O que não dá mais para naturalizar
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O que não dá mais para naturalizar

Pelo fim do apagão na educação e da floresta no chão, é necessário independência política e aposta na mobilização

Theo Louzada Lobato 31 maio 2025, 17:30

A última semana foi marcada por dois debates importantes a nível nacional: a queda do decreto do Apagão da Educação, editado há um mês pelo poder executivo e a aprovação no Senado do PL da devastação, marcado, inclusive, pelos ataques anti ambientais e machistas à ministra de meio-ambiente Marina Silva. Ambos pontos, apesar de se tratarem de tópicos distintos, demonstram uma mesma lógica de atuação do governo federal e ajudam a abrir um debate fundamental: qual limite da normalização que podemos ter, por parte da esquerda e dos movimentos sociais, perante a atual agenda de governo?

A derrubada do decreto do Apagão foi importante, mesmo que seja uma conquista muitíssimo parcial. O decreto, que havia sido editado pelo governo no final de abril, seria um dos maiores ataques recentes à universidade pública, mesmo que tentasse, ao mesmo tempo, esconder seu verdeiro impacto. Os 40% que seriam congelados até novembro (ou seja, cortados), só puderam ser revertidos com toda pressão feita, em especial, pelas instituições de ensino.

Tentando construir uma narrativa oposta à prática, o governo fez um anúncio do fim do decreto e de uma “recomposição” de em torno de 700 milhões, dos quais 300 milhões seriam só uma reversão do que seria congelado pelo próprio decreto e 400 milhões um, remanejo do MEC. A questão é, com os cortes do último ano, a verba segue sendo menor do que o início do governo Bolsonaro ou toda gestão de Temer. Além disso, a própria disposição do governo em cortar quase metade desse valor já é um sinal muito evidente: a educação pode, se conveniente, ser rifada.

Ou seja, esse debate precisa ser feito. Não é possível naturalizar perante os estudantes, trabalhadores e professores que essa agenda é a mediação possível, porque, na prática, não é mediação nenhuma. O modelo de privatização universitário que o teto de gastos impõe, só está sendo testado em que velocidade irá acontecer, mas efetivamente o governo Lula permite uma transição para outro modelo educacional que não dependa da verba pública e, portanto, que seja articulada a partir das universidades e do lucro dos grandes empresários da educação.

Por isso o decreto precisa ser um sinal de alerta de que precisamos articular um outro passo. A postura, por exemplo, da UNE de anunciar a volta atrás no decreto como vitória, mas sem responsabilizar o governo, abrindo mão de construir em diversos Estados as iniciativas do 29, é um exemplo do que não nos basta.

Existe, atualmente, uma agenda neoliberal para a educação, esconder essa contradição, que não é do movimento social, sindical ou estudantil, mas sim do governo, é um dos fatores decisivos para esvaziar as ruas. Se nossa estratégia é “fazer o governo dar certo” e não defender as pautas que são necessárias ser defendidas, se nossa preocupação está só com o desgaste que geram as decisões que o governo faz sem nossa participação, o único setor que será capaz de disputar a agenda política no Brasil é a extrema-direita. E o que vai ser rifado sempre serão nossas pautas.

O decreto, mesmo derrubado, mostrou que não podemos enfeitar a agenda econômica do governo Lula, transmitindo para os espaços que atuamos como se não houvesse nada grave a ser combatido. A necessidade de construir independência política na esquerda brasileira ficou ainda mais evidente. O atual teto de gastos não será derrubado por vontade do governo que o editou, só o será se houver pressão construída por fora dele.

Essa polêmica também inclui a pauta ambiental. O debate sobre o PL da devastação no Senado escancarou também que existe hoje espaço para poder ser desmatado, por meio da flexibilização da fiscalização, uma área do tamanho do Estado do Paraná. Uma pauta que não conseguiu avançar durante os últimos governos, encontra espaço nesse momento e inclusive apoio de parte da bancada governista. Essa agenda, naturalmente, se casa com os esforços de que seja aprovada a exploração no Foz do Amazonas do governo e do próprio Lula.

São mudanças graves na política ambiental brasileira que precisam ser combatidas e aqueles que a apoiam precisam ser responsabilizados. E são, portanto, mais demonstrações do que não pode ser (ironicamente) naturalizado. A falta de iniciativas ou mesmo debate sobre ambos temas por boa parte da esquerda se transforma em conivência: uma permissividade que deixa uma agenda pretensamente desenvolvimentista passar a boiada. A exceção, ainda que pequena, está naqueles que vão construir atos na próxima semana, nos dias 1, 5 ou 7, em diversos Estados pelo país.

Portanto, ambos temas que estiveram em destaque essa semana demonstram a necessidade de construir saídas independentes. São exemplos do porquê o movimento social, estudantil e sindical precisam avançar em construir uma agenda própria, mesmo que incômoda ao governo, para não serem nossos direitos ou nosso futuro rifados em troca de uma governabilidade sem nenhum tipo de enfrentamento.

Nosso desafio central é como convencer aqueles que tem acordo que a educação não pode ser privatizada e a floresta precisa ficar de pé – e esses não são poucos – que precisamos nos articular coletivamente para defender nossos direitos. A vitória dos estudantes da PUC-SP, que se mobilizaram contra a elitização e racismo na universidade, articulando uma ocupação que construiu assembleias com centenas de pessoas e garantiu boa parte de suas reivindicações, demonstra o espírito que precisamos seguir.

É um exemplo fundamental porque demonstra que existe espaço para construir lutas e vitórias, mas que para isso precisamos apostar que mobilização é, sim, possível de ser feita de forma ampla. Que é necessário sermos abertos sobre quais lutas estamos travando e compreender que nossa mobilização só vai ampliar quando a ideia de unidade que busquemos seja a de trazer para a luta os que ainda não estão articulados e não a de palavras ao vento para escondermos nossas pautas. Reforçar um programa anticapitalista e ambientalista, ou seja, ecossocialista, construir o debate honesto sobre a política econômica e ambiental do governo e apostar na mobilização: esses são nossos desafios que devem vir com a não naturalização do que está dado como nosso único horizonte possível.


Imagem O Futuro se Conquista

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