transformar a teoria revolucionária num meio para justificar a sua prática política. Isto é: a teoria não foi utilizada para esclarecer e orientar a política, mas para legitimá-la. Numa palavra: a teoria foi empregada como apologia, degradou-se em propaganda. Para isto, a teoria foi adulterada. O pensamento de Marx, Engels e Lenin – um pensamento radicalmente crítico e polêmico – foi transformado num conjunto de dogmas simplificados a que se deu o nome de marxismo-leninismo e foi esquematizado a ponto de poder ser expresso em fórmulas vazias de conteúdo […]”. (página 63)

A citação de militantes que não são do meu partido, o PSOL, não é à toa. Faço no sentido de demonstrar que o stalinismo não só é reconhecido como combatido por militantes que não necessariamente são trotskistas. Em uma compreensão comum conosco, de que para construir o novo, é preciso se livrar das amarras nada dialéticas de um método contrarrevolucionário, de um passado mal superado por alguns que ainda precisamos enfrentar. 

No fundo, o marxismo-leninismo é aquele que vê em Stalin a continuidade revolucionária de Marx, Engels e Lenin, tal qual nos mostram as ilustrações. Debatemos este tema porque enquanto um método político, há também uma implicação prática, como podemos ver em alguns exemplos 

É se sustentando numa lógica binária e, portanto, não dialética, que alguns sustentam o caráter anti imperialista da Rússia liderada por Putin, em uma suposta oposição ao imperialismo dos EUA e europeu. E assim, negam qualquer solidariedade ao povo ucraniano que luta pela paz, diante de ter seu país invadido numa disputa territorial e econômica – que não tem nada de favorável a classe trabalhadora, tal qual os russos que não concordam com seu presidente. 

É também na compreensão de que a China é socialista, já que é dirigida por um Partido Comunista, adota símbolos comunistas, quando possui bilionários como membros deste partido e de diversas instituições estatais, como o Parlamento. E por conta desta perspectiva caracterizam qualquer revolta democrática contra esse regime como financiada pelos EUA, sem compreender os elementos progressivos de uma luta democrática, ainda que não necessariamente se apresente no imediato como socialista.

É na reprodução de práticas misóginas e lgbtfóbicas, ao negar a luta contra as opressões, pautando que o centro é a luta dos trabalhadores (como se estes fossem um ser abstrato e universal). Como fez Stalin em 1936, ao voltar a criminalizar o aborto, cuja descriminalização foi uma conquista da revolução, diminuindo a importância da luta feminista.

É na lógica muitas vezes formal de construção partidária, em que se busca replicar um modelo organizacional dos bolcheviques como se fosse universal, quando foi constituído em um momento de perseguição e repressão. Assim, convertendo a fórmula correta do centralismo democrático em um centralismo burocrático.

O próprio Marx, no Manifesto Comunista, texto escrito em 1848, não defendia um partido próprio para os comunistas, algo que só passou a ser considerado com o desenvolvimento da luta de classes pela experiência russa e alemã.

Para nós, um partido é um instrumento de organização da classe trabalhadora e da juventude para se movimentar rumo ao socialismo, através de um processo de mobilização permanente, envolvendo sempre as demandas mais imediatas do povo. O partido não tem uma forma fechada, como se fosse pautado num guia teórico e universal. Ele é constituído de acordo com a conjuntura internacional e nacional, considerando diversos aspectos da realidade concreta, como o nível de consciência de classe do povo.

O marxismo-leninismo se fecha às contradições da realidade num apego a uma forma supostamente revolucionária, que no fundo, como destacou Mauro Iasi, nada tem a ver com o método de Marx e Lenin. Para quem quer assumir um identitarismo revolucionário, esta de fato é a vertente adequada. Para aqueles que buscam se organizar concretamente para as demandas imediatas e históricas de nosso povo, faço um convite a construir o movimento Juntos! e o PSOL. Não porque as considero organizações perfeitas, com o melhor modelo organizativo, mas justamente por se colocarem na disputa das contradições da realidade para a superação do capitalismo. 


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