“Governos que pregam negacionismo nunca serão bem vindos”: entrevista com o Centro Acadêmico de Medicina da USP
Faixa "300 mil é genocídio" na Faculdade de Medicina da USP

“Governos que pregam negacionismo nunca serão bem vindos”: entrevista com o Centro Acadêmico de Medicina da USP

O Juntos traz uma entrevista com o Centro Acadêmico Oswaldo Cruz, conduzida pelos Estudantes pela Saúde, sobre o protesto contra o novo ministro e os próximos desafios para a luta da saúde e da educação

Estudantes pela Saúde 2 abr 2021, 11:36

Na quinta-feira (25 de março), os estudantes de Medicina da USP prepararam uma recepção quente ao novo Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Em um contexto de mais de 300 mil mortos e de curva ascendente de óbitos, assim como de deficiência crônica na política de vacinação e de prevenção à COVID-19, o protesto ecoou a voz de milhões de pessoas que não aguentam mais a política genocida do governo Bolsonaro. O Juntos traz aqui uma entrevista com o presidente do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz, que organizou o ato, onde debatemos o sentido do protesto – e também sobre como seguir a luta em defesa da saúde, da vacina e das condições de estudo e permanência dos estudantes. A entrevista é conduzida pelos Estudantes pela Saúde e pelo Centro Acadêmico Rocha Lima, do curso de Medicina da USP Ribeirão Preto.

Estudantes Pela Saúde | Diante do duro cenário de crise sanitária, o Ministro da Saúde fez uma visita à Faculdade de Medicina da USP. Acompanhamos com muita empolgação a manifestação que liderou a Medicina para recebê-lo. A gente queria saber quais, para vocês, são os elementos que os levaram à se manifestarem?

Centro Acadêmico Oswaldo Cruz | A manifestação foi impulsionada por diferentes fatores, entre eles: a necessidade de mostrar a insatisfação dos alunos e da população com a incompetência do governo federal na gestão da pandemia até aqui; e sinalizar para o novo ministro que o movimento estudantil (nesse caso em especial os alunos da saúde) permanecerá tendo um posicionamento vigilante, além de sempre cobrar não só o respeito à ciência, mas também atitudes, por parte do governo e instituições, que mudem o rumo da pandemia até agora.

EPS | Quais são os objetivos das mobilizações e o que querem os estudantes da FMUSP?

CAOC | Os estudantes desejam mostrar que a FMUSP não serve e não servirá como palco para o governo federal buscar legitimação das ações que não seguem a medicina baseada em evidências. Nenhum governo usará o renome dessa instituição para respaldar medidas completamente deslocadas do que a comunidade médica acredita. Governos que pregam negacionismo e ações que prejudicam a saúde pública – como fez quando desestimulou o uso de máscaras ou barrou a obtenção de doses de vacinas – nunca serão bem vindos nessa casa.

EPS | Aproveitando a oportunidade desta conversa, a gente queria entender como está a situação dos hospitais que vocês estagiam, tanto para os pacientes como para os profissionais da saúde. Na visão de vocês, o SUS tem sido bem aproveitado em sua totalidade durante a pandemia? E quais são os problemas mais graves nos hospitais que vocês estão atuando?

CAOC | Com o agravamento da pandemia no último mês, o número de casos de COVID, tanto no HC (Hospital das Clínicas) quanto no HU (Hospital Universitário), disparou. As visitas presenciais para pacientes estão impossibilitadas. Houve redução de atendimentos para outras especialidades e os profissionais estão sendo mobilizados para conseguir responder às demandas tanto de pacientes com COVID como de outros casos. Os alunos dos dois últimos anos permanecem nos estágios presenciais, contudo o ensino para os outros anos voltou a ser remoto.
Quanto ao uso do SUS, ocorre durante todo o curso da pandemia uma ausência de gestão de recursos por parte do governo federal. O governo Bolsonaro não aproveitou a totalidade do nosso sistema de saúde, como por exemplo com a vacinação. O SUS, de acordo com o próprio Ministro da Saúde, tem capacidade de vacinar mais de 2 milhões de pessoas por dia, mas como a obtenção de doses foi dificultada pelo governo, hoje não utilizamos nem 50% dessa capacidade. Dentro dos hospitais que atuamos há problemas como o risco de faltar medicamentos para a intubação de pacientes graves, além do próprio colapso. Hoje vivemos um momento de exaustão dos profissionais de saúde e a vacinação, que é nossa esperança de melhora do quadro epidemiológico, caminha a passos curtos.

EPS | Como a Universidade vem respondendo à COVID para o curso de vocês, com relação à reposição de aulas, estágios, permanência estudantil e vacinação? Existe uma preocupação real da USP em garantir que seus estudantes sigam na universidade durante essa dificil situação?

CAOC | Houve uma alteração do curso, com as aulas teóricas sendo passadas para o formato remoto – e a Faculdade comprometeu-se a fornecer equipamento e acesso à internet àqueles alunos que não possuíam, o que amenizou a situação. Quanto às reposições de atividades práticas, elas ocorreram ainda no início do ano. Os estágios que compõem os dois últimos anos foram mantidos mesmo com o agravo da pandemia, o que pode gerar um prejuízo de ensino, visto que recursos humanos dos hospitais estão sendo deslocados para o combate da COVID-19. Contudo, a Universidade não apresentou planos para compensar essa possível pendência. Quanto às atividades práticas das outras turmas, elas estão suspensas até a melhora do quadro da pandemia. Sobre a permanência estudantil, as pendências (que já existiam) se agravaram. Com os restaurantes universitários fechados, a alimentação dos alunos ficou prejudicada, além de o valor das bolsas continuar ínfimo – ainda mais se considerarmos que o quadrilátero da saúde se localiza em uma das regiões mais caras de se viver na capital paulista.
Assim, pode-se dizer que o esforço da universidade em garantir que os estudantes permaneçam em seus cursos ainda é diminuto. Os estudantes dos quatro primeiros anos frequentam o hospital, mas não foram vacinados. Dessa forma muitos estão vivendo uma condição na qual precisam se expor nos hospitais e outros serviços de saúde e voltar para suas casas utilizando transporte público. Dessa maneira, a universidade coloca em risco os alunos e seus familiares e coloca o trancamento do curso como a única alternativa, repassando, para o aluno, a responsabilidade (que deveria ser da instituição) de garantir a segurança dele e dos familiares.

EPS | Como está especificamente a permanência estudantil para vocês durante a pandemia? Sobretudo para os estudantes cotistas e de moradia estudantil.

CAOC | Houve uma piora da situação financeira de muitos alunos, o que agrava a situação de permanência estudantil. As políticas da faculdade já não eram satisfatórias, e entre os problemas estão: a demora na aprovação e os baixos valores das bolsas. Houve aumento da demanda, mas a instituição não buscou formas de ter um aumento proporcional dos programas. Algumas organizações de alunos e professores tentam ajudar nesse quesito, mas a USP não está se preparando para amparar os novos alunos que estão chegando e a pandemia só escancarou isso.

EPS | Quanto à COVID-19: como deve ser construído um plano de enfrentamento concreto para a COVID? na concepção de vocês, esse comitê criado pelo governo tem condições de garantir a vida da população? Como vocês proporiam uma política de enfrentamento à COVID?

CAOC | O enfrentamento da COVID possui duas vertentes muito importantes: a proteção do sistema de saúde contra o colapso e a manutenção de condições básicas de vida das populações vulneráveis. Assim, desde o início, o governo federal deveria ter promovido uma gestão de insumos e recursos de forma que as diferentes populações brasileiras tivessem a capacidade de respeitar as medidas propostas pelas autoridades sanitárias internacionais. Todavia, o governo preferiu largar estados e municípios à própria sorte. Faltou EPI, oxigênio e vacina, mas o que nunca faltou foi deboche do número de mortes, desinformação e falta de transparência. Esperamos que o novo ministério consiga se aproximar dos especialistas e passe a incentivar e cobrar da população o cumprimento das medidas de isolamento. Além disso, que o governo obtenha doses para vacinar toda a população, porque a vacina é, por enquanto, a nossa única esperança de melhora da condição da pandemia.

EPS | Pra quem está lendo essa entrevista: como se prevenir do contágio e como lidar caso esteja com sintomas? (Se puderem, falem um pouco da nova cepa também.)

CAOC | USEM MÁSCARA!!! O uso da máscara deve ser feito da forma correta, sempre cobrindo boca e nariz. Também é muito importante lavar bem as mãos com água e sabão antes de tocar o rosto ou mucosas. A pandemia não vai passar nos próximos meses e o número de óbitos é assustador, faça sua parte para que possamos frear esse desastre. Não utilize medicações sem comprovação, vários pacientes usaram e mesmo assim foram internados. E, principalmente, quando chegar sua vez, TOME A VACINA. Elas são seguras e, quando você se vacina, ajuda a si mesmo e àquele que não pode se vacinar, já que contribui para redução da circulação do vírus.


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